O Brasil tem hoje um complexo sistema institucional de gestão do meio ambiente, regido por vasto aparelho legal. A legislação vigente foi criada em diferentes momentos, sob distintos contextos sociais, políticos e econômicos. Por essa razão, e porque toda norma legal representa um compromisso entre interesses diversos e muitas vezes divergentes, é útil conhecer um pouco dessa história legislativa. Embora se trate de um instrumento bastante inovador, a AIA foi inserida em um contexto legal e institucional que a precedeu, de forma que convém conhecer suas principais características para apreciar todo seu alcance.
Na primeira parte deste capítulo será apresentada uma periodização da legislação e da política ambiental brasileira, no plano federal, apontando os principais textos legais e as instituições criadas para aplicar essa política. A periodização aqui apresentada é baseada principalmente em Monosowski (1989).
A organização institucional para gestão ambiental vigente no Brasil decorre de um certo número de políticas públicas, expressas formalmente pela legislação. Políticas e leis estabelecem alguns instrumentos de intervenção do Estado, que são os mecanismos, procedimentos e métodos empregados com a finalidade de aplicar uma política pública, ou seja, para atingir os objetivos nela expressos. Exemplos desses instrumentos são o licenciamento ambiental, a autorização administrativa para supressão de vegetação nativa e a própria avaliação de impacto ambiental.
Pode-se identificar, segundo Monosowski (1989), quatro fases principais na política ambiental brasileira, que correspondem a diferentes concepções do meio ambiente e do seu papel nas estratégias de desenvolvimento econômico. Embora elas praticamente se sucedam cronologicamente, não há substituição de uma política por outra, mas, sim, superposição, o que transforma a atual política ambiental brasileira em um mosaico onde coexistem os conceitos dos anos 1930 com aqueles do final do século XX. O Quadro 3.1 indica os principais marcos dessa evolução, apontando algumas leis aqui citadas e as instituições do governo federal encarregadas de aplicá-las.
Quadro 3.1 Principais leis e instituições federais envolvidas na gestão ambiental no Brasil
ANO |
INSTRUMENTO LEGAL |
INSTITUIÇÃO |
ADMINISTRAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS |
||
1934 |
Código de Águas (e Política Nacional de Recursos Hídricos – 1997) |
DNAEE (atual Aneel), ANA |
1934 |
Código Florestal (modificado em 1965 e em 2012) |
Serviço Florestal (desde 1921), depois DRNR (1959), IBDF (1967), atual Ibama (desde 1989) |
1934 |
Código de Minas (posteriormente Código de Mineração – 1967, modificado em 1996) |
DNPM |
1937 |
Decreto-lei de Proteção ao Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico |
Iphan (também, ao longo dos anos, Sphan e IBPC) |
1938 |
Código de Pesca (modificado em 1967) |
Sudepe (1962) (atual Ibama) |
1961 |
Lei sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos |
Não cria nova instituição |
1967 |
Lei de Proteção à Fauna |
IBDF (atual Ibama) |
2000 |
Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação |
Não cria nova instituição |
CONTROLE DA POLUIÇÃO INDUSTRIAL |
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1973 |
Decreto 73.030 (criação da Sema) |
Sema (1974), atual Ibama |
1975 |
DL 1.413 – controle da poluição industrial |
Sema, atual Ibama |
PLANEJAMENTO TERRITORIAL |
||
1979 |
Lei 6.766 – parcelamento do solo urbano |
Não cria nova instituição |
1980 |
Lei 6.803 – zoneamento ambiental nas áreas críticas de poluição |
Não cria nova instituição |
1988 |
Lei 7.661 – plano nacional de gerenciamento costeiro |
Parte integrante da Política Nacional do Meio Ambiente |
2001 |
Lei 10.257 – Estatuto da Cidade |
Não cria nova instituição |
2002 |
Decreto 4.297 – zoneamento ecológico-econômico |
Parte integrante da Política Nacional do Meio Ambiente |
POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE |
||
1981 |
Lei 6.938 – Política Nacional do Meio Ambiente (alterações: leis 7.804/89 e 9.028/90) |
Sisnama Conama |
Notas: (1) Estão referidas somente as datas de criação das instituições e as leis que lhes deram origem. A maioria delas foi alterada diversas vezes. (2) Desde 1981, novas instituições foram criadas, como o Instituto Chico Mendes de Proteção à Biodiversidade, desmembrado do Ibama em 2007, e a Fundação Cultural Palmares; no entanto, sua criação reflete apenas uma forma de organização do Estado. (3) Diversas leis ambientais foram aprovadas depois de 1981, como a Lei de Crimes Ambientais, a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Lei da Mata Atlântica, entre outras.
Siglas: ANA – Agência Nacional de Águas; Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica; Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente; DNAEE – Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica; DNPM – Departamento Nacional da Produção Mineral; DRNR – Departamento de Recursos Naturais Renováveis; Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal; IBPC – Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural; Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; Sema – Secretaria Especial do Meio Ambiente; Sisnama – Sistema Nacional do Meio Ambiente; Sudepe – Superintendência de Desenvolvimento da Pesca.
Datada dos anos 1930, com a reorganização do Estado brasileiro promovida por Getúlio Vargas e o início de um processo mais intenso de industrialização, a principal preocupação inerente a essa fase da política ambiental brasileira é racionalizar o uso e a explotação dos recursos naturais mediante políticas públicas setoriais que regulamentam o acesso e a apropriação desses recursos.
Isso não significa que inexistissem iniciativas a fim de disciplinar o uso dos recursos naturais em território nacional. No final do século XVIII, a Coroa portuguesa editou medidas para preservar madeiras de lei utilizadas na construção naval, pois “as inspeções e relatórios indicam que não existia mais madeira adequada por muitas léguas nas proximidades das vilas maiores” (Dean, 1997, p. 152). É bem conhecido o Alvará do Rei Dom José, de 9 de julho de 1760, que tenta conter a devastação dos mangues, empregados em curtumes:
[…] sou servido ordenar que, da publicação desta em diante, se não cortem as árvores dos mangues que não estiverem já descaídas, debaixo da pena de cinqüenta mil réis, que será paga da cadeia, onde estarão os culpados por tempo de três meses, dobrando-se as condenações e o tempo de prisão pelas reincidências […]
Também a explotação pouco controlada das minas de ouro e diamante, decadentes nessa mesma época, levou a Coroa a reagir, buscando a orientação de especialistas luso-brasileiros, inicialmente, e estrangeiros depois da transferência da Corte para o Rio de Janeiro (Sánchez, 2003). Nessa tarefa destacou-se José Bonifácio, que, no cargo de Intendente Geral das Minas, teceu fortes críticas não apenas aos métodos rudimentares usados na mineração, como também à agricultura itinerante (Pádua, 1987).
A derrubada das matas para dar lugar a uma agricultura incipiente era percebida por intelectuais do final do período colonial e do Império como um dos graves entraves ao desenvolvimento nacional (Pádua, 2002). Hoje o processo seria descrito como a dilapidação do capital natural, sem que disso resultasse o crescimento do capital econômico ou humano. A regulação do acesso e do uso dos recursos naturais, dos quais o Brasil era rico, seria essencial para colocar o País no rumo do desenvolvimento.
A regulamentação posta em prática no período getulista se deu pela promulgação de diversos códigos, cada um estabelecendo critérios para o aproveitamento econômico de um único recurso natural. Os principais recursos naturais reconhecidos à época foram incluídos nesse conjunto de leis1. Assim, os recursos hídricos, florestais, minerais e pesqueiros foram objeto de regulamentação específica, definindo-se as modalidades e condições de uso e apropriação por parte dos agentes econômicos. Ao mesmo tempo, foram criadas ou reorganizadas as instituições governamentais encarregadas de aplicar os dispositivos legais e, portanto, da gestão governamental desses recursos.
Como o objetivo principal dessa primeira fase de políticas ambientais era regulamentar o acesso aos recursos naturais, não se trata a rigor de uma política ambiental, tal qual a entendemos hoje, mas de um conjunto de políticas de recursos naturais. No entanto, traziam em seu bojo diversos mecanismos destinados a compatibilizar o uso desses recursos com sua conservação a longo prazo.
O melhor exemplo é o Código Florestal, que estabeleceu as florestas protetoras e abriu a possibilidade do poder público declarar determinadas porções do território como parques nacionais, estaduais ou municipais, hoje conhecidos como unidades de conservação, locais onde o uso direto dos recursos naturais é proibido ou estritamente regulamentado. Ademais, as florestas também têm reconhecidas suas funções de:
a) conservar o regime das águas;
b) evitar a erosão das terras pela ação dos agentes naturais;
c) fixar dunas;
d) auxiliar a defesa das fronteiras […];
e) assegurar condições de salubridade pública; proteger sítios que por sua beleza natural mereçam ser conservados;
f) asilar espécimes raros da fauna indígena.
(Art. 4º, Decreto no 23.793, de 23/01/1934, Código Florestal.)
Tais salvaguardas atendiam em parte a demandas de maior controle do Estado sobre a desenfreada derrubada de florestas para a contínua expansão das áreas destinadas a atividades agropecuárias. Nesse sentido, já se faziam ouvir vozes entre intelectuais e altos funcionários ainda no período colonial (Pádua, 2002). Em 1934, a realização da Primeira Conferência Brasileira de Proteção da Natureza, no Rio de Janeiro, em defesa da “flora, fauna, sítios e monumentos naturais” (Urban, 1998, p. 88), é uma expressão ainda tímida de um movimento associativo com objetivos de proteção ambiental, como a Sociedade dos Amigos das Árvores.
Não é por coincidência que nesse período se promulga a primeira lei referente à preservação do patrimônio histórico, arqueológico e artístico que, aliás, também promove a conservação ambiental:
Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana.
(Art. 1º, par. 2º, Decreto-lei no 25, de 30/11/1937.)
O ano de 1937 é também o da criação do primeiro parque nacional brasileiro, o de Itatiaia (Fig. 3.1). O conceito de “parque nacional”, oriundo dos Estados Unidos, foi bem acolhido por alguns intelectuais e cientistas brasileiros, com destaque para o engenheiro André Rebouças, que já em 1876 publicou uma obra em que propunha a criação de um parque na ilha do Bananal e outro nas Sete Quedas ou Guaíra, no rio Paraná (Urban, 1998). A criação de um parque no maciço montanhoso de Itatiaia, Estado do Rio de Janeiro, havia sido proposta no início do século (Pádua e Coimbra Filho, 1979).
Todos os códigos promulgados durante o governo Vargas foram revistos e reformulados por ocasião do regime militar implantado em 1964, que acrescentou a Lei de Proteção à Fauna ao rol da legislação de recursos naturais, dando ao então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) a atribuição de aplicá-la. Foram significativas as modificações introduzidas no Código Florestal (Lei nº 4.775, de 15 de setembro de 1965), que passou a ter um caráter um pouco mais conservacionista, com a declaração de que são de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo de rios, ao redor de lagoas e nascentes, no topo de morros, nas encostas de alta declividade, nas restingas, nas bordas de tabuleiros e chapadas, e em altitudes superiores a 1.800 m.
Fig. 3.1 Pico das Agulhas Negras, no Parque Nacional de Itatiaia, o primeiro parque brasileiro, criado em um período de fortalecimento de instituições encarregadas da administração dos recursos naturais
No entanto, uma característica desse período, com reflexos que perduram ainda hoje, é o tratamento profundamente desarticulado dado a essas políticas, aplicadas por órgãos independentes, vinculados a ministérios diferentes e, não raras vezes, com objetivos contraditórios. Assim, aos conflitos legais, ou seja, incompatibilidades e incoerências entre as leis, sobrepuseram-se conflitos políticos referidos às orientações quanto à aplicação das leis. Isso é ilustrado pelo conflito entre o Código de Mineração e o Código Florestal. Enquanto o primeiro estabelecia critérios para concessão de autorizações de pesquisa e lavra mineral, o segundo estabelecia unidades de conservação, onde toda explotação de recursos naturais era proibida. Todavia, desconhecendo ou desconsiderando o Código Florestal, o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) dava essas autorizações inclusive em áreas de parques nacionais ou estaduais.
Conflitos e profundas dificuldades de articulação existiam no interior de um mesmo órgão governamental. O IBDF era, ao mesmo tempo, responsável por estimular a produção florestal e implantar e gerir parques nacionais e outras unidades de conservação, enquanto corria a anedota de que as tartarugas, quando fora d’água, estavam sob jurisdição do IBDF e, dentro d’água, sob jurisdição da Sudepe – Superintendência de Desenvolvimento da Pesca.
A fragilidade institucional é uma característica dos órgãos públicos encarregados da gestão dos recursos naturais no Brasil. Isso significa mais que carência de recursos financeiros ou falta de vontade política dos dirigentes: envolve a preparação e a capacitação de recursos humanos, bem como a definição clara da missão institucional do órgão. É sintomática a declaração de Alceo Magnanini, em depoimento a Teresa Urban: “Quando foi criado, o IBDF recebeu um orçamento especial que nenhuma repartição pública jamais recebeu no ato de criação, mas não teve preparo para empregar esses recursos, que simplesmente foram devolvidos. Quase 60% devolvidos, enquanto nós precisávamos, desesperadamente, de guardas florestais, de guarda-parques, de pessoal de pesquisa, tudo” (Urban, 1998, p. 253).
As instituições encarregadas dos recursos florestais passaram por diversas transformações, sem nunca ter condições institucionais plenas de realizar sua missão. “O Serviço Florestal, criado em 1921 e regulamentado em 1925, não chegou a desenvolver atividades expressivas até 1930, quando foi praticamente substituído por uma ‘Seção de Reflorestamento’ dentro do Serviço de Fomento da Produção Florestal” (Urban, 1998, p. 103). Nessa época, havia ainda duas outras instituições encarregadas do fomento da produção de recursos florestais, o Instituto Nacional do Mate, criado em 1938, e o Instituto Nacional do Pinho, de 1941. O Serviço Florestal voltou em 1944, contando inclusive, e pela primeira vez, com uma Seção de Parques Nacionais, até que fosse substituído, em 1959, pelo Departamento de Recursos Naturais Renováveis. Manteve-se com esse nome até 1967, quando foi criado o IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal — já na vigência do novo Código Florestal de 1965.
No início dos anos 1970, alguns recursos naturais, antes abundantes, tornaram-se escassos em várias regiões do mundo, inclusive no Brasil. Um exemplo é a bacia do alto Tamanduateí, na região do ABC paulista, onde se concentram ainda hoje inúmeras indústrias. Nessa região, a água estava tão poluída que era imprópria para abastecimento industrial. Já se notavam também problemas de poluição do ar em grandes cidades.
Por outro lado, havia nessa época todo um contexto internacional que trouxe pela primeira vez a questão ambiental para o rol das principais preocupações da sociedade. Alguns países já haviam criado instituições governamentais especializadas em problemas de poluição, como foi o caso dos Estados Unidos, cuja Environmental Protection Agency (EPA) fora criada em 1970. Dentre os eventos marcantes do período, deve-se mencionar a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972. Foi bastante difundida a versão de que a posição da delegação brasileira nessa conferência caracterizou-se por defender que, se a poluição era o preço a pagar para o desenvolvimento, então o País receberia de braços abertos as indústrias poluidoras. Porém, segundo Guimarães (1991), os representantes oficiais argumentaram que o desenvolvimento não deveria ser sacrificado em prol de um ambiente mais limpo e que os países mais ricos deveriam pagar pelos esforços de despoluição.
Nessa conferência, começou a ser esboçado o conceito de ecodesenvolvimento, que precedeu a noção hoje vigente de desenvolvimento sustentável.
Apesar da posição governamental, algumas medidas foram tomadas. Uma delas foi a criação, em 1973, da Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), vinculada ao Ministério do Interior, que era então o grande promotor do modelo de desenvolvimento no País, liderando a implantação de grandes projetos, como a rodovia Transamazônica e as usinas hidrelétricas de Tucuruí e Itaipu. Pelo Decreto-lei n° 1.413, de 14 de agosto de 1975, o governo federal introduziu orientações de política voltadas para o controle da poluição industrial, que incluíam:
atribuição de competência à Sema para estabelecer padrões ambientais;
o estabelecimento de penalidades em caso de não cumprimento da legislação;
a criação de “áreas críticas de poluição”, correspondentes a porções do território nacional onde o governo reconhecia a existência de problemas graves de poluição; essas áreas incluem regiões metropolitanas, Cubatão (Fig. 3.2) e a bacia carbonífera de Santa Catarina;
atribuição de competência exclusiva ao governo federal para aplicar a sanção de suspensão de atividade para aqueles empreendimentos considerados “de alto interesse do desenvolvimento e da segurança nacional” (Guimarães, 1991, p. 59), competência que foi efetivamente exercida quando o município de Contagem, em Minas Gerais, depois de uma série de protestos populares, pretendeu determinar a paralisação das atividades de uma fábrica de cimento.
Fig. 3.2 Vista de parte da área industrial de Cubatão, sujeita a intensa degradação ambiental devido à instalação de várias indústrias pesadas, com destaque para a refinaria de petróleo, construída nos anos 1950
Cabe notar que, além das iniciativas do governo federal, alguns Estados também começaram a legislar sobre poluição. Esse foi o caso do Rio de Janeiro, por meio do Decreto-lei nº 134/75, e de São Paulo, por meio da Lei no 997/76. As políticas estaduais também criaram instituições, como a Feema – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente -, criada no Rio de Janeiro em março de 1975 (e incorporada ao atual Instituto Estadual do Ambiente), e a Cetesb, hoje chamada de Companhia Ambiental de São Paulo, e criada com essa mesma sigla, mas outro nome, em julho de 1973, sucedendo um centro de pesquisa também chamado Cetesb e fundado em 1968. Em abril de 1975, a Cetesb incorporou as atribuições da Superintendência de Saneamento Ambiental da Secretaria da Saúde.
A política federal, assim como suas contrapartidas estaduais, era de cunho essencialmente corretivo e foi formulada para ter uma aplicação exclusivamente tecnoburocrática, ou seja, estava excluída toda forma de participação pública. Ao público, cabia, no máximo, o papel de denunciar condutas lesivas à qualidade ambiental. O controle governamental exercia-se por meio de uma negociação restrita entre Estado e poluidor.
Diversas atividades causadoras de degradação ambiental escapavam completamente a essa política. Por exemplo, a produção de agrotóxicos estava enquadrada, mas não sua utilização; o mesmo se dava com a produção de automóveis, pois não havia normas de emissão para os veículos automotores. Além disso, uma série de atividades não industriais, como a construção de barragens, rodovias e portos, estava completamente fora do alcance dessa política.
Era também uma política de alcance territorial restrito às zonas urbanizadas e industriais, ficando, portanto, excluída de sua aplicação a maior parte do País, que era justamente objeto das políticas desenvolvimentistas governamentais. O interesse econômico e a visão de curto prazo predominavam mesmo nos raros casos em que era evocada a proteção da saúde pública, como na fábrica de cimento de Contagem.
Paralelamente, o governo federal continuava a aplicar a política de criação de espaços protegidos, agora também atribuição da Sema, em concorrência ao IBDF. À Sema competia criar estações ecológicas, nova categoria de unidade de conservação (a primeira foi decretada em 1977). Por meio da Lei nº 6.513/77, foi também dada atribuição à Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) para declarar áreas de interesse turístico, onde deveriam ser restringidas as atividades capazes de degradar o potencial turístico.
Datam de meados da década de 1970 os primeiros planos de uso do solo no Brasil, que procuravam ordenar as formas de ocupação do espaço urbano. Por insuficiência das políticas anteriores, já se notavam sérios problemas de fornecimento de água em certas regiões metropolitanas. Assim, em dezembro de 1975, o Estado de São Paulo, pela Lei nº 898, estabeleceu uma área de proteção dos mananciais na Região Metropolitana. Essa lei passou a disciplinar o uso do solo para a proteção de mananciais, cursos e reservatórios de água e demais recursos hídricos. A Lei Estadual nº 1.172, de 17 de novembro de 1976, delimitou as áreas de proteção relativas aos mananciais, cursos e reservatórios de água a que se refere o artigo 2º da Lei nº 898, impondo normas de restrição de uso do solo em tais áreas e oferecendo providências correlatas. O Decreto nº 9.714, de 19 de abril de 1977, aprovou o Regulamento das Leis nº 898 e 1.172, que dispõem sobre o disciplinamento do uso do solo para a proteção aos mananciais da Região Metropolitana da Grande São Paulo.
Isso foi um esboço de atuação preventiva, que, nesse caso, foi malsucedida, pois não conseguiu evitar a degradação dos mananciais. Da mesma época, datam iniciativas de zoneamento industrial, em uma perspectiva de separação entre uso de solo industrial e áreas residenciais. Em 27 de outubro de 1978, a Lei Estadual de São Paulo n° 1.817 definiu diretrizes para o zoneamento e a localização de indústrias na Região Metropolitana, visando, entre outros objetivos, “compatibilizar o desenvolvimento industrial com a melhoria de condições de vida da população e com a preservação do meio ambiente” (Art 1º, III).
A Lei Estadual no 1.817 estabeleceu os objetivos e as diretrizes para o desenvolvimento industrial metropolitano e disciplinou o zoneamento industrial, a localização, a classificação e o licenciamento de estabelecimentos industriais na Região Metropolitana de São Paulo. Não se trata de licenciamento ambiental no sentido atual do termo (Res. Conama 237/97), mas do que é denominado “licenciamento metropolitano”, uma aprovação da localização de estabelecimentos industriais, desde que respeitadas as diretrizes de zoneamento e de uso do solo. O Decreto no 13.095, de 5 de janeiro de 1979, aprovou o regulamento da Lei no 1.817 nas matérias relativas à localização, ao licenciamento de estabelecimentos industriais na Região Metropolitana de São Paulo e sua fiscalização.
As iniciativas federais a fim de usar o planejamento territorial como instrumento de prevenção da degradação ambiental incluem a Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979, conhecida como Lei Lehman, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, e a Lei no 6.803, de 2 de julho de 1980, que estabelece diretrizes para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição. Um ponto importante dessa lei é que nela consta a primeira menção à avaliação de impacto ambiental na legislação federal (conforme seção 2.5).
Como estratégia de política ambiental, o planejamento territorial dessa época padece dos mesmos problemas que a política de controle da poluição industrial. Aplicava-se a porções restritas do território (essencialmente as zonas urbanas), enquanto a maior parcela do País estava sujeita a pressões crescentes sobre os recursos naturais e a formas difusas de poluição, como aquela proveniente do uso descontrolado de agrotóxicos. Não havia mecanismos de participação pública na formulação dos planos de uso do solo e as atividades reguladas eram essencialmente as de caráter privado. A lei não era aplicada às ações do próprio governo, seja porque não havia dispositivos jurídicos para isso (por exemplo, para prevenir e mitigar impactos ambientais decorrentes de grandes obras de infraestrutura), seja por falta de vontade política quando a lei permitia a ação do Estado (por exemplo, a complacência face à poluição causada pelas grandes indústrias estatais como a Companhia Siderúrgica Paulista – Cosipa –, localizada em Cubatão).
O planejamento territorial com fins de proteção ambiental ganhou um espectro mais amplo a partir do final da década de 1980, com a Lei Federal no 7.661, de 16 de maio de 1988, que estabelece um plano nacional de gerenciamento costeiro, já subordinado à Política Nacional do Meio Ambiente. O ordenamento territorial com fins de proteção ambiental passou a ser conhecido como Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), ganhou força a partir dos anos 1990 e foi regulamentado pelo Decreto n° 4.297, de 10 de julho de 2002. Essas iniciativas de legislação já se deram sob a égide da Política Nacional do Meio Ambiente.
Por outro lado, a Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001 — Estatuto da Cidade —, estabeleceu um quadro atualizado para a gestão urbana, reforçando dispositivos como o ordenamento e controle do uso do solo urbano. Dentre os instrumentos de política urbana, a lei inclui “o estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e o estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV)” (Art. 4°, VI), ressaltando que “os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria, observado o disposto nesta lei” (Art. 4º, 1º).
O gerenciamento costeiro, o Zoneamento Econômico-Ecológico e o Estatuto da Cidade, ainda que inseridos nessa mesma óptica de planejamento territorial inaugurada nos anos 1970, decorrem de uma redefinição de direitos e responsabilidades decorrentes da Constituição Federal de 1988. Antes dela, porém, o Congresso Nacional já tinha aprovado a inovadora e abrangente Política Nacional do Meio Ambiente.
Um modelo radicalmente novo de política ambiental foi inaugurado com a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Essa lei trouxe diversas inovações. No plano dos instrumentos de ação, instituiu, entre outros, a avaliação de impacto ambiental e o licenciamento ambiental, até então existente apenas na legislação de alguns Estados (Quadro 3.2).
Quadro 3.2 Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (segundo o Art. 9° da Lei 6.938/81, modificada pelas Leis 7.004/89 e 8.028/90)
I - O estabelecimento de padrões da qualidade ambiental. |
II - O zoneamento ambiental. |
III - A avaliação de impactos ambientais. |
IV - O licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. |
V - Os incentivos à produção e instalação de equipamentos e à criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental. |
VI - A criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal, tais como Áreas de Proteção Ambiental, de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas. |
VII - O Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente. |
VIII - O Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental. |
IX - As penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. |
X - A Instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Ibama. |
No plano institucional, a lei inovou ao criar uma estrutura articulada de órgãos governamentais dos três níveis de governo, o Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente). Inovou também ao criar o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), composto por representantes de diferentes órgãos federais, estaduais e por representantes da sociedade civil, incluindo o setor empresarial, sindical e organizações não governamentais. O Conama foi incumbido de diversas tarefas, entre as quais a de regulamentar a Lei n° 6.938 e a de formular diretrizes de política ambiental (Quadro 3.3).
Quadro 3.3 Atribuições do Conselho Nacional do Meio Ambiente (segundo o Art. 8° da Lei 6.938/81, modificada pelas Leis 7.004/89 e 8.028/90)
I - Estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividade efetiva ou potencialmente poluidora, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo Ibama. |
II - Determinar a realização de estudos de alternativas e das possíveis consequências ambientais de projetos públicos ou privados especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional. |
III - Decidir, como última instância administrativa em grau de recurso, mediante depósito prévio, sobre as multas e outras penalidades impostas pelo Ibama. |
V - Determinar, mediante representação ao Ibama, a perda ou restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, em caráter geral ou condicional, e a perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito. |
VI - Estabelecer, privativamente, normas, critérios e padrões nacionais de controle de poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes. |
VII - Estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos. |
Na esfera política, a nova lei e seu decreto regulamentador (nº 88.351, de 1° de junho de 1983)2 estabelecem avanços importantíssimos: criam um mecanismo formal de participação, ainda que restrito, que é o próprio Conama; oferecem ao público o direito de ser informado (acessibilidade do Rima – Relatório de Impacto Ambiental); instituem o princípio da responsabilidade objetiva do poluidor, que, “independente da existência de culpa, é obrigado a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros”; e permitem a legitimidade ao Ministério Público para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.
A lei foi regulamentada inicialmente por um decreto do Poder Executivo que tardou mais de dois anos em ser publicado, possivelmente devido às novidades que trazia e às mudanças de postura que exigia, inclusive do próprio governo. Uma inovação quase inédita foi que as atividades de iniciativa governamental também passavam a ser regidas pelos princípios da legislação ambiental.
Alguns princípios que hoje podem parecer evidentes e mesmo autoexplicativos não o eram quando da discussão da lei, ainda sob o regime militar que governou o País entre 1964 e 1984. Os grandes projetos de alto impacto ambiental construídos nesse período foram decididos exclusivamente no âmbito de círculos restritos do poder e, mesmo depois de concluídos, o acesso a seus documentos era difícil. Fearnside (1989), que analisa os impactos da barragem de Balbina, construída no rio Uatumã, Amazonas, comenta que “muitos relatórios são mais raros que manuscritos medievais copiados à mão” (p. 418). O direito de acesso à informação avançou muito desde então, e a lei da Política Nacional do Meio Ambiente foi fundamental para sua consolidação.
Finalmente, é fundamental citar outra lei que representou importantes avanços na proteção ambiental, embora não estabeleça política. Trata-se da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, conhecida como Lei dos Interesses Difusos. Por meio dela, ampliou-se o conceito de dano ambiental com a definição dos chamados interesses difusos, que são aqueles comuns a um grupo indeterminado ou indeterminável de pessoas, como ocorre com os moradores de uma região, os frequentadores de um espaço público, os consumidores de certos produtos e as minorias raciais. Essa lei permitiu uma ação contundente do Ministério Público em matéria ambiental.
Coroando as iniciativas legislativas de proteção ambiental, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o direito de todos a um ambiente sadio. Seu artigo 225 estabeleceu diversos princípios de defesa da qualidade ambiental, inclusive a necessidade de que o poder público exija “para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade” (inciso IV).
Estava assim consolidado o papel da avaliação de impacto ambiental no ordenamento jurídico brasileiro. A evolução posterior deu-se somente no sentido de detalhar sua aplicação, estabelecer competências entre os níveis de governo e aprimorar a relação entre a AIA e os demais instrumentos de política ambiental.
No Brasil, estudos ambientais são exigíveis para obter-se uma autorização governamental para realizar atividades que utilizem recursos ambientais ou tenham o potencial de causar degradação ambiental. Tal autorização, conhecida como licença ambiental, é um dos instrumentos mais importantes da política ambiental pública. Tem caráter preventivo, pois seu emprego visa evitar a ocorrência de danos ambientais.
O licenciamento atende às crescentes e cada vez mais complexas necessidades de regulação dos conflitos entre agentes econômicos e entre estes e os cidadãos, além de estabelecer regras para a apropriação dos recursos ambientais. A fase de administração dos recursos naturais tem justamente essa conotação, ao passo que um dos motivadores da criação da Cetesb foi a situação de degradação da qualidade dos recursos hídricos na região industrial paulista conhecida como ABC, onde as próprias indústrias poluidoras já encontravam obstáculos e enfrentavam custos crescentes de acesso à água.
Curiosamente, a proteção da saúde pública já havia motivado a Prefeitura de São Paulo, no início do século XX, a instituir a função de “fiscal de várzeas”, a quem, já em 1907, cabia “impedir a extração de barro para cerâmica nas várzeas do Bom Retiro, Catumbi, na parte edificada do bairro do Pari (…) quando não haja licença prévia ou quando as escavações possam prejudicar a saúde pública” (Jorge, 2006). É interessante a coincidência do termo “licença prévia” com a terminologia atual.
Juntam-se, assim, razões de natureza moral (no exemplo, proteção da saúde pública e, em um contexto mais amplo, proteção da “natureza”) a motivos pragmáticos (estabelecimento de regras para prevenção de conflitos) como impulsionadores de obrigações legais de licenciamento ambiental.
Tais obrigações legais já podiam ser encontradas há duzentos anos. A existência de incômodos para a vizinhança foi o motivador da legislação francesa que regulava o funcionamento de “manufaturas e oficinas insalubres, incômodas ou perigosas”, nos termos de um decreto de 15 de outubro de 1810, substituído, um século depois, pela lei de 19 de dezembro de 1917 sobre “estabelecimentos perigosos, insalubres ou incômodos” (Morand-Deviller, 1987). Não por coincidência, essa lei foi substituída, em 1976, pela Lei das Instalações Registradas para Proteção do Ambiente, uma das leis introdutórias da exigência de apresentação de um estudo de impacto (Quadro 2.1) para fins de obtenção de uma autorização administrativa para implantar ou operar tais atividades.
Assim, o licenciamento atende a uma necessidade que, com o passar do tempo, somente se tornou mais complexa, pois de problemas de vizinhança ou de ordem local e imediata, trata-se, hoje, em primeiro lugar, de questões globais - como perda de biodiversidade e aquecimento global - e, em segundo, de uma perspectiva temporal ampliada, abrangendo os direitos das gerações futuras.
O licenciamento ambiental é uma das manifestações do poder de polícia do Estado (Mukai, 1992), que é o poder de limitar o direito individual em benefício da coletividade. Os especialistas em Direito Administrativo distinguem entre licença e autorização. Esta designa o ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração possibilita ao particular o desempenho de atividade material ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos. A autorização pressupõe um julgamento de valor por parte do agente público na análise do projeto e aplica-se aos casos em que não existe um direito preexistente por parte do administrado para o exercício daquela atividade. Esse direito nasce da vontade do Estado e no momento em que é expedida a autorização.
Já a licença, para o Direito Administrativo, é o ato administrativo unilateral e vinculado (à legislação e aos regulamentos) pelo qual a Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade. A licença é chamada de “ato vinculado” porque o agente público não pode agir com discricionariedade no caso, mas apenas conferir se o empreendimento atende ou não às normas, exigências e padrões da legislação. Parte-se do pressuposto de que o direito preexiste à licença, que nada mais faz do que reconhecê-lo.
Nessa linha, se um cidadão pretende construir um edifício em um local permitido pela legislação municipal de uso do solo e se o projeto do edifício atender aos requisitos do Código de Obras, a Prefeitura não pode negar-lhe a licença para construir. A licença significa estabilidade temporal e não pode ser suspensa por simples discricionariedade. Já a autorização é sempre precária e pode ser retirada pela Administração que a concedeu. Naturalmente, tanto a concessão como a revogação de uma autorização devem ser “motivadas” (Machado, 1993, p. 52), ou seja, fundamentadas não somente em uma apreciação jurídica como em uma análise técnica.
Com fundamento nesses conceitos, alguns juristas argumentam que a licença ambiental é, na verdade, uma autorização (Machado, 1993; Mukai, 1992). Como tal, não há direito “líquido e certo” de um empreendedor obter uma licença ambiental, mas cabe ao agente público (o órgão licenciador) analisar o projeto pretendido e seus impactos ambientais para decidir da conveniência ou não de conceder a licença (autorização), e quais condições podem ser impostas para que esta seja concedida.
Oliveira (1999) discorda dessa classificação. Para ele, licença ambiental é mesmo uma licença no sentido jurídico do termo, porém, “é informada pelos princípios do Direito Ambiental, que fazem a diferença” (p. 37), ao torná-la não definitiva, com prazo de validade e com condicionantes.
Independentemente de sua natureza jurídica, é claro que a proteção ambiental e o zelo pela saúde pública são os fundamentos da necessidade de obter uma autorização prévia do Poder Público para se empreender atividades potencialmente danosas ou incômodas. Nesse sentido, pode-se postular que as funções do licenciamento ambiental são: (i) disciplinar e regulamentar o acesso aos recursos ambientais e sua utilização; (ii) prevenir danos ambientais.
O licenciamento ambiental no Brasil começou em alguns Estados, em meados da década de 1970, e foi incorporado à legislação federal como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.
Mas a necessidade de autorização governamental para exercer atividades que interfiram com o meio ambiente tem um longo histórico, antes que o licenciamento ambiental surgisse com as feições atuais. Já o Código Florestal de 1934 introduzira a necessidade de obtenção de uma autorização para a “derrubada de florestas em propriedades privadas”, o “aproveitamento de lenha para abastecimento de vapores e máquinas”, e a “caça e pesca nas florestas protetoras e remanescentes”.
A legislação moderna sobre licenciamento ambiental começou no Rio de Janeiro, quando o Decreto-Lei n° 134/75 tornou “obrigatória a prévia autorização para operação ou funcionamento de instalação ou atividades real ou potencialmente poluidoras”, enquanto o Decreto nº 1633/77 instituiu o Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras, estipulando que o Estado deve emitir Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação, modelo que seria posteriormente retomado pela legislação federal.
Em São Paulo, a Lei n° 997/76 criou o Sistema de Prevenção e Controle da Poluição do Meio Ambiente e foi regulamentada pelo Decreto nº 8.468/76, posteriormente modificado. Em sua redação original, esse decreto estabelecia, em seu Título V – Das licenças e do registro, duas modalidades de licença, denominadas Licença de Instalação e Licença de Funcionamento.
O licenciamento estadual paulista e o fluminense aplicavam-se a fontes de poluição, basicamente atividades industriais e certos projetos urbanos como aterros de resíduos e loteamentos. Com a incorporação da AIA à legislação brasileira, esses sistemas preexistentes de licenciamento tiveram que ser adaptados, não somente no que tange ao seu campo de aplicação (atividades que utilizem recursos ambientais ou que possam causar degradação ambiental, ao invés de atividades poluidoras), mas também quanto ao tipo de análise que passou a ser feita, não mais abrangendo somente emissões de poluentes e sua dispersão no meio, agora incluindo os efeitos sobre a biota, os impactos sociais etc.
Na legislação federal, o licenciamento aparece como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, descrito como “licenciamento e revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras” (Art. 96, Inciso IV). São as seguintes as condições para exigência de licença:
A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
(Art. 1º, Lei n° 6938/81.)
Trata-se, portanto, não somente de atividades que possam causar poluição ambiental, mas qualquer forma de degradação, denotando uma evolução no entendimento das causas da deterioração da qualidade ambiental, que não mais são somente atribuídas à poluição, mas a outras causas oriundas das atividades humanas. É também interessante observar, na redação do Artigo 10, que se exige licença ambiental tanto para a construção e instalação como para a ampliação de estabelecimentos e atividades já existentes, assim como para seu funcionamento. Desta forma, a lei federal foi redigida de forma a comportar os estágios de licenciamento já existentes no Rio de Janeiro e em São Paulo. Finalmente, deve-se também notar que o fechamento ou a desativação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais ou capazes de causar degradação ambiental não é objeto de licenciamento ou autorização governamental. Essa última fase do ciclo de vida dos empreendimentos não era percebida, no início dos anos 1980, como capaz de causar danos ambientais. Seria preciso esperar até 2002 para encontrar na legislação ambiental brasileira referências a obrigações relativas ao encerramento de atividades.
O licenciamento na legislação federal seria detalhado no decreto que regulamentou a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, nº 88.351/83, revogado em 1990 e substituído pelo Decreto nº 99.274/90. Segundo esse decreto:
O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:
I – Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento da atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação, observados os planos estaduais ou federais de uso do solo.
II – Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo com as especificações constantes do Projeto executivo aprovado; e
III – Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação.
(Art. 19, Decreto nº 99.274/90.)
Há uma lógica na sequência de licenças. A licença prévia é solicitada quando o projeto técnico está em preparação, a localização ainda pode ser alterada e alternativas tecnológicas podem ser estudadas. O empreendedor ainda não investiu no detalhamento do projeto e diferentes conceitos podem ser estudados e comparados. A Licença de Instalação somente pode ser solicitada depois de concedida a Licença Prévia; o projeto técnico é detalhado, atendendo às condições estipuladas na licença prévia. Finalmente, a Licença de Operação é concedida depois que o empreendimento foi construído e está em condições de operar, mas sua concessão é condicionada à constatação de que o projeto foi instalado de pleno acordo com as condições estabelecidas na Licença de Instalação.
O vínculo entre o licenciamento e os estudos de impacto ambiental é também estabelecido pelo decreto regulamentador da Política Nacional do Meio Ambiente. O caput do Artigo 17 do Decreto 99.274/90 retoma os termos do Artigo 10 da Lei nº 6.938/81 (transcrito acima) e acrescenta quatro parágrafos:
§ 1° – Caberá ao Conama fixar os critérios básicos, segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento, contendo, entre outros, os seguintes itens:
- diagnóstico ambiental da área;
- descrição da ação proposta e suas alternativas; e
- identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e negativos.
§ 2° – O estudo de impacto ambiental será realizado por técnicos habilitados e constituirá o relatório de impacto ambiental – Rima, correndo as despesas à custa do proponente do projeto.
§ 3° – Respeitada a matéria de sigilo industrial, assim expressamente caracterizada a pedido do interessado, o Rima, devidamente fundamentado, será acessível ao público.
§ 4° – Resguardado o sigilo industrial, os pedidos de licenciamento, em qualquer de suas modalidades, sua renovação e a respectiva concessão da licença serão objeto de publicação resumida, pelo interessado, no jornal oficial do Estado e em periódicos de grande circulação, regional ou local, conforme modelo aprovado pelo Conama.
(Art. 17, Decreto nº 99.274/90.)
Não se pode deixar de observar que esse vínculo entre o EIA e a licença foi reforçado pela Constituição Federal de 1988:
[…] incumbe ao Poder Público:
[…]
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
(Art. 225, Constituição Federal.)
Ainda no plano federal, um importante instrumento regulador do licenciamento ambiental é a Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997, do Conama. Nessa resolução, encontra-se a seguinte definição de licenciamento ambiental:
Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras e daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.
(Art. 1º, Inciso I, Resolução Conama nº 237/97.)
Recursos ambientais e degradação ambiental são termos definidos pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.
Recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
Degradação da qualidade ambiental: alteração adversa das características do meio ambiente.
(Art. 3º, Lei no 6938/81.)
A Resolução Conama n° 237/97 também estabelece regras para definir a competência do Poder Público para fins de licenciamento. Licenciamento integra o âmbito da competência comum (Art. 23, VI da Constituição Federal), podendo ser disciplinado pelos três níveis de governo.
A Lei da PNMA, já em sua redação original de 1981, havia definido a primazia dos Estados para proceder ao licenciamento ambiental, cabendo ao governo federal, representado pelo Ibama, licenciar em caráter supletivo. A alteração da Lei da PNMA feita pela Lei nº 7.084, de 18 de julho de 1989, definiu um campo específico para o Ibama, que é o licenciamento “de atividades e obras com significativo impacto ambiental, e âmbito nacional ou regional” (Art. 10, § 4º, Lei nº 6.938/81). A Resolução Conama n° 237/97 tentou delimitar as competências, inclusive dos municípios, que também passaram a conceder licenças ambientais, desde que certas condições sejam obedecidas. Compete aos municípios o licenciamento ambiental de empreendimento e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio (Art. 6º, Resolução Conama nº 237/97).
Na prática, desde a publicação da Resolução 237, o Ibama passou a ampliar sua atuação no licenciamento ambiental, e a competência estadual para licenciar foi diversas vezes questionada na Justiça, trazendo “insegurança jurídica” ao licenciamento. A Lei Complementar 140/11 procurou dar mais clareza à repartição das competências e estabeleceu instrumentos de cooperação institucional entre os entes federativos, atribuindo ao Ibama o licenciamento de empreendimentos e atividades:
a] localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe;
b] localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva;
c] localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;
d] localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
e] localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados;
f] de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999;
g] destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou
h] que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento.
Em suas decisões de licenciamento, o Ibama deve ouvir os órgãos ambientais dos Estados e municípios, assim como, quando pertinente, obter o parecer de outros órgãos da administração pública. Por outro lado, o Ibama poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional.
A definição dos estudos técnicos necessários ao licenciamento cabe ao órgão licenciador. Todavia, nos casos de empreendimentos que tenham o potencial de causar degradação significativa, sempre deverá ser exigido o estudo de impacto ambiental, nos termos do dispositivo constitucional. Diversos tipos de estudos ambientais foram criados, por diferentes instrumentos legais federais, estaduais ou municipais, com o intuito de fornecer as informações e análises técnicas para subsidiar o processo de licenciamento. Além do EIA e seu respectivo Rima, encontram-se denominações como o plano e relatório de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco (Quadro 3.4). O termo “estudos ambientais” foi definido pela Resolução Conama nº 237/97 para englobar diferentes denominações:
[…] são todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentados como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco.
(Art. 1º, Inciso III, Resolução Conama nº 237/97.)
Quadro 3.4 Tipos de estudos ambientais previstos na legislação brasileira
DENOMINAÇÃO |
REFERÊNCIA LEGAL |
APLICAÇÃO |
Estudos ambientais |
Res. Conama 237, de 19/12/1997 |
“são todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais re- lacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida” (Art. 1º, III) |
Estudo prévio de impacto ambiental |
Constituição Federal, Art. 225,1º, IV (1988) |
Instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental |
EIA – Estudo de Impacto Ambiental e Rima – Rel. de Impacto Ambiental |
Res. Conama 1, de 23/1/1986 |
Licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente exemplificadas no Art. 2º da Resolução |
PBA – Projeto Básico Ambiental |
Res. Conama 6, de 16/9/1987 |
Obtenção de licença de instalação de empreendimentos do setor elétrico |
PRAD – Plano de Recuperação de Áreas Degradadas |
Decreto Federal nº 97.632, de 10/4/1989 |
Obrigatoriedade de apresentação para todo empreendimento de mineração; deve ser incorporado ao EIA para novos projetos |
PCA – Plano de Controle Ambiental |
Res. Conama 9, de 6/12/1990 |
Obtenção de licença de instalação de empreendimentos de mineração: “(…) conterá os projetos executivos de minimização dos impactos ambientais (…)” |
Res. Conama 286, de 20/8/2001 |
Obtenção de licença de instalação de empreendimentos de irrigação |
|
Res. Conama 23, de 7/12/1994 |
Obtenção de licença de operação para produção de petróleo e gás |
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RCA – Relatório de Controle Ambiental |
Res. Conama 10, de 6/12/1990
Res. Conama 23, de 7/12/1994 |
Obtenção de licença de instalação de empreendimentos de extração de bens minerais de uso imediato na construção civil Obtenção de licença prévia para perfuração de poços de petróleo |
EVA – Estudo de Viabilidade Ambiental |
Res. Conama 23, de 7/12/1994 |
Obtenção de licença prévia para pesquisa da viabilidade econômica e de um campo petrolífero |
RAA – Relatório de Avaliação Ambiental |
Res. Conama 23, de 7/12/1994 |
Obtenção de licença de instalação para perfuração de poços de petróleo |
EVQ – Estudo de Viabilidade de Queima |
Res. Conama 264, de 20/3/2000 |
Licenciamento de coprocessamento de resíduos em fornos de cimento |
Plano de Encerramento |
Res. Conama 273, de 29/11/2000 |
Desativação de postos de combustíveis |
RAS – Relatório Ambiental Simplificado |
Res. Conama 279, de 27/6/2001 |
Obtenção de licença prévia de empreendimentos do setor elétrico de pequeno potencial de impacto ambiental |
Plano de Emergência Individual |
Res. Conama 293, de 12/12/2001 |
Licenciamento de portos organizados, instalações portuárias ou terminais, dutos, plataformas e instalações de apoio |
Plano de Contingência Plano de Emergência, Plano de Desativação |
Res. Conama 316, de 29/10/2002 |
Licenciamento de unidades de tratamento térmico de resíduos Encerramento de atividades dos sistemas de tratamento térmico de resíduos |
RAP – Relatório Ambiental Preliminar |
Res. SMA-SP 42, de 29/12/1994 |
Para instruir requerimentos de licenciamento ambiental de empreendimentos que possam causar impactos significativos |
EAS – Estudo Ambiental Simplificado |
Res. SMA-SP 54, de 30/11/2004 |
Para analisar e avaliar as consequências ambientais de atividades e empreendimentos considerados de impactos ambientais muito pequenos e não significativos |
EAR – Estudo de Análise de Riscos/PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos / PAE – Plano de Ação de Emergência |
Norma Técnica Cetesb P 4.261, de 20/8/2003 |
Para o licenciamento de atividades industriais perigosas |
Plano de Desativação |
Dec. Estadual SP 47.400, de 4/12/2002 |
Para o encerramento de empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental |
Muitas normas adicionais foram estabelecidas para orientar o licenciamento de atividades específicas, estipulando a necessidade de apresentação de estudos ambientais ou procedimentos simplificados. O Quadro 3.5 mostra as principais resoluções do Conama que tratam da questão. É interessante observar, por meio da cronologia das resoluções citadas, o tipo de projeto que mais atraía a atenção: no início, foram os empreendimentos do setor elétrico, principalmente usinas hidrelétricas, seguidos de projetos de mineração. Com efeito, quando a Resolução Conama no 01/86 foi publicada, exigindo a apresentação de estudos de impacto ambiental, várias barragens estavam em construção ou em fase avançada de projeto, quase todas pertencentes a empresas estatais, e foi preciso clarificar a função do EIA no planejamento. Assim, a Resolução nº 6/87:
Na hipótese dos empreendimentos de aproveitamento hidroelétrico, respeitadas as peculiaridades de cada caso, a Licença Prévia (LP) deverá ser requerida no início do estudo de viabilidade da Usina; a Licença de Instalação (LI) deverá ser obtida antes da realização da Licitação para construção do empreendimento e a Licença de Operação (LO) deverá ser obtida antes do fechamento da barragem.
(Art. 5º, Res. Conama nº 6/87.)
Segundo essa resolução, o estudo de impacto ambiental deve ser apresentado para obtenção da LP, enquanto, para solicitação da LI, um novo estudo ambiental deve ser preparado, denominado Projeto Básico Ambiental.
Já os empreendimentos de mineração rapidamente formaram a maior parcela dos estudos de impacto ambiental protocolizados nos órgãos ambientais de vários Estados. Tal fato não se devia a uma inusitada proliferação de novos projetos, mas à busca de regularização de centenas de empreendimentos que já funcionavam sem as devidas autorizações do DNPM e mesmo sem licença ambiental nos Estados que já a exigiam. As duas resoluções do Conama, nº 9/90 e nº 10/90, estipularam a obrigatoriedade da licença e os documentos necessários para requerê-la. Para solicitação de LP, deveria ser apresentado um EIA, enquanto para a solicitação da LI, deveria ser preparado um Plano de Controle Ambiental. A Resolução no 10/90 abriu a possibilidade de dispensa de apresentação do EIA, a critério do órgão licenciador, caso em que outro documento deveria ser apresentado, denominado Relatório de Controle Ambiental.
Observe-se que, por meio das três resoluções citadas, foram criados nada menos que três novos tipos de estudos técnicos – Projeto Básico Ambiental, Plano de Controle Ambiental e Relatório de Controle Ambiental –, que a Resolução Conama nº 237/97 viria a denominar de estudos ambientais.
Novas resoluções para guiar o licenciamento de outros tipos de empreendimentos surgiram somente dez anos depois. Nesse ínterim, os órgãos ambientais estaduais aperfeiçoaram seus procedimentos, ou mesmo os criaram. Nesse processo, foram publicadas por esses órgãos outras normas aplicáveis a determinados tipos de empreendimentos (por exemplo, licenciamento de aterros de resíduos, de marinas etc).
Quadro 3.5 Resoluções do Conama referentes a licenciamento ambiental
ASSUNTO |
|
6, de 16/9/1987 |
Dispõe sobre o licenciamento de empreendimentos do setor elétrico |
9, de 6/12/1990 |
Dispõe sobre procedimentos para o licenciamento de atividades de pesquisa mineral, lavra e beneficiamento de minérios |
10, de 6/12/1990 |
Dispõe sobre o licenciamento ambiental de atividades de exploração de bens minerais de uso na construção civil |
23, de 7/12/1994 |
Dispõe sobre licenciamento ambiental de atividades de exploração, perfuração e produção de petróleo e gás natural |
264, de 26/8/1999 |
Dispõe sobre licenciamento para o coprocessamento de resíduos em fornos rotativos de clínquer para fabricação de cimento |
273, de 29/11/2000 |
Torna obrigatório o licenciamento ambiental de postos revendedores, postos de abastecimento, instalações de sistemas retalhistas e postos flutuantes de derivados de petróleo e outros combustíveis |
279, de 27/1/2001 |
Estabelece procedimento simplificado para o licenciamento de empreendimentos de geração e transmissão de energia elétrica com pequeno potencial de impacto ambiental |
284, de 30/8/2001 |
Dispõe sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação e os classifica em três categorias |
286, de 30/8/2001 |
Obriga a realização de estudos epidemiológicos para o licenciamento de empreendimentos cujas atividades potencializem os fatores de risco para a ocorrência de malária em regiões endêmicas |
305, de 4/7/2001 |
Dispõe sobre licenciamento e EIA de atividades e empreendimentos com organismos geneticamente modificados e seus derivados |
308, de 29/7/2002 |
Licenciamento Ambiental de sistemas de disposição final dos resíduos sólidos urbanos gerados em municípios de pequeno porte |
312, de 10/10/2002 |
Dispõe sobre licenciamento ambiental dos empreendimentos de carcinicultura na zona costeira |
334, de 3/4/2003 |
Estabelece procedimentos de licenciamento ambiental de estabelecimentos destinados ao recebimento de embalagens vazias de agrotóxicos |
335, de 3/4/2003 e 402, de 17/11/2008 |
Dispõe sobre o licenciamento ambiental de cemitérios |
344, de 25/3/2004 |
Estabelece as diretrizes gerais e os procedimentos mínimos para a avaliação do material a ser dragado |
349, de 16/8/2004 e 402, de 17/11/2008 |
Dispõem sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos ferroviários de pequeno potencial de impacto ambiental e a regularização dos empreendimentos em operação |
350, de 6/7/2004 |
Dispõe sobre o licenciamento ambiental específico das atividades de aquisição de dados sísmicos marítimos e em zonas de transição |
387, de 27/12/2006 |
Estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental de projetos de assentamentos de reforma agrária |
398, de 11/6/2008 |
Dispõe sobre o conteúdo mínimo do Plano de Emergência Individual para incidentes de poluição por óleo em águas sob jurisdição acional, originados em portos e outras instalações |
412, de 14/5/2009 |
Estabelece critérios e diretrizes para o licenciamento ambiental de novos empreendimentos destinados à construção de habitações de interesse social |
413, de 26/6/2009 |
Dispõe sobre o licenciamento ambiental da aquicultura |
428, de 20/12/2010 |
Dispõe sobre a autorização do órgão responsável pela administração da Unidade de Conservação |
O termo “impacto de vizinhança” é usado para descrever impactos locais em áreas urbanas, como sobrecarga do sistema viário, saturação da infraestrutura – como redes de esgotos e de drenagem de águas pluviais –, alterações microclimáticas derivadas de sombreamento, aumento da frequência e intensidade de inundações devido à impermeabilização do solo, entre outros. Planos diretores e leis de zoneamento – que são instrumentos bem difundidos de política urbana – não se mostram suficientes para “fazer a mediação entre os interesses privados dos empreendedores e o direito à qualidade urbana daqueles que moram ou transitam em seu entorno” (Rolnik et al., 2002, p. 198).
O entendimento dos limites desses e de outros instrumentos de planejamento e gestão ambiental urbana, como padrões de ruído, por exemplo, levou urbanistas e outros profissionais a proporem uma modalidade específica de avaliação de impacto ambiental adaptada a empreendimentos e impactos urbanos, o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV. O conceito foi adotado pelo Estatuto da Cidade, que lhe dedica três artigos:
Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.
Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:
I – adensamento populacional;
II – equipamentos urbanos e comunitários;
III – uso e ocupação do solo;
IV – valorização imobiliária;
V - geração de tráfego e demanda por transporte público;
VI - ventilação e iluminação;
VII - paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado.
Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental.
(Lei nº 10.257, Seção XII – Do estudo de impacto de vizinhança.)
O Estatuto da Cidade conferiu ao estudo de impacto de vizinhança um conteúdo muito próximo ao de um EIA. Anteriormente, alguns municípios já haviam incorporado exigências similares às suas leis, como São Paulo, de cuja lei orgânica, de 4 de abril de 1990, já constava um artigo instituindo um “relatório de impacto de vizinhança -Rivi”. Decretos de novembro de 1994 (n° 34.713) e de dezembro de 1996 (nº 36.613) definem as modalidades de exigência dos relatórios (que dependem da área a ser construída, que, por sua vez, varia de acordo com o uso – industrial, institucional, comercial ou residencial), casos de dispensa, o conteúdo do Rivi e os procedimentos de análise.
A legislação ambiental é hoje extraordinariamente complexa, a ponto de constituir um ramo especializado do Direito, o Direito Ambiental. As leis e decretos citados no Quadro 3.1 formam apenas uma pequena parte do corpo legal e normativo em vigor no País, que inclui também leis estaduais e municipais. A avaliação de impacto ambiental, que em todo o mundo foi formalizada e se consolidou pela via legal, é apenas um dos instrumentos empregados para tentar compatibilizar desenvolvimento econômico e social com proteção e melhoria da qualidade ambiental, tendo como ideal o desenvolvimento sustentável.
Quando a AIA foi introduzida no País, já havia, no plano federal, diversos instrumentos legais no campo do meio ambiente – então, a AIA soma-se a um quadro preexistente, mas o modifica, ao estabelecer, de maneira incontestável, a importância dos enfoques preventivos, a prevenção do dano ambiental e a prevenção da degradação ambiental. O fato de que a qualidade ambiental continue a se deteriorar nos centros urbanos e nas áreas rurais, de que a perda de biodiversidade prossiga a passo acelerado, de que a paisagem litorânea se degrade de modo provavelmente irreversível, entre inúmeros outros problemas ambientais (Ibama 2002; ISA, 2004), apenas indica que resta muito por fazer, inclusive fortalecer e ampliar o papel da avaliação de impacto ambiental.
A avaliação de impactos não apenas se soma ao que já havia em termos de legislação. Associada ao licenciamento ambiental, a AIA exigiu a estruturação de órgãos ambientais em todos os Estados da União, e vai, paulatinamente, impor aos empreendedores privados e públicos novos requisitos para a planificação de projetos, alguns dos quais terão suas licenças negadas, ao passo que outras somente serão aceitas mediante modificações substanciais ou na dependência da aceitação de medidas mitigadoras e compensatórias.
1O conceito de recurso natural é dinâmico. Depende, dentre outros fatores, da disponibilidade de conhecimento ou tecnologia capaz de promover o aproveitamento econômico de um recurso. Assim, tenta-se atualmente regulamentar o acesso aos recursos genéticos, que vêm sendo reconhecidos como de grande importância neste início de século e, ao mesmo tempo, vem sendo objeto de disputas políticas e geopolíticas (Shiva, 2001), como também ocorreu com outros recursos.
2Esse decreto foi revogado e substituído pelo Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990. No entanto, para o que aqui interessa, não houve modificações dignas de nota, razão pela qual é preferível registrar o primeiro decreto que regulamentou a Política Nacional do Meio Ambiente.