ORIGEM E DIFUSÃO DA AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL

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A avaliação de impacto ambiental (AIA) é um instrumento de política ambiental adotado atualmente em inúmeras jurisdições – países, regiões ou governos locais –, assim como por organizações internacionais – como bancos de desenvolvimento – e por entidades privadas. É reconhecida em tratados internacionais como um mecanismo potencialmente eficaz de prevenção do dano ambiental e de promoção do desenvolvimento sustentável. Sua formalização ocorreu pela primeira vez nos Estados Unidos, por intermédio de uma lei aprovada pelo Congresso em 1969. A partir de então, a AIA disseminou-se, alcançando hoje uma difusão mundial. Atualmente, cerca de duas centenas de países incorporaram às suas legislações nacionais provisões requerendo a avaliação prévia dos impactos ambientais. Somando-se os procedimentos formais seguidos pelas agências bi e multilaterais de desenvolvimento, pode-se afirmar que a AIA é hoje universalmente empregada.

2.1 ORIGENS

A sistematização da avaliação de impacto ambiental como atividade obrigatória, a ser realizada antes da tomada de certas decisões que possam acarretar consequências ambientais negativas, ocorreu nos Estados Unidos em decorrência da lei da política nacional do meio ambiente daquele país, a National Environmental Policy Act, usualmente referida pela sigla NEPA. Essa lei entrou em vigor no dia 1o de janeiro de 1970, requerendo de “todas as agências do governo federal” (artigo 102 da lei):

(A) utilizar uma abordagem sistemática e interdisciplinar que assegurará o uso integrado das ciências naturais e sociais e das artes de planejamento ambiental nas tomadas de decisão que possam ter um impacto sobre o ambiente humano;

(B) identificar e desenvolver métodos e procedimentos, em consulta com o Conselho de Qualidade Ambiental estabelecido pelo Título II desta lei, que assegurarão que os valores (amenities) ambientais presentemente não quantificados serão levados adequadamente em consideração na tomada de decisões, ao lado de considerações técnicas e econômicas;

(C) incluir, em qualquer recomendação ou relatório sobre propostas de legislação e outras importantes (major) ações federais que afetem significativamente a qualidade do ambiente humano, uma declaração (statement) detalhada do funcionário responsável sobre:

(i) o impacto da ação proposta,

(ii) os efeitos ambientais adversos que não puderem ser evitados caso a proposta seja implementada,

(iii) alternativas à ação proposta,

(iv) a relação entre os usos locais e de curto prazo do ambiente humano e a manutenção e melhoria da produtividade a longo prazo, e

(v) qualquer comprometimento irreversível e irrecuperável de recursos que seriam envolvidos se a ação proposta fosse implementada.

O campo de aplicação da NEPA é bastante complexo. Resumidamente, a lei aplica-se a decisões do governo federal que possam acarretar modificações ambientais significativas, o que inclui projetos de agências governamentais e também projetos privados que necessitem de aprovação do governo federal, como a mineração em terraspúblicas, usinas hidrelétricas e nucleares etc.

O Conselho de Qualidade Ambiental – Council on Environmental Quality (CEQ), a instituição criada pela NEPA, é elemento fundamental para atingir os objetivos de “criar e manter condições para que homem e natureza possam existir em harmonia produtiva e atingir os anseios sociais e econômicos das gerações presentes e futuras de americanos” (Sec. 101 (a)). O CEQ é formado por três membros nomeados pelo presidente e aprovados pelo Senado; é subordinado diretamente à Presidência, tendo status equivalente ao do Conselho de Atividades Econômicas. Supostamente, isso permitiria que as considerações ambientais merecessem as mesmas deferências que as questões econômicas nas decisões governamentais. Uma das principais funções do CEQ é assegurar que as agências do governo federal efetivamente implementem os requisitos da NEPA, ou seja, levem em conta as implicações de suas ações sobre o ambiente humano antes da tomada de decisões.

Um dos artífices da NEPA foi o professor de ciência política Lynton Caldwell, convidado pelo Senado para assessorar a discussão e a redação do projeto de lei. Segundo Caldwell (1977, p. 12), para que a política fosse eficaz, dois enfoques eram necessários: o primeiro era estabelecer um fundamento substantivo, “expresso através de declarações, resoluções, leis ou diretrizes”; o segundo, fornecer meios para a ação, “sendo que um aspecto crítico é o mecanismo para assegurar que a ação tencionada [realmente] ocorra”. O mecanismo foi justamente o environmental impact statement (EIS), inicialmente concebido como uma “checklist de critérios para planejamento ambiental” (Caldwell, 1977, p. 12). Ainda segundo o depoimento de Caldwell (p. 15), “dentre as dezenas de projetos de lei sobre política ambiental (…) nenhum era operacional”, ou seja, nenhum deles incluía algum mecanismo para assegurar a implementação prática dos princípios retóricos enunciados. Durante os debates de 1969, a ideia de “avaliar os efeitos (…) sobre o estado do meio ambiente” ganhou força e transformou-se na redação da Seção 102 (C) da lei, transcrita acima. Caldwell (p. 16) afirma que, curiosamente, “a exigência de um EIS não provocou debate nem suscitou apoio ou objeções externas”.

Foi somente depois da aprovação da lei que suas implicações foram plenamente compreendidas: “a NEPA pegou os empresários e os burocratas públicos de surpresa (…) e mesmo agências governamentais não a levaram a sério até que os tribunais começassem a exigir o estrito cumprimento da exigência do estudo de impacto ambiental” (Caldwell, 1989, p. 27). Diversos foram os questionamentos levados à Justiça, desde alegações de implementação meramente formal da lei por parte das agências até pura e simplesmente sobre a suposta tomada de decisões sem que a lei fosse levada em conta. Em dois anos, as agências federais produziram 3.635 estudos de impacto ambiental, e foram contestadas em 149 ações judiciais. Nove anos mais tarde, já havia cerca de 11 mil estudos e nada menos que 1.052 ações na Justiça (Clark, 1997).

Outro autor privilegiado do processo de concepção e aprovação da NEPA foi o assessor legislativo Daniel Dreyfus, para quem a NEPA é uma exceção à regra segundo a qual “as intenções originais dos formuladores de políticas públicas acabam sendo transformadas quando os responsáveis por sua implementação assumem as rédeas. No caso da NEPA, os objetivos foram expandidos durante a implementação, e o impacto da lei foi sentido para além das expectativas iniciais” (Dreyfus e Ingram, 1976, p. 243). Para o senador Henry Jackson, que apresentou o projeto ao Senado em 18 de fevereiro de 1969 e conseguiu sua aprovação unânime em 10 de julho (seguida de aprovação, dois meses depois, da Câmara dos Representantes), “o aspecto mais importante da lei é que ela estabelece novos processos decisórios para todas as agências do governo federal” (Spensley, 1995, p. 310).

Os mecanismos de implementação não eram triviais. O objetivo do environmental impact statement não era “coletar dados ou preparar descrições, mas forçar uma mudança nas decisões administrativas” (Dreyfus e Ingram, 1976, p. 254). Para guiar a aplicação dos requisitos da Política Nacional de Meio Ambiente dos Estados Unidos, o Conselho de Qualidade Ambiental publicou, em 1º de agosto de 1973, suas diretrizes para a elaboração e apresentação do EIS. Essas diretrizes estabeleceram os fundamentos do que viriam a ser os estudos de impacto ambiental não somente nos EUA, mas em diversos países, que acabaram se inspirando no modelo americano para implementar suas próprias leis e regulamentos sobre a avaliação de impacto ambiental.

O texto da NEPA, ao estabelecer princípios e linhas gerais da política ambiental, sofreu apenas pequenas mudanças. No entanto, a aplicação das diretrizes fixadas pelo CEQ em 1973 revelou-se, em vários pontos, insatisfatória, o que motivou sua substituição por um regulamento, publicado em 28 de novembro de 19781. Cabe às diferentes agências (ministérios, departamentos, serviços etc.) aplicar a NEPA. Para isso, cada agência desenvolveu suas próprias diretrizes e procedimentos. Ao CEQ cabe somente estabelecer as diretrizes gerais, zelar pela boa aplicação da lei e acompanhar sua aplicação. Em certas situações, cabe-lhe também um papel de árbitro, quando há desacordo entre agências governamentais acerca dos impactos ambientais de certos projetos. Trata-se do processo conhecido como “referral”, que, no entanto, é ocasional.

Por outro lado, como a NEPA somente se aplica a ações do governo federal, diversos Estados aprovaram suas próprias leis nos anos que se seguiram à aprovação da NEPA. Atualmente há 17 Estados com “requisitos de planejamento ambiental similares aos da NEPA”, sendo Califórnia, Washington e Nova York reconhecidos como os mais avançados (Welles, 1997, p. 209).

Um ponto fundamental quanto às origens da avaliação de impacto ambiental é que o instrumento não nasceu pronto, mas como uma ideia a ser desenvolvida. Por um lado, a AIA resultou de um processo político que buscou atender a uma demanda social, que estava mais madura nos Estados Unidos no final dos anos 1960. Por outro, a AIA evoluiu ao longo do tempo e foi modificada conforme lições eram aprendidas na experiência prática. Evoluiu nos próprios Estados Unidos e modificou-se ou adaptou-se conforme foi aplicada em outros contextos culturais ou políticos, mas sempre dentro do objetivo primário de prevenir a degradação ambiental e de subsidiar um processo decisório, para que as consequências sejam apreendidas antes mesmo de cada decisão ser tomada.

2.2 DIFUSÃO INTERNACIONAL: OS PAÍSES DESENVOLVIDOS

Nos países do Norte, a adoção da AIA deveu-se fundamentalmente à similaridade de seus problemas ambientais, decorrentes, por sua vez, do estilo de desenvolvimento. Canadá (1973), Nova Zelândia (1973) e Austrália (1974) estiveram entre os primeiros países que adotaram políticas determinando que a avaliação dos impactos ambientais deveria preceder decisões governamentais importantes (Quadro 2.1). Da mesma forma que os Estados Unidos, esses países foram colônias de povoamento britânicas, herdando um sistema jurídico e político muito semelhante. Por outro lado, a explotação dos recursos naturais teve um papel historicamente muito importante em todos eles e, ao intensificar-se após a Segunda Guerra Mundial, colocou em evidência o vasto alcance dos impactos ambientais acumulados. Países de estrutura federativa, várias províncias e Estados na Austrália e no Canadá, assim como nos Estados Unidos, também adotaram leis sobre AIA, ampliando assim o escopo e o campo de aplicação desse instrumento (Quadro 2.2).

Quadro 2.1 Marcos da introdução da AIA em alguns países desenvolvidos selecionados

JURISDIÇÃO

ANO DE INTRODUÇÃO

PRINCIPAIS INSTRUMENTOS LEGAIS

Canadá

1973

Decisão do Conselho de Ministros de estabelecer um processo de avaliação e exame ambiental em 20 de dezembro de 1973, modificado em 15 de fevereiro de 1977

Decreto sobre as diretrizes do processo de avaliação e exame ambiental, de 22 de junho de 1984

Lei Canadense de Avaliação Ambiental, sancionada em 23 de junho de 1992, modificada em 2012

Nova

Zelândia

1973

Procedimentos de proteção e melhoria ambiental de 1973

Lei de Gestão de Recursos de julho de 1991

Austrália

1974

Lei de Proteção Ambiental (Impacto de Propostas), de dezembro de 1974, modificada em 1987

Lei de Proteção Ambiental e Proteção da Biodiversidade de 1999

França

1976

Lei 629 de Proteção da Natureza, de 10 de julho de 1976

Lei 663 sobre as Instalações Registradas para a Proteção do Ambiente, de 19 de julho de 1976

Decreto 1.133, de 21 de setembro de 1977, sobre instalações registradas

Decreto 1.141, de 12 de outubro de 1977, para aplicação da Lei de Proteção da Natureza

Lei 630, de 12 de julho de 1983, sobre a democratização das consultas públicas

União

1985

Diretiva 85/337/EEC, de 27 de junho de 1985, sobre a avaliação dos efeitos ambientais de Europeia certos projetos públicos e privados

Modificada pela Diretiva 97/11/EC, de 3 de março de 1997

Rússia (à época

União Soviética)

1985

Instrução do Soviete Supremo para realização de “peritagem ecológica de Estado”

Decisão do Comitê Estatal de Construção de 1989, estabelecendo a apresentação de uma “avaliação documentada de impacto ambiental”

Lei de Proteção Ambiental da República Russa de 1991

Regulamento de 1994, do Ministério do Meio Ambiente, sobre AIA

Espanha

1986

Real Decreto Legislativo 1.302, de 28 de junho de 1986, modificado em 2008 pela

Lei 6/2010 (modificação da Lei de Avaliação de Impacto Ambiental de Projetos)

Holanda

1987

Decreto sobre AIA, de 1° de setembro de 1987, modificado em 1o de setembro de 1994

Portugal

1987

Lei de Bases do Ambiente de 7 de abril de 1987

Decreto-Lei 69 de 3 maio de 2000 sobre o regime jurídico da avaliação de impacto ambiental

Alemanha

1990

Lei de Avaliação de Impacto Ambiental de 12 de fevereiro de 1990, modificada em 2001 e em 2010

República

Tcheca

1992

Lei 244, de 15 de abril de 1992, sobre AIA

Decreto 499, de 1° de outubro de 1992, sobre competência profissional para avaliação de impactos e sobre meios e procedimentos para discussão pública da opinião dos peritos

Hungria

1993

Decreto 86: regulamento provisório sobre a avaliação dos impactos ambientais de certas atividades

Lei Ambiental de março de 1995, incluindo um capítulo sobre AIA

Hong Kong

1997

Lei de AIA, de 5 de fevereiro de 1997

Japão

1999

Lei de Avaliação de Impacto Ambiental, de 12 de junho de 1999

Fontes: elaborado a partir de diversas fontes, incluindo prospectos editados por organismos governamentais, sites governamentais e Bellinger et al. (2000).

Já na Europa, entretanto, o modelo americano de AIA não foi bem visto, pelo menos em um primeiro momento. Os governos sustentavam que suas políticas de planejamento já levavam em conta a variável ambiental, situação que se oporia à dos Estados Unidos, país onde o planejamento tinha pouca tradição. Mesmo assim, depois de cinco anos de discussão e cerca de 20 minutas (Wathern, 1988b), a Comissão Europeia adotou uma resolução (Diretiva 337/85), de aplicação compulsória por parte dos países-membros da então Comunidade Econômica Europeia (atual União Europeia), obrigando-os a adotar procedimentos formais de AIA como critério de decisão para uma série de empreendimentos considerados capazes de causar significativa degradação ambiental. Na verdade, a elaboração da diretiva europeia tardou dez anos, uma vez que os estudos preliminares haviam começado em 1975.

Quadro 2.2 Exemplos de institucionalização da AIA em algumas jurisdições subnacionais

JURISDIÇÃO

ANO DE INTRODUÇÃO

PRINCIPAIS INSTRUMENTOS LEGAIS

Califórnia, EUA

1970

Lei de Qualidade Ambiental da Califórnia, diversas modificações subsequentes

Nova York, EUA

1978

Lei de Exame da Qualidade Ambiental, de 1978, modificada em 1987 e 1996

Alberta, Canadá

1973

Lei de Conservação e Recuperação de Terras

Lei de Proteção e Melhoria Ambiental, de 2000

Ontário, Canadá

1974

Lei de Avaliação de Impacto Ambiental, de 1975

Lei sobre as Avaliações Ambientais, de 1990

Quebec, Canadá

1978

Modificação da Lei sobre a Qualidade do Ambiente (de 1972)

Regulamento sobre a Avaliação de Impacto Ambiental, de 1980, modificado em 1996

Colúmbia Britânica, Canadá

1979

Lei de Ambiente e Uso do Solo e outras leis (até 2002 não havia processo único de AIA, mas diferentes processos criados por diversas leis que estabeleciam necessidade de obtenção de licenças)

Lei de Avaliação Ambiental de dezembro de 2002

Norte do Quebec, Canadá

1975

Convenção da Baía James e do Norte do Quebec (este acordo, firmado entre os governos do Canadá e do Quebec e as comunidades autóctones Inuit e Cri, estabelece um regime particular de AIA em toda a porção norte do território provincial; os Cri e os Inuit criaram seus próprios comitês para gerir o processo de AIA)

Nova Gales do Sul, Austrália

1974

Princípios e Procedimentos para Avaliação de Impacto Ambiental da Comissão Estadual de Controle de Poluição, de 1974

Lei de Planejamento e Avaliação Ambiental, de 1979

Victoria,

Austrália

1978

Diretrizes para Avaliação Ambiental, de 1977

Lei sobre Efeitos Ambientais, de março de 1978

Diretrizes para Avaliação Ambiental, de 1977

Austrália

Ocidental, Austrália

1978

Lei de Proteção Ambiental, modificada em 1986

Procedimentos Administrativos de Avaliação de Impacto Ambiental, de 1993, modificados em dezembro de 2012

Ilhas Baleares, Espanha

1986

Decreto 4/1986, sobre implementação e regulação dos estudos de impacto ambiental

Castilha e Leon, Espanha

1994

Lei 8/1994, sobre Avaliação de Impacto Ambiental e Auditoria Ambiental, modificada pela lei 6/1996

Decreto 209/1995, que aprova o regulamento da lei

Fontes: elaborado a partir de diversas fontes, incluindo prospectos editados por organismos governamentais, sites governamentais, Couch (1988), Morrison-Saunders e Bailey (2000) e Palerm (1999).

Para Wathern (1988b), quando finalmente a diretiva foi aprovada, representou grandes mudanças para aqueles países onde a AIA havia sido praticamente negligenciada nas políticas públicas – Bélgica, Espanha, Grécia, Itália e Portugal. Os demais países, de diferentes formas, já aplicavam alguma modalidade de AIA (geralmente associada ao planejamento territorial), embora somente a França tivesse um sistema formalizado e embasado em lei.

A França, de fato, antecipou-se e foi o primeiro país da Europa a adotar a avaliação de impacto ambiental, por meio de duas leis de 1976. Na verdade, foi o único a legislar sobre AIA antes da diretiva europeia.

Diferentemente dos Estados Unidos – e sem dúvida em função de um regime jurídico e de uma organização administrativa muito diferentes –, a AIA foi adotada na França como uma modificação no sistema de licenciamento (ou autorização governamental) de indústrias e outras atividades que possam causar impacto ambiental, de modo que os estudos de impacto ambiental devem ser feitos pelo próprio interessado, enquanto, segundo a NEPA, nos Estados Unidos é a agência governamental encarregada da tomada de decisões que deve proceder à avaliação dos impactos potencialmente decorrentes dessa decisão. Além disso, no modelo francês, a exigência aplica-se a qualquer proposta, seja ela de um proponente público ou privado, enquanto a legislação federal americana aplica-se, fundamentalmente, a propostas públicas federais ou a decisões do governo federal sobre iniciativas privadas2.

Como sucederia depois em outros países, houve na França muita resistência de alguns setores governamentais e empresariais à nova exigência de preparação prévia de um estudo de impacto ambiental (Sánchez, 1993b). A regulamentação da lei francesa tardou mais de um ano, e os novos procedimentos efetivamente entraram em vigor em 1978. Entretanto, a aplicação da lei consolidou-se rapidamente e seu vasto campo de aplicação levou à preparação de cerca de 5 a 6 mil estudos de impacto por ano (Turlin e Lilin, 1991), número bem mais alto que a quantidade de estudos de impacto preparada em outras jurisdições, como os EUA (Kennedy, 1984). Um aspecto relevante da AIA na França é que os procedimentos instituídos em 1976 introduziram uma nova exigência – a apresentação prévia de um estudo de impacto – a um processo de licenciamento que já vigorava para algumas atividades desde 1917. Mesmo procedimentos de consulta pública já existiam para obras que necessitassem de um decreto de utilidade pública para fins de desapropriação. Ou seja, a AIA representou uma evolução de práticas de planejamento já existentes e foi incorporada a uma estrutura administrativa preexistente. Aqui também reside uma diferença entre a maneira como a AIA surgiu na França e como foi adotada em outros países, posto que não foi criada nenhuma nova instituição para implementar o novo instrumento, mas apenas um departamento dentro do Ministério do Meio Ambiente, ativo desde 1971. Aliás, o termo avaliação de impacto ambiental até hoje é pouco usado na França, predominando simplesmente o termo étude d’impact, que resume tanto o próprio estudo como o processo de avaliação de impacto ambiental.

Um indicador que ilustra as diferenças de receptividade da AIA nos Estados Unidos e na França é a porcentagem de casos levados a contestação judicial: enquanto nos EUA nada menos que 10% das decisões baseadas em um environmental impact statement foram contestadas nos tribunais no período de 1970 a 1983 (Kennedy, 1984), somente 0,65% dos études d’impact franceses foram contestados na Justiça durante os primeiros cinco anos de aplicação da nova lei (Hébrard, 1982).

O extenso campo de aplicação dos estudos de impacto na França e sua recepção “suave” pela administração pública resultaram em uma certa banalização do procedimento e em sua excessiva burocratização (Sánchez, 1993b). Mesmo assim, as novas exigências contribuíram para modificar substancialmente a postura de empresas públicas e privadas, levando a modificações de projetos como condição indispensável para aprovação, chegando mesmo a recusar conceder algumas licenças. Além de projetos em áreas como infraestrutura e mineração, para os quais um EIA é exigido em vários países, na França o estudo também se tornou necessário para outros tipos de projetos que suscitavam preocupação pública, como o “remembramento” rural (Fig. 2.1), a junção de pequenas propriedades agrícolas em imóveis maiores, favorecendo a mecanização da produção, que havia tomado escala ao longo dos anos 1960. Porém, o remembramento implica a eliminação de “obstáculos”, com supressão de cercas vivas, aterro de áreas úmidas e consequente perda de hábitats, além de alteração da paisagem.

Sem dúvida, a preocupação de evitar a avalanche de processos judiciais observada nos Estados Unidos esteve presente no desenho da maioria dos procedimentos de avaliação de impacto. Na Alemanha, diversos estudos apontavam para o encaminhamento de um projeto de lei, preparado em 1973 por um grupo de especialistas a convite do governo federal. Entretanto, o projeto nunca foi encaminhado ao Parlamento (Cupei, 1994). O governo federal adotou recomendações, em 12 de outubro de 1975, sob a forma de “Princípios para Avaliação de Impacto Ambiental de Ações Federais”, cujo cumprimento não era obrigatório e não podia ser controlado pelos tribunais. Ademais, os Estados tampouco tinham qualquer obrigação a respeito (Kennedy, 1981). Esse documento, “por seu pouco poder formal, não conseguiu obrigar ninguém a fornecer tal relatório [de impacto ambiental]” (Summerer, 1994, p. 407).

Fig. 2.1 Paisagem rural na região de Touraine, França, com seu relevo ondulado e favorável à mecanização agrícola

Somente após a aprovação da diretiva europeia, e como obrigação de todo Estado-membro, a Alemanha adotou uma lei sobre AIA, conhecida como Umweltverträglichkeitprufung (UVP), cuja tradução direta seria “exame de compatibilidade ambiental” (conforme Muller-Planterberg e Ab’Sáber (1994, p. 323), e, para Schlupmann (1994, p. 366), “estudo de consequências ambientais”). Schlupmann (1994) relata que foram parcas as discussões que precederam a aprovação do projeto de lei no Parlamento, o que parece paradoxal em um país onde o movimento ambientalista foi pioneiro em conseguir amplo reconhecimento social. Esse autor considera que, justamente, o “temor da pressão popular”, tendo os protestos contra usinas nucleares como pano de fundo, “constitui o fio condutor da história da Lei de AIA” (p. 373), a qual, em sua análise e fazendo eco a outros críticos, estabelece um procedimento excessivamente burocrático com pouco espaço para participação pública. A lei alemã sobre UVP data de 12 de fevereiro de 1990, quando já haviam transcorrido 20 anos desde a NEPA.

Em parte, as dificuldades de adaptação da diretiva europeia ao ordenamento jurídico de cada país-membro decorrem da existência anterior, nesses países, de exigências de planejamento territorial e de controle de poluição, que precisaram ser modificadas para incorporar o novo instrumento sem que fossem postas em risco as garantias representadas por essas leis. Se em alguns países, como a Espanha, a introdução da AIA deu-se por novas leis ou decretos que estabeleceram a necessidade de preparação de um EIA nos moldes preconizados pela diretiva europeia, quase que a transcrevendo, em outros, exigências de AIA permearam uma complexa legislação de planejamento, como no Reino Unido, onde a diretiva europeia foi implementada por meio de mais de 40 “regulamentos secundários” (Glasson e Salvador, 2000).

A difusão da AIA para outros países desenvolvidos continuou durante a década de 1990, alcançando o Japão e Hong Kong – então colônia britânica e depois como Região Administrativa Especial da China. Ao mesmo tempo, em países onde a prática já era bem estabelecida, como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, os processos foram fortalecidos por meio da criação de leis ou da reforma de procedimentos (Quadros 2.1 e 2.2). Assim, não se pode deixar de registrar que a AIA tem passado por uma contínua evolução, na qual as práticas vêm sendo revistas e novos procedimentos e exigências são formulados, com base no aprendizado proporcionado por uma avaliação crítica dos resultados, essencial para o vigor de toda política pública. Um avanço significativo é a avaliação ambiental estratégica, ou avaliação do impacto de políticas, planos e programas, e não de projetos, obras ou atividades. No entanto, esse tema não será abordado neste livro.

2.3 DIFUSÃO INTERNACIONAL: OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

As razões da difusão internacional da AIA são muitas. Talvez a principal delas seja que tanto os países ditos desenvolvidos quanto aqueles classificados como em desenvolvimento têm diversos problemas ambientais em comum. Em outras palavras, o estilo de desenvolvimento adotado engendra formas semelhantes de degradação ambiental.

Em 1972, na época da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, existiam apenas onze órgãos ambientais nacionais, a maioria em países industrializados. Em 1981, a situação havia mudado de forma dramática: contavam-se 106 países, na maioria em desenvolvimento. Uma nova década se passa, em 1991, praticamente todos os países dispõem de algum tipo de instituição similar (Monosowski, 1993, p. 3).

Também teve importante papel na adoção do instrumento pelos países do Sul a atuação das agências bilaterais de fomento ao desenvolvimento, como a U.S. Agency for International Development (USAID) e suas congêneres dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), assim como as agências multilaterais, que são os bancos de desenvolvimento, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Os tribunais dos Estados Unidos julgaram casos decidindo que mesmo as ações externas do governo federal americano deveriam ser sujeitas à NEPA, afetando, dessa forma, seus projetos de cooperação para o desenvolvimento e até as atividades de pesquisa na Antártida, que, coordenadas pelo U.S. National Research Council, foram consideradas como ações do governo federal que podiam causar significativa degradação ambiental. Em 1975, quatro ONGs ambientalistas americanas entraram em uma ação judicial contra a USAID, tencionando obrigá-la a preparar estudos de impacto ambiental, nos termos da NEPA. Em consequência, a USAID foi a primeira agência de cooperação internacional a aplicar regularmente procedimentos de avaliação dos impactos de seus projetos (Horberry, 1988; Runnals, 1986).

A lei americana de cooperação para o desenvolvimento (Foreign Assistance Act) foi modificada em 1978 e passou a impor a necessidade formal de preparação de estudos de impacto ambiental para os projetos de cooperação (Runnals, 1986). A partir da ação das ONGs na Justiça americana e depois da modificação da lei de assistência, a USAID estabeleceu uma política ambiental e criou diversos procedimentos para levar em conta as implicações ambientais de seus projetos; também teve que realizar uma reforma administrativa e contratar novos técnicos para atuar em planejamento e gestão ambiental (Horberry, 1988). Posteriormente, as principais agências de cooperação para o desenvolvimento, como a canadense ACDI/CIDA, a dinamarquesa Danida e várias outras, estabeleceram seus próprios procedimentos de avaliação de projetos, em geral empregando os mesmos critérios que outras agências de seus respectivos governos deviam usar para analisar seus projetos internos. No entanto, até 1986, as agências de cooperação da maioria dos países da OCDE tinham experiência muito limitada com a avaliação ambiental de suas atividades (OECD, 1986). Embora a maioria de seus países-membros aplicasse a AIA para muitos projetos domésticos que pudessem causar impactos significativos, esse procedimento não era aplicado para os mesmos tipos de projeto quando executados em um país em desenvolvimento sob financiamento de um país da OCDE (Kennedy, 1988). Foi somente a partir do final dos anos 1980 e principalmente ao longo dos anos 1990 que tal atividade se consolidou.

Um marco nesse processo de internacionalização da avaliação de impacto ambiental é a Recomendação do Conselho Diretor da OCDE, aprovada em 20 de junho de 1985, segundo a qual os países-membros da organização devem assegurar que:

(a) Projetos e programas de assistência ao desenvolvimento que, devido à sua natureza, porte e/ou localização, possam afetar significativamente o ambiente devem ser avaliados sob um ponto de vista ambiental no estágio mais inicial possível;

(b) Ao examinar se um projeto ou programa específico deve ser sujeito a uma avaliação ambiental detalhada, as agências de cooperação dos países-membros devem prestar especial atenção aos projetos ou programas listados no Anexo […]

O documento traz um anexo com uma lista de projetos e programas que mais necessitam de avaliações ambientais. Atualmente, as principais agências de cooperação têm listas próprias e procedimentos mais sofisticados para enquadrar os projetos de assistência de acordo com o nível de detalhe da avaliação ambiental necessária.

Uma outra recomendação do Conselho da OCDE, aprovada em 23 de outubro de 1986, conclama os países-membros a:

(a) Apoiar ativamente a adoção formal de uma política de avaliação ambiental para suas atividades de assistência ao desenvolvimento;

(b) Examinar a adequação dos procedimentos e práticas atuais com relação à implementação de tal política;

(c) Desenvolver, à luz deste exame e na medida necessária, procedimentos eficazes para um processo de avaliação ambiental considerando, na medida do necessário, o Anexo I;

[…]

(g) Assegurar a provisão de recursos humanos e financeiros para os países em desenvolvimento que desejem melhorar sua capacitação para realizar avaliações ambientais, considerando no todo ou em parte as medidas do Anexo II.

Dessa forma, a OCDE recomendou um modelo de processo de avaliação de impacto ambiental para analisar os projetos de ajuda ao desenvolvimento que é consistente com as boas práticas internacionais de AIA, e propôs fomentar a capacidade dos países receptores em avaliar internamente os impactos ambientais. Consequentemente, não apenas muitos projetos foram avaliados individualmente como foram também expandidos programas de cooperação voltados especificamente ao fortalecimento institucional e à formação de recursos humanos envolvidos em avaliação ambiental nos países em desenvolvimento. Por exemplo, a agência canadense de cooperação financiou cerca de CAN$ 41 milhões para um Projeto de Desenvolvimento de Gestão Ambiental na Indonésia, liderado pela Universidade Dalhousie e executado entre 1983 e 1994 por um consórcio de universidades canadenses e indonésias, em colaboração com o Ministério do Meio Ambiente da Indonésia. O projeto incluiu um grande componente de capacitação em avaliação de impacto ambiental e a publicação de guias e diretrizes (Villamere e Nazrudin, 1992).

Também nas instituições multilaterais, como os bancos de desenvolvimento, o período entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990 marcou uma inflexão em suas políticas face às implicações ambientais de suas atividades. O Banco Mundial teve papel muito importante na difusão da AIA, na medida em que movimenta bilhões de dólares por ano em projetos de desenvolvimento nos países do Sul, muitos deles capazes de causar impactos ambientais significativos. Os primeiros estudos de impacto ambiental feitos no Brasil o foram para projetos financiados em parte pelo Banco Mundial, como as barragens de Sobradinho, no rio São Francisco, em 1972 (Moreira, 1988), e Tucuruí, no rio Tocantins, este realizado em 1977 (Monosowski, 1986; 1990), um ano depois que a construção da barragem havia sido iniciada. Na época, não havia legislação brasileira exigindo tais estudos, que não foram, portanto, submetidos à aprovação governamental, mas utilizados pelo Banco para decidir sobre as condições dos empréstimos.

Uma das principais razões do envolvimento do Banco Mundial foi a pressão exercida pelas organizações não governamentais ambientalistas e suas fortes críticas aos importantes impactos ecológicos e socioculturais dos grandes projetos financiados pelo Banco (Rich, 1985). Um dos casos sistematicamente citados como um dos piores exemplos de atuação do Banco foi o empréstimo concedido ao governo brasileiro para pavimentação da rodovia BR-364, de Cuiabá a Porto Velho, nos anos 1980 – a obra foi apontada como indutora de um processo perverso de ocupação da região, causando desmatamento indiscriminado e dizimação de grupos indígenas (Lutzemberger, 1985). As críticas tiveram repercussão no Congresso dos Estados Unidos, país que, por ser o maior acionista do Banco, sempre indicou seu presidente. Os congressistas convocaram o secretário do Tesouro (equivalente ao ministro da Fazenda) para depor acerca das atividades do Banco e o pressionaram para exigir que fosse dada maior importância aos impactos ambientais dos projetos financiados pelo Banco, como um dos critérios de concessão de empréstimos (Walsh, 1986).

O primeiro documento de política ambiental do Banco, que data de 1984, estipulava que os impactos de projetos de desenvolvimento fossem avaliados durante a preparação do projeto e que seus resultados fossem publicados somente depois da implantação (Goodland, 2000). Finalmente, em 1989, o Banco promoveu uma reorganização interna, criando um Departamento de Meio Ambiente e contratando uma equipe multidisciplinar cuja atribuição era analisar previamente, sob o ponto de vista ambiental, os projetos enviados ao Banco, já que, até então, a equipe encarregada de assuntos ambientais era composta por apenas cinco pessoas, face a mais de 300 projetos analisados anualmente pela instituição (Runnals, 1986)3. Também em 1989, o Banco adotou uma nova política a esse respeito e estabeleceu procedimentos internos de cumprimento compulsório, que incluíam a elaboração de um estudo de impacto ambiental (Beanlands, 1993a).

Tratava-se da Diretiva Operacional 4.00 de outubro de 1989, substituída pela Diretiva Operacional 4.01 em setembro de 1991. Posteriormente, o Banco consolidou seus procedimentos relativos às considerações ambientais na análise de solicitações de empréstimos, que devem observar as condições impostas por vários documentos de políticas operacionais, conhecidos como políticas de salvaguardas, das quais pode-se citar as seguintes, de maior importância no campo ambiental: OP 4.04 Hábitats naturais; OP 4.10 Povos indígenas; OP 4.11 Patrimônio cultural; OP 4.12 Reassentamento involuntário; OP 4.36 Setor florestal; OP 4.37 Segurança de barragens. Em 2012 o Banco iniciou um processo de consulta pública para revisão e atualização de suas políticas de salvaguardas.

Goodland (2000) aponta que a versão de 1989 da política de avaliação ambiental encontrou muita resistência interna e, por tal razão, era restrita – excluía, por exemplo, qualquer procedimento de participação pública. Já a versão de 1991 finalmente aproximou-se dos padrões internacionais de avaliação de impactos, incluindo, entre outras modificações, procedimentos para participação e consulta pública. No entanto, somente projetos apresentados ao banco para financiamento eram abarcados por essa política, que não abrangia empréstimos para ajuste estrutural ou setorial. Ao longo dos anos 1990, outros organismos multilaterais seguiram os passos do Banco Mundial, adotando políticas e procedimentos internos para avaliação ambiental.

Assim, muitos países adotaram leis sobre avaliação de impacto ambiental ou introduziram exigências de avaliação de impactos em leis ambientais mais amplas. O Quadro 2.3 mostra alguns exemplos. Deve-se destacar o pioneirismo da Colômbia, que já em 1974 incluiu provisões sobre AIA em seu Código Nacional de Recursos Naturais Renováveis e de Proteção do Meio Ambiente. O artigo 28 desta lei estabelecia que:

Para a execução de obras, o estabelecimento de indústrias ou o desenvolvimento de qualquer outra atividade que, por suas características, possa produzir deterioração grave dos recursos naturais renováveis ou do ambiente ou introduzir modificações consideráveis ou notórias à paisagem, será necessário o estudo ecológico e ambiental prévio e, ademais, obter licença. Em tal estudo, deve-se levar em conta, além dos fatores físicos, os de ordem econômica e social, para determinar a incidência que a execução das obras mencionadas possa ter sobre a região.

Quadro 2.3 Marcos da institucionalização da AIA em alguns países em desenvolvimento

JURISDIÇÃO

ANO DE INTRODUÇÃO

PRINCIPAIS INSTRUMENTOS LEGAIS

Colômbia

1974

Código Nacional de Recursos Naturais Renováveis e de Proteção do Meio Ambiente, de 18 de dezembro de 1974

Lei 99 de 1993 sobre licenças ambientais e decreto regulamentador 2.820 de 2010

Filipinas

1978

Decreto sobre Política Ambiental

Decreto sobre o Sistema de Estudos de Impacto Ambiental, de 1978

Regulamentos sobre EIAs do Conselho Nacional de Proteção Ambiental, de 1979

China

1979

Lei “Provisória” de Proteção Ambiental, revista e promulgada em 26 de dezembro de 1989

Decreto de 1981 sobre “Proteção Ambiental de Projetos de Construção”, modificado em 1986 e em 1998

Decreto de 1990 sobre procedimentos de AIA

Lei de Avaliação de Impacto Ambiental, de 28 de outubro de 2002, em vigor desde setembro de 2003

Brasil

1981

Lei de Política Nacional do Meio Ambiente de 31 de agosto de 1981

Resolução 1 de 23 de janeiro de 1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente sobre estudos de impacto ambiental

México

1982

Lei Federal de Proteção Ambiental, de 1982

Lei Geral do Equilíbrio Ecológico e da Proteção do Ambiente, de 28 de janeiro de 1988

Regulamento de 30 de maio de 2000

Indonésia

1986

Lei de Provisões Básicas para Gestão Ambiental, de 1982

Regulamento 29 de 1986, sobre análise de impacto ambiental, modificado pelo Regulamento 51, de 1993 e pelo Regulamento 27, de 1999, incluindo mecanismos de participação pública

Malásia

1987

Lei de 1985, que modifica a Lei de Qualidade Ambiental (de 1974)

Decreto sobre Qualidade Ambiental (Atividades Controladas), de 1987

África do Sul

1991

Art. 39 da Lei de Mineração, de 1991

Lei de Conservação Ambiental, de 1989, e Regulamento sobre Avaliação de Impacto Ambiental, de 1° de setembro de 1997, relativo à Lei de Conservação Ambiental

Lei Nacional de Gestão Ambiental de 2006 e regulamentos subsequentes; última modificação em 18 de junho de 2010

Tunísia

1991

Decreto de 13 de março de 1991 sobre os estudos de impacto ambiental

Bolívia

1992

Lei n° 1.333 de 27 de abril de 1992

Decreto 24.176 de 1996

Chile

1994

Lei de Bases do Meio Ambiente, de 3 de março de 1994

Regulamento do Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental, de 3 de abril de 1997, modificado em 7 de dezembro de 2002

Uruguai

1994

Lei 16.246, de 8 de abril de 1992, requer AIA para atividades portuárias

Lei de Prevenção e Avaliação de Impacto Ambiental 16.466, de 19 de janeiro de 1994

Decreto 435/994, de 21 de setembro de 1994 (regulamento)

Bangladesh

1995

Lei de Conservação Ambiental de 1995

Regras de Conservação Ambiental de 1997

Moçambique

1997

Lei do Ambiente de 7 de outubro de 1997

Decreto 45 de 29 de setembro de 2004 que regulamenta o processo de avaliação de impacto ambiental

Angola

1998

Lei de Bases do Ambiente de 19 de junho de 1998

Decreto 51 de 23 de julho de 2004 sobre avaliação de impacto ambiental

Fontes: elaborado a partir de diversas fontes, incluindo prospectos editados por organismos governamentais nacionais, sites governamentais, Ahammed e Harvey (2004), Mao e Hills (2002), Memon (2000), e Purnama (2003) e Zhu e Lam (2010).

Atualmente, a quase totalidade dos países em desenvolvimento tem leis nacionais que exigem a preparação prévia de estudos de impacto ambiental. O processo de difusão e consolidação da AIA continua, mesmo após a adoção de leis nacionais. Assim, em empréstimos de bancos multilaterais ou doações bilaterais, é frequente a exigência de avaliações que podem ultrapassar os requisitos legais nacionais. Pode ser o caso de se exigir uma avaliação ambiental estratégica ou de se insistir em processos participativos e de consulta pública que ultrapassem as formalidades previstas em lei. Muitos países recebem montantes de ajuda econômica que representam percentagem significativa de seus orçamentos públicos e, para manter o fluxo de recursos, devem se submeter às exigências dos financiadores e doadores que, por sua vez, estão sujeitos a pressões em suas jurisdições. Para um doador internacional, nada pior que a comprovação de que, ao invés de um projeto ter contribuído para o desenvolvimento humano, este tenha, na realidade, piorado a qualidade de vida das populações que supostamente deveria ter ajudado, ou causado danos ambientais.

2.4 AIA EM TRATADOS INTERNACIONAIS

Vários Estados promoveram ativamente a difusão internacional da AIA, não apenas agindo no plano bilateral, como também buscando inseri-la em acordos internacionais. Da mesma forma, algumas grandes ONGs internacionais trabalharam para incluir cláusulas relativas à AIA em tratados internacionais, que vêm se multiplicando nos últimos anos.

Um grande impulso para a difusão internacional da AIA veio com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), a Rio-92. Além de toda a discussão pública, com grande repercussão na imprensa, suscitada durante o período preparatório da conferência, um dos documentos resultantes desse encontro, a Declaração do Rio, estabelece, em seu princípio 17:

A avaliação do impacto ambiental, como um instrumento nacional, deve ser empreendida para atividades propostas que tenham probabilidade de causar um impacto adverso significativo no ambiente e sujeitas a uma decisão da autoridade nacional competente.

Em um outro documento resultante da CNUMAD, a Agenda 21, os Estados signatários reconhecem a AIA como instrumento que deve ser fortalecido para estimular o desenvolvimento sustentável. Várias vezes a Agenda 21 menciona a necessidade de avaliar os impactos de novos projetos de desenvolvimento. Menções ao papel da AIA aparecem, entre outros, nos seguintes itens da Agenda 21:

Certificar-se de que as decisões relevantes sejam precedidas por avaliações do impacto ambiental e que, além disso elas levem em conta os custos das eventuais consequências ecológicas;

(no Cap. 7 – Promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos [7.41 (b)])

Promover o desenvolvimento, no âmbito nacional, de metodologias adequadas à adoção de decisões integradas de política energética, ambiental e econômica com vistas ao desenvolvimento sustentável, inter alia, por meio de avaliações de impacto ambiental;

(no Cap. 9 – Proteção da atmosfera [9.12 (b)])

Desenvolver, melhorar e aplicar métodos de avaliação de impacto ambiental com o objetivo de fomentar o desenvolvimento industrial sustentável”;

(no Cap. 9 – Proteção da atmosfera [9.18 (d)])

Realizar análises de investimento e estudos de viabilidade que incluam uma avaliação do impacto ambiental, para a criação de empresas de processamento florestal;

(no Cap. 11 – Combate ao desflorestamento [11.23 (b)])

Introduzir procedimentos adequados de estudos de impacto ambiental para a aprovação de projetos com prováveis consequências importantes sobre a diversidade biológica e tomar medidas para que as informações pertinentes fiquem amplamente disponíveis, com a participação do público em geral, quando apropriado, e estimular a avaliação dos impactos de políticas e programas pertinentes sobre a diversidade biológica;

(no Cap. 15 – Conservação da diversidade biológica [15.5 (k)])

Avaliação obrigatória do impacto ambiental de todos os grandes projetos de desenvolvimento de recursos hídricos que possam prejudicar a qualidade da água e dos ecossistemas aquáticos, combinada com a formulação de medidas reparadoras e um controle intensificado de instalações industriais novas, aterros sanitários e projetos de desenvolvimento da infra-estrutura;

(no Cap. 18 – Proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos: aplicação de critérios integrados no desenvolvimento, manejo e uso dos recursos hídricos [18.40 (b) (v)])

Os Governos devem tomar a iniciativa de estabelecer e fortalecer, quando apropriado, procedimentos nacionais de avaliação de impacto ambiental levando em consideração uma abordagem “de ponta a ponta” do manejo de resíduos perigosos, a fim de identificar opções para minimizar a geração de resíduos perigosos por meio de manipulação, armazenamento, depósito e destruição mais seguras;

(no Cap. 20 – Manejo ambientalmente sustentável dos resíduos perigosos, incluindo a prevenção do tráfico internacional ilícito de resíduos perigosos [20.19 (d)])

Maior desenvolvimento e promoção do uso mais amplo possível das avaliações de impacto ambiental, inclusive de atividades com os auspícios dos organismos especializados do sistema das Nações Unidas, e em relação com todo projeto ou atividade importante de desenvolvimento econômico.

(no Cap. 38 – Arranjos institucionais internacionais, acerca do papel do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [38.22 (i)])

A Declaração do Rio e a Agenda 214 são documentos cuja preparação requereu intensas negociações internacionais, inclusive com a participação de ONGs e outros grupos de interesse. A preparação da Conferência do Rio foi um processo muito rico, cujos resultados ultrapassam em muito os documentos firmados durante os dias do evento. Muitos países aprovaram novas leis, prepararam relatórios de qualidade ambiental, e as ONGs estimularam os cidadãos a buscar maior envolvimento nos processos decisórios. O surgimento de novas leis que requerem a avaliação prévia de impacto ambiental foi uma das consequências da Conferência.

Durante o período preparatório da Conferência do Rio e nos anos que se seguiram, novos países incorporaram a AIA em suas legislações, principalmente na América Latina, na África e na Europa Oriental, a exemplo do Peru em 1990, da Bolívia em 1992, do Chile, do Uruguai e da Nicarágua em 1994, da Tunísia em 1991, da Costa do Marfim em 1996, da Bulgária em 1992 e da Romênia em 1995 (Quadro 2.3).

Além de documentos genéricos como a Declaração do Rio e a Agenda 21, diversas convenções internacionais têm incorporado a AIA em seus textos. A mais importante é sem dúvida a Convenção sobre Diversidade Biológica, também aprovada durante a Conferência do Rio:

Artigo 14 - Avaliação de impacto e minimização de impactos negativos:

1. Cada Parte Contratante, na medida do possível, e conforme o caso, deve:

a) estabelecer procedimentos adequados que exijam a avaliação de impacto ambiental de seus projetos propostos que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica, a fim de evitar ou minimizar tais efeitos e, conforme o caso, permitir a participação pública nesses procedimentos;

b) tomar providências adequadas para assegurar que sejam devidamente levadas em conta as consequências ambientais de seus programas e políticas que possam ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica; […]

A Convenção avançou bastante nas recomendações quanto ao uso da AIA. Em sua 6ª Conferência das Partes Contratantes (COP)5, realizada em Haia, Holanda, em 2002, aprovou um documento intitulado “Diretrizes para incorporação de questões relativas à biodiversidade à legislação e/ou ao processo de avaliação de impacto ambiental e à avaliação ambiental estratégica” (Resolução VI/7), que traz recomendações detalhadas sobre o assunto.

A Convenção sobre Mudança do Clima, igualmente firmada durante a Conferência do Rio, também faz menção à AIA, neste caso, sobre seu emprego, para avaliar medidas de mitigação ou de adaptação às mudanças climáticas, lembrando que muitas vezes as próprias iniciativas ambientais também precisam ter seus impactos avaliados:

Artigo 4 - Obrigações

1. Todas as Partes, levando em conta suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e suas prioridades de desenvolvimento, objetivos e circunstâncias específicas, nacionais e regionais, devem:

[…]

f) levar em conta, na medida do possível, os fatores relacionados com a mudança do clima em suas políticas e medidas sociais, econômicas e ambientais pertinentes, bem como empregar métodos adequados, tais como avaliações de impactos, formulados e definidos nacionalmente, com vistas a minimizar os efeitos negativos na economia, na saúde pública e na qualidade do meio ambiente, provocados por projetos ou medidas aplicadas pelas Partes para mitigarem as mudanças do clima ou a ela se adaptarem; […]

Mesmo convenções firmadas antes da difusão internacional da AIA incorporaram seus princípios e recomendações, como é o caso da Convenção de Ramsar para a Proteção de Áreas Úmidas de Importância Internacional. Essa convenção foi firmada em 1971, na cidade iraniana de Ramsar, com o objetivo principal de proteger os hábitats de aves migratórias, cuja sobrevivência depende do estado de conservação de planícies de inundação, lagos, estuários, manguezais e demais zonas úmidas. Como outras convenções firmadas sob a égide da ONU, os países aderentes reúnem-se periodicamente nas Conferências das Partes, durante as quais são tomadas decisões relativas à implementação da convenção. Resoluções da 6a Conferência das Partes Contratantes (COP), realizada em Brisbane, Austrália, em 1996; da 7a COP, realizada em San José, Costa Rica, em 1999; e da 8a COP, realizada em Valência, Espanha, em 2002, preconizam o uso da AIA para proteger as zonas úmidas. Por exemplo, a Resolução VI.16, tomada em San José:

PEDE às Partes Contratantes que fortaleçam e consolidem seus esforços para assegurar que todo projeto, plano, programa e política com potencial de alterar o caráter ecológico das zonas úmidas incluídas na lista Ramsar ou de impactar negativamente outras zonas úmidas situadas em seu território, sejam submetidos a procedimentos rigorosos de estudos de impacto, formalizando tais procedimentos mediante os ajustes necessários em políticas, legislação, instituições e organizações.

ALENTA as Partes Contratantes a se assegurar de que os procedimentos de avaliação de impacto se orientem à identificação dos verdadeiros valores dos ecossistemas de zonas úmidas, em termos dos múltiplos valores, benefícios e funções que proveem, para permitir que estes amplos valores ambientais sejam incorporados aos processos de tomada de decisões e de manejo;

ALENTA, ademais, as Partes Contratantes a assegurar que os processos de avaliação de impactos referentes a zonas úmidas sejam realizados de maneira transparente e participativa, e que incluam os interessados diretos locais […] (Secretaría de la Convención de Ramsar (2004).

Outra convenção que inicialmente não fazia menção à AIA, mas incorporou recomendações explícitas, é a Convenção sobre a Conservação de Espécies Migratórias de Animais Selvagens, firmada em Bonn, Alemanha, em 1979. A Resolução 7/2 da 7ª COP, realizada em Bonn, em 2002,

ENFATIZA a importância da avaliação de impacto ambiental e da avaliação ambiental estratégica de boa qualidade como ferramentas para implementar o Artigo II(2) da Convenção, para evitar ameaças às espécies migratórias […]

URGE às Partes que incluam, quando for relevante, nas avaliações de impacto ambiental e nas avaliações ambientais estratégicas, a consideração mais completa possível dos efeitos de impedimento à migração […], dos efeitos transfronteiriços às espécies migratórias e dos impactos sobre os padrões migratórios.

Um ponto que não é tratado pelas legislações nacionais é o de que alguns empreendimentos podem causar impactos para além das fronteiras. Um tratado internacional promovido pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, mas aberto à adesão de países que não sejam membros dessa organização, é a Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental em um Contexto Transfronteiriço, conhecida como Convenção de Espoo, cidade da Finlândia onde foi aprovada em 1991. Trata-se da primeira convenção multilateral desse tipo, e está em vigor desde 10 de setembro de 1997. À semelhança das leis nacionais sobre AIA, a Convenção estabelece:

  uma lista de atividades às quais se aplica (Anexo I);

  um procedimento a ser seguido;

  a necessidade de que os países potencialmente afetados sejam notificados;

  procedimentos para participação pública em todos os países potencialmente afetados;

  um conteúdo mínimo para a documentação do processo de AIA (Anexo II).

Essa convenção procurou estimular a cooperação internacional, evitar o aparecimento de conflitos entre Estados e, quando surgem, estabelecer mecanismos para resolvê-los. Certamente convenções similares são necessárias em outras regiões do Planeta, como mostra a controvérsia que emergiu, em 2005 e 2006, entre o Uruguai e a Argentina, motivada pela proposta de construção de duas fábricas de celulose naquele país, e que suscitou reações governamentais e manifestações populares na Argentina, inclusive com bloqueio de pontes internacionais, devido ao receio de poluição das águas do rio Uruguai, que nesse local forma a fronteira entre os dois países, e aos possíveis impactos sobre a agricultura e o turismo.

Trata-se de projetos de grande porte para um país como o Uruguai. O maior deles prevê investimentos de US$ 1,1 bilhão em uma indústria de celulose e em plantações de eucaliptos, cuja “influência socioeconômica se estenderá direta ou indiretamente a todo o Uruguai e mesmo às zonas vizinhas na província argentina de Entre-Rios” (Botnia, 2004, EIA Summary, p. 95). As duas fábricas localizam-se na pequena cidade de Fray Bentos, com 22 mil habitantes. O presidente argentino pediu que fosse realizado um “estudo de impacto ambiental independente” (A. Vidal, “Kirchner pidió a Uruguay que frene por 90 días las papeleras”, El Clarín, 2 de março de 2006).

Observa-se, então, que, para além de leis nacionais ou subnacionais, a avaliação de impacto ambiental é promovida em inúmeros documentos de âmbito internacional, que preconizam seu uso, voluntário ou obrigatório, para diferentes finalidades de planejamento ou de auxílio à decisão. Cada vez mais, a AIA vem atender a uma necessidade de estabelecer mecanismos de controle social e de decisão participativa acerca de projetos e iniciativas de desenvolvimento econômico. É interessante notar, contudo, que a Conferência Rio+20, oficialmente denominada Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, nada acrescentou ao quadro internacional de instrumentos ou compromissos relativos à avaliação de impacto ambiental (Sánchez e Croal, 2012).

2.5 AIA NO BRASIL

Os primeiros estudos ambientais preparados no Brasil para alguns grandes projetos hidrelétricos durante os anos 1970 são, em grande parte, um reflexo da influência de demandas originadas no exterior, de modo similar ao ocorrido em outros países. Mas não haveria também pressões internas para prevenir a ocorrência de danos ambientais causados por grandes projetos de desenvolvimento?

A década de 1970 foi marcada pelo significativo crescimento da atividade econômica e pela expansão das fronteiras econômicas internas, com a progressiva incorporação à economia de mercado de vastas áreas do domínio dos cerrados e da Amazônia. A expansão econômica e territorial foi impulsionada por investimentos governamentais de grande monta em projetos de infraestrutura, dos quais a rodovia Transamazônica e a barragem de Itaipu são ícones. A estratégia de desenvolvimento econômico da qual esses projetos faziam parte era criticada por alguns setores da intelectualidade (por exemplo, Furtado, 1974, 1982; Cardoso e Muller, 1978; Oliveira, 1980), mas seus impactos ambientais eram mencionados somente en passant. No entanto, nessa mesma época, começa a cristalizar-se no País um pensamento “ecológico” bastante crítico desse mesmo modelo de desenvolvimento (Lago e Pádua, 1984).

O estudo de impacto da usina hidrelétrica de Tucuruí certamente não influenciou a decisão de realizar o projeto, tendo sido feito em 1977, embora as obras já tivessem sido iniciadas no ano anterior. Esse estudo foi realizado por um único profissional6, que basicamente compilou a informação disponível e identificou os principais impactos potenciais. Em seguida, um Plano de Trabalho Integrado para Controle Ambiental, de junho de 1978, orientou o subsequente aprofundamento dos estudos, com vários levantamentos de campo realizados por instituições de pesquisa e a “adoção de algumas ações de mitigação de impactos negativos” (Monosowski, 1994, p. 127). Segundo esta autora, na ausência de exigência legal para avaliação prévia de impactos ambientais,

entre os fatores que motivaram a realização dos estudos incluem-se a falta de experiência na implantação de projetos hidrelétricos de grande porte em regiões de floresta tropical úmida, a influência de práticas adotadas pelas agências de financiamento internacionais e a pressão da opinião pública nacional e internacional, em especial da comunidade científica, de grupos ecologistas e de interesses locais (p. 127).

No meio acadêmico, por outro lado, já se iniciavam pesquisas sobre os impactos ambientais de grandes projetos, como as barragens no baixo curso do rio Tietê, São Paulo. Tundisi (1978) montou um experimento de muitos anos de duração visando a estabelecer uma linha de base das condições ecológicas antes da construção de dois reservatórios, que pudesse ser comparada com as condições após a inundação. Também em 1978 foi realizado um seminário sobre os “Efeitos das Grandes Represas no Meio Ambiente e no Desenvolvimento Regional”, e Garcez (1981) contrapôs qualitativamente os “efeitos benéficos e prejudiciais das grandes barragens” (Fig. 2.2).

Foi uma conjunção de fatores internos e externos, ou endógenos e exógenos, na análise de Pádua (1991), que propiciou um avanço das políticas ambientais no Brasil e acabou levando o Poder Executivo a formular o projeto de lei sobre Política Nacional do Meio Ambiente, aprovado pelo Congresso em 31 de agosto de 1981, e que incluiu a avaliação de impacto ambiental como um dos instrumentos para atingir os objetivos dessa lei, que são, entre outros (art. 4°):

Fig. 2.2 Imagem de satélite da bacia do rio Paraná, observando-se a sucessão de reservatórios nos principais rios. O maior deles, visível na porção central da imagem, é de Porto Primavera.

Fonte: CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), imagem de agosto de 2004.

  compatibilizar o desenvolvimento econômico e social com a proteção ambiental;

  definir áreas prioritárias de ação governamental;

  estabelecer critérios e padrões de qualidade ambiental e normas para uso e manejo de recursos ambientais;

  preservar e restaurar os recursos ambientais “com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida”;

  obrigar o poluidor e o predador a recuperar e/ou indenizar os danos.

Não há dúvida de que a atuação de agentes financeiros multilaterais e de outras organizações internacionais teve um papel central na adoção da AIA por muitos países em desenvolvimento. Todavia, foram as condições internas – os fatores endógenos – que propiciaram uma acolhida mais ou menos favorável para que se pusessem em prática os princípios de prevenção e de precaução inerentes à AIA. No Brasil, parece ter ocorrido uma convergência entre as demandas colocadas por agentes exógenos e as demandas internas formuladas por determinados grupos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e diversos setores do movimento ambientalista. Durante as décadas de 1970 e de 1980, apesar das restrições à democracia impostas pelo governo militar, o movimento ambientalista foi paulatinamente se firmando e legitimando seu discurso (Silva-Sánchez, 2010; Viola, 1987, 1992), tendo os impactos socioambientais dos grandes projetos estatais ou privados como um dos focos da crítica ao modelo de desenvolvimento adotado, visto como socialmente excludente e ecologicamente destrutivo (Lutzemberger, 1980; Sánchez, 1983).

Em termos de institucionalização, a avaliação de impacto ambiental chegou ao Brasil por meio das legislações estaduais – Rio de Janeiro e Minas Gerais adiantando-se à legislação federal. O caso do Rio de Janeiro tem maior interesse, pois foi a partir dessa experiência pioneira que mais tarde foi regulamentado o estudo de impacto ambiental no País. A origem da AIA no Estado está ligada à implementação de um sistema estadual de licenciamento de fontes de poluição (Moreira, 1988) em 1977, que atribuiu à Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) a possibilidade de estabelecer os instrumentos necessários para analisar os pedidos de licenciamento. Segundo Wandesforde-Smith e Moreira (1985), foram alguns dos próprios técnicos da Feema7 (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente) que levantaram a possibilidade de exigir um relatório de impacto ambiental como subsídio ao licenciamento. Isso permitiria que fossem levados em conta aspectos relativos a “uso do solo, fauna e flora, e variáveis demográficas e econômicas”, ao invés de restringir a análise a questões de qualidade do ar e da água. Uma relação tão direta entre a AIA e o licenciamento foi uma estratégia empregada por esse grupo para facilitar a aceitação de uma nova ferramenta de planejamento ambiental, e estabelecer um contexto de aplicação que já era familiar, ou seja, o licenciamento ambiental. Em outras palavras, tratava-se de um compromisso entre o uso ideal da AIA (o planejamento de novos projetos, planos ou programas) e a possibilidade de aplicação imediata.

O esforço rendeu poucos frutos, pois até 1983 a Ceca exerceu seu poder de exigir um relatório de impacto ambiental somente duas vezes e, em ambos os casos, com parcos resultados. Todavia, os profissionais comprometidos com a AIA conseguiram pôr em prática, entre 1980 e 1983, um programa de capacitação técnica, com a assistência do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que incluiu intercâmbios internacionais e proveu uma sólida formação acerca dos fundamentos e dos métodos de avaliação de impactos, a ponto de dar ao grupo “um nível de visibilidade e competência que lhe rendeu respeito e legitimidade” (Wandesforde-Smith e Moreira, 1985, p. 235). Esse conhecimento teria importância capital alguns anos depois, quando os estudos de impacto ambiental foram regulamentados no âmbito da legislação federal.

Dessa forma, a AIA somente se firmaria no Brasil a partir da legislação federal. Inicialmente, cabe menção à avaliação de impacto ambiental prevista na Lei no 6.803, de 2 de julho de 1980, para subsidiar o planejamento territorial dos locais oficialmente reconhecidos como “áreas críticas de poluição” (Essa denominação havia sido introduzida pelo Decreto-lei n° 1.413, de 14 de agosto de 1975). O projeto de lei sobre zoneamento industrial, antes de ser votado em plenário, foi examinado por uma comissão mista do Congresso Nacional. Ao projeto governamental foram apresentadas 17 emendas, das quais oito propunham a introdução do estudo de impacto, tendo a proposta partido da Sociedade Brasileira de Direito do Meio Ambiente. Houve o acolhimento em parte da proposição (Machado, 2003).

Segundo esse mesmo autor, que à época era presidente dessa sociedade, a proposta encaminhada ao Congresso tinha o seguinte teor:

O Estudo de Impacto compreenderá um relatório detalhado sobre o estado inicial do lugar e de seu meio ambiente; as razões que motivaram a sua escolha; as modificações que o projeto acarretará, inclusive os comprometimentos irreversíveis dos recursos naturais; as medidas propostas para suprimir, reduzir e, se possível, compensar as consequências prejudiciais para o meio ambiente; o relacionamento entre os usos locais e regionais, a curto prazo, do meio ambiente e a manutenção e a melhoria da produtividade, a longo prazo; as alternativas propostas. O Estudo de Impacto será acessível ao público, sem quaisquer ônus para a consulta dos interessados.

Os congressistas não acolheram integralmente a proposta, mas incluíram a ideia:

[…]

§ 2° Caberá exclusivamente à União, ouvidos os governos estadual e municipal interessados, aprovar a delimitação e autorizar a implantação de zonas de uso estritamente industrial que se destinem à localização de pólos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos, bem como instalações nucleares e outras definidas em lei.

§ 3° Além dos estudos normalmente exigíveis para o estabelecimento de zoneamento urbano, a aprovação das zonas a que se refere o parágrafo anterior será precedida de estudos especiais de alternativas e de avaliação de impacto, que permitam estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada.

À parte essa iniciativa pioneira, foi com a aprovação da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, que efetivamente a AIA foi incorporada à legislação brasileira, incorporação esta confirmada e fortalecida com o art. 225 da Constituição Federal de 1988:

Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e as futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[…]

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

A partir de então, diversas constituições estaduais e leis orgânicas municipais também adotaram o princípio, e o Estado do Rio de Janeiro aprovou uma lei específica sobre AIA, de número 1.356/88.

Na prática, as legislações estaduais que precederam a Lei n° 6.938/81 foram aplicadas em poucas ocasiões, e foi somente a partir da regulamentação da parte especificamente referida à AIA dessa lei, em 1986, que o instrumento realmente passou a ser aplicado. A lei havia dado ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) uma série de atribuições para regulamentá-la e, usando dessa prerrogativa, o Conselho aprovou sua Resolução 1/86, em 23 de janeiro desse ano, estabelecendo uma série de requisitos. O Conama é composto por representantes do governo federal, de governos estaduais e de entidades da sociedade civil, incluindo organizações empresariais e organizações ambientalistas. Alguns conselheiros atuaram ativamente na preparação da Resolução 1/86. A resolução estabelece:

  uma lista de atividades sujeitas a AIA como condição para licenciamento ambiental;

  as diretrizes gerais para preparação do estudo de impacto ambiental;

  o conteúdo mínimo do estudo de impacto ambiental;

  o conteúdo mínimo do relatório de impacto ambiental;

  que o estudo deverá ser elaborado por equipe multidisciplinar independente do empreendedor;

  que as despesas de elaboração do estudo correrão por conta do empreendedor;

  a acessibilidade pública do relatório de impacto ambiental e a possibilidade deste participar do processo.

Tomada ipsis litteris, a Resolução Conama 1/86 previa a preparação de apenas um documento, denominado Rima, que sintetizaria os estudos (de impacto ambiental) realizados e apresentaria suas conclusões em linguagem acessível ao não especialista. Rapidamente, porém, a prática consolidou a apresentação, pelo proponente do projeto, de dois documentos, preparados por uma equipe técnica multidisciplinar independente:

  o Estudo de Impacto Ambiental (EIA); e

  o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), documento destinado à informação e consulta pública e que, por tal razão, deve ser escrito em linguagem não técnica e trazer as conclusões do EIA.

A Resolução Conama 237/97 aboliu a “independência” da equipe que elabora o EIA. Em teoria, a regulamentação brasileira, de modo inovador, previa que o EIA fosse o equivalente de uma auditoria de terceira parte, na qual uma equipe independente formula um parecer sobre determinada atividade, à imagem da auditoria contábil. Como a própria regulamentação também estabelecia que as despesas correriam por conta do proponente dos empreendimentos submetidos à avaliação de impacto ambiental, na prática, esses empreendedores contratavam empresas de consultoria, pagando diretamente pelo serviço prestado. A Resolução Conama 237/97 definiu critérios de competência para o licenciamento ambiental, cujos princípios já constavam da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (artigo 10). Quando da votação da Resolução 1/86 no Conama, alguns conselheiros sugeriram que caberia à administração pública escolher a equipe multidisciplinar que realizaria os estudos, mas tal provisão não foi aprovada.

É conveniente conhecer a correspondência entre a terminologia americana – muito usada na literatura internacional – e a brasileira:

  em inglês, a sigla EIA – Environmental Impact Assessment equivale a AIA – Avaliação de Impacto Ambiental;

  em inglês, a sigla EIS – Environmental Impact Statement equivale a EIA – Estudo de Impacto Ambiental.

Na literatura técnica, também se encontra EIA como Environmental Impact Analysis e EIR – Environmental Impact Report como sinônimo de EIS. Além disso, termos como environmental assessment também são usados.

A legislação americana não previu o Rima, mas a prática impôs tal necessidade: o equivalente desse documento é muitas vezes chamado de summary EIS. Outras legislações, como a brasileira, também requerem a apresentação de uma versão do EIA escrita em linguagem não técnica. Aliás, o termo “Resumo Não Técnico” é utilizado em Portugal.

Quando da promulgação da Constituição, a lei já existia – era justamente a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – e havia sido regulamentada em 1983, pelo Decreto Federal 88.351 que determinou que “caberá ao Conama fixar os critérios básicos, segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento (…)” (Art. 17, parágrafo 1°). Esse decreto foi revogado e substituído pelo Decreto 99.274, de 6 de junho de 1990, que manteve inalterado tal dispositivo.

Dessa forma, no Brasil, o processo de avaliação de impacto ambiental é vinculado ao licenciamento ambiental, que é primariamente de competência estadual. Devido à sua regulamentação, o processo de AIA no País passou a ser conduzido, essencialmente, pelos órgãos estaduais de meio ambiente. Face à necessidade de emitir licenças ambientais, estabelecidas pela lei federal, muitos Estados tiveram que criar estruturas administrativas para receber e analisar os pedidos, uma vez que a maioria ainda não dispunha, em meados dos anos 1980, de instituições com essa finalidade. Foi a partir da publicação da Resolução Conama 1/86 que começaram efetivamente a ser realizados estudos de impacto ambiental no Brasil, que rapidamente atingiram a casa das dezenas ou mesmo da centena de estudos realizados anualmente em Estados como São Paulo. Ao Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, criado em 1989 pela fusão de órgãos previamente existentes -, na qualidade de organismo federal, cabe o licenciamento de obras ou atividades de competência da União (o licenciamento ambiental será tratado no Cap. 3).

Deve-se observar que não se exige a apresentação de estudo de impacto ambiental para toda e qualquer atividade que necessite de uma licença ambiental para funcionar. A Constituição estabelece que somente para aquelas com o potencial de causar significativa degradação ambiental deve-se preparar um EIA. A princípio, a lista do artigo 2° da Resolução Conama 1/86 estabelece a relação dessas atividades, podendo o órgão licenciador, eventualmente, exigir o EIA também para outras atividades, desde que possam causar impactos significativos (essa questão será tratada no Cap. 5).

2.6 PADRÕES DE DESEMPENHO E PRINCÍPIOS DO EQUADOR

Na escala internacional, o mais importante desenvolvimento recente foi o surgimento dos “Padrões de Desempenho Ambiental e Social” da Corporação Financeira Internacional e sua adoção pelos bancos signatários dos “Princípios do Equador”.

A Corporação Financeira Internacional (International Finance Corporation - IFC) é o braço do Banco Mundial especializado no financiamento de projetos privados. O Banco Internacional de Reconstrução de Desenvolvimento (BIRD) é o ramo que trabalha essencialmente com governos. Inicialmente a IFC adotava as mesmas políticas e as mesmas salvaguardas que o BIRD, mas a prática mostrou que estas eram mais apropriadas para iniciativas governamentais, enquanto projetos privados tinham particularidades que não eram adequadamente tratadas pelos procedimentos então em vigor. Uma avaliação interna chamava a atenção para a importância capital do comprometimento do tomador de empréstimo para o sucesso das políticas de salvaguardas, observando que elas foram concebidas para uma audiência e circunstâncias diferentes daquelas então vigentes (IFC, 2003a). Dentre as recomendações desse relatório de avaliação, mencionam-se a maior integração da avaliação ambiental com a gestão (desde “os primeiros estágios do projeto”, atuando como “uma ferramenta para aumentar a capacitação de um cliente comprometido” (p.8)) e a avaliação integrada (“se a IFC deseja continuar a fazer do processo de avaliação ambiental sua ferramenta central de planejamento (…) [é necessário] um processo integrado de avaliação ambiental e social” (p. 9)).

Assim, já em 2003, a IFC tomou a iniciativa de desenvolver ferramentas próprias e mais adequadas aos tipos de projetos com os quais trabalha, resultando em um conjunto de oito Padrões de Desempenho, aprovados em abril de 2006. Três anos depois, a experiência adquirida permitiu a atualização dos padrões, que foram aprovados em maio de 2011 e passaram a ser aplicados desde 1º de janeiro de 2012. O título escolhido (desempenho) procura refletir o entendimento de que atingir resultados seria mais importante que seguir procedimentos (e seu corolário de que seguir fielmente procedimentos não garante os resultados), ao mesmo tempo em que torna necessário o pleno comprometimento do cliente, que deve demonstrar o seguimento satisfatório dos padrões relevantes para seu projeto. Uma das primeiras avaliações (IEG, 2008, p.56) encontrou relação positiva entre desempenho e os sistemas de gestão ambiental e social requeridos.

Os padrões tratam do contínuo planejamento-gestão, desde a avaliação prévia dos impactos até a gestão ambiental dos empreendimentos. Os clientes devem não apenas demonstrar que identificaram e avaliaram previa e satisfatoriamente os impactos de seus projetos, como também que dispõem de sistemas de gestão capazes de implementar de forma efetiva os programas de mitigação e compensação. Seu princípio, portanto, se afasta da ideia então predominante de concentrar esforços na preparação de bons estudos antes da aprovação de um financiamento e procura fortalecer os vínculos entre a fase prévia de avaliação e a gestão do empreendimento aprovado (conforme será discutido nas seções 10.4 e 18.4). O fato dos padrões serem mais fundamentados em princípios orientadores de boa prática do que em prescrições (obrigações de procedimento) recebeu críticas de ONGs durante as discussões que precederam sua aprovação.

O Quadro 2.4 apresenta exemplos dos requisitos de cada padrão. O Padrão 1, de avaliação ambiental e social, aplica-se a todos os projetos analisados, assim como o Padrão 2, relativo a condições de trabalho. O emprego dos demais padrões depende do projeto. A coluna “conteúdo selecionado” do Quadro 2.4 já adianta parte dos temas que serão tratados nos capítulos subsequentes. O documento completo (o conjunto de padrões) tem 196 parágrafos e é complementado por 270 páginas de um guia para implementação (Guidance Notes), que explicam e detalham cada um dos requisitos.

Quadro 2.4 Padrões de Desempenho Ambiental e Social

PADRÃO DE DESEMPENHO

OBJETIVOS SELECIONADOS

CONTEÚDO SELECIONADO

1. Avaliação e Gestão de Riscos e Impactos Socioambientais

Identificar e avaliar impactos e riscos do projeto

Adotar a hierarquia de mitigação

Promover e melhorar o desempenho ambiental e social dos clientes

Promover e prover meios para o adequado engajamento das comunidades

Conduzir um processo de avaliação ambiental e social

Estabelecer um sistema de gestão ambiental e social

Engajar as partes interessadas e divulgar informações relevantes

2. Trabalho e condições de trabalho

Promover tratamento justo e não discriminatório aos trabalhadores

Promover condições seguras e salubres de trabalho

Fornecer informação documentada e compreensível sobre os direitos trabalhistas

3. Eficiência no uso de recursos e prevenção da poluição

Evitar ou minimizar impactos adversos sobre a saúde humana e o meio ambiente

Reduzir as emissões de gases de efeito estufa

Implementar medidas técnica e economicamente viáveis para melhorar a eficiência no consumo de energia, água e outros recursos materiais

Evitar, minimizar ou controlar a intensidade e fluxo de cargas poluidoras

4. Saúde e segurança da comunidade

Antecipar e evitar impactos sobre a saúde das comunidades afetadas em circunstâncias rotineiras e não rotineiras

Evitar ou minimizar o potencial de exposição a substâncias e materiais tóxicos

Colaborar com as comunidades e governos locais na preparação para resposta a emergências

5. Aquisição de terras e reassentamento involuntário

Evitar despejos forçados

Evitar ou minimizar os impactos sociais e econômicos da aquisição de terras

Melhorar ou restaurar os meios e os padrões de vida das pessoas deslocadas

Devem ser consideradas alternativas de projeto para evitar ou minimizar deslocamento involuntário

Um mecanismo de reclamação consistente com o padrão de desempenho 1 deve ser estabelecido o mais cedo possível

Quando houver deslocamento físico, deve ser preparado um plano de reassentamento; quando houver deslocamento econômico, deve ser preparado um plano de restauração dos meios de vida

6. Conservação de biodiversidade e gestão sustentável de recursos naturais vivos

Proteger e conservar a biodiversidade

Manter os benefícios dos serviços ecossistêmicos

A identificação de impactos e riscos deve considerar as ameaças relevantes à biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos, especialmente perda, fragmentação e degradação de hábitats, espécies invasoras, mudanças hidrológicas, carga de nutrientes e poluição

7. Povos indígenas

Assegurar pleno respeito aos direitos humanos, dignidade, cultura e modos de vida baseados em recursos naturais dos povos indígenas

Assegurar consulta livre, prévia e informada das comunidades afetadas

Devem ser identificadas todas as comunidades indígenas que possam ser afetadas pelo projeto, assim como a natureza e o grau dos impactos econômicos, sociais, culturais e ambientais diretos e indiretos

8. Patrimônio cultural

Proteger o patrimônio cultural dos impactos adversos decorrentes das atividades do projeto e apoiar sua preservação

O sistema de gestão ambiental e social deve incluir procedimentos para tratar de achados fortuitos, que não devem ser afetados antes de prévia avaliação

Fonte: IFC (2012).

Já os Princípios do Equador são um conjunto de compromissos assumidos voluntariamente por instituições financeiras privadas ou públicas, lançado em junho de 2003 por um conjunto de dez bancos. O nome foi escolhido procurando sugerir que os princípios se aplicam igualmente aos dois hemisférios. Em 2006 os princípios foram atualizados (Princípios do Equador II), incorporando os novos Padrões de Desempenho da IFC, e em 2011 o comitê gestor lançou o processo de nova atualização. Até meados de 2013 havia 79 instituições signatárias, incluindo bancos privados, bancos estatais e agências de crédito à exportação. Em junho de 2013, a versão III foi lançada, incorporando algumas mudanças em relação à anterior.

Ao aplicar os princípios, os bancos pretendem reduzir os riscos relativos à sua participação no financiamento de projetos. Esses riscos, denominados de socioambientais, são principalmente de três tipos:

  risco de imagem pelo envolvimento do banco em um projeto polêmico ou que possa causar danos ambientais ou violação de direitos humanos;

  risco de crédito, ao financiar um projeto que poderá estar sujeito a embargos administrativos ou judiciais ou a bloqueios por parte da população atingida;

  risco de garantia, pois ao financiar um cliente cujos resultados econômicos possam ser afetados por mau desempenho socioambiental, o agente financeiro também pode ser afetado.

Os riscos são reais e às vezes se materializam em decisões judiciais condenando instituições financeiras a arcar com parcela de gastos de reparação de danos ambientais ou em notícias na imprensa apontando o envolvimento de bancos em projetos problemáticos. Uma organização não governamental sediada na Holanda, a Bank Track, é especializada em monitorar a atuação de bancos, enquanto a Plataforma BNDES, uma coalizão de ONGs brasileiras, procura influenciar a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - que não é signatário dos Princípio do Equador - , o qual ocasionalmente enfrenta protestos de populações atingidas por projetos que financiou. Ademais, outra organização (“ECA Watch”) se especializou no acompanhamento das operações da agências de crédito à exportação (export credit agencies - ECA). Os bancos signatários se comprometem, fundamentalmente, a:

  classificar os projetos segundo seu potencial de causar impactos significativos;

  exigir das empresas solicitantes de financiamento que avaliem previamente os impactos ambientais do projeto em questão;

  aplicar os Padrões de Desempenho da IFC e outras diretrizes dessa entidade;

  exigir dos tomadores de empréstimo a elaboração e a implementação de um plano de ação para tratar das questões identificadas durante a avaliação socioambiental;

  exigir que o cliente consulte as comunidades afetadas “de forma estruturada e culturalmente adequada”;

  determinar que o cliente implemente um sistema de recebimento de queixas como parte de seu sistema de gestão;

  promover uma análise da avaliação socioambiental, do plano de ação e do processo de consulta pública por uma terceira parte independente;

  incluir nos contratos firmados com os tomadores de empréstimo cláusulas que obriguem o cumprimento do plano de ação e a preparação de relatórios periódicos;

  estabelecer um acompanhamento contínuo do projeto durante a vigência do contrato de financiamento; e

  divulgar ao público, pelo menos anualmente, informações sobre seus processos e experiências de implementação dos Princípios.

A aplicação dos princípios, feita por cada banco ou consórcio de bancos envolvidos em uma mesma operação de crédito, ocasionalmente, leva à recusa de participação em determinador projetos. Anteriormente aos Princípios do Equador, um caso emblemático havia sido a decisão do Export-Import Bank dos Estados Unidos, em 1997, de não participar do financiamento da barragem de Três Gargantas, na China (embora agências de crédito à exportação do Canadá, Alemanha e Suíça tenham financiado as exportações de suas empresas). No caso da controvertida barragem de Belo Monte, nenhum banco privado signatário participou do financiamento, embora a Caixa Econômica Federal, banco estatal, tenha participado como repassador de recursos do BNDES.

Considerando o significativo volume de recursos financeiros intermediado pelos bancos, seu papel na promoção e fortalecimento da avaliação de impacto ambiental não deve ser menosprezado, mas ainda é pequeno o número de bancos comprometidos com os Princípios do Equador ou outras práticas das chamadas finanças sustentáveis.


143 Federal Register 55.990, nov. 28, 1978. Um decreto de 1977 (Executive Order 11.991) determinou que o CEQ adotasse um regulamento para uniformizar os procedimentos de preparação e análise dos EISs. No sistema norte-americano, os regulamentos (regulations) têm aplicação compulsória, ao contrário das diretrizes (guidelines).

2Vários Estados americanos também adotaram legislações exigindo a aplicação da avaliação de impacto ambiental para decisões no seu âmbito jurisdicional, em alguns casos incidindo também sobre vários tipos de projetos privados, como é o caso da Califórnia.

3Segundo Goodland (2000, p. 3), a categoria de “profissional ambiental” foi então acrescida à lista oficial de especialidades, que antes enquadrava os analistas ambientais como “outros especialistas técnicos”.

4A Agenda 21 é “um documento de normatividade reduzida, sem a efetividade de uma declaração e muito menos de um tratado ou convenção internacional” (Soares, 2003, p. 67).

5Várias convenções internacionais têm dispositivos de avaliação e atualização, mediante a realização de reuniões periódicas oficiais de representantes dos países, as conferências das partes contratantes.

6Robert Goodland fez seu doutorado sobre a ecologia do cerrado brasileiro e foi coautor de Amazon Jungle: Green Hell to Red Desert?, publicado no Brasil como A Selva Amazônica: do Inferno Verde ao Deserto Vermelho?, em uma versão da qual foram suprimidas menções à atuação governamental e seu papel na destruição da floresta amazônica. (Goodland e Irwin, 1975). Mais tarde, esse ecólogo foi um dos primeiros profissionais da área ambiental contratados pelo Banco Mundial quando da reformulação do Departamento de Meio Ambiente, em 1989.

7Órgão governamental encarregado de zelar pela proteção ambiental, em especial no que se refere ao controle da poluição. Foi criado em março de 1975 e substituído, em janeiro de 2009, pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que também incorporou dois outros órgãos governamentais com atribuições ambientais