Muitos dos impactos negativos considerados na avaliação de impacto ambiental somente se manifestam em caso de funcionamento anormal do empreendimento analisado. Por exemplo, durante a operação de um duto de petróleo, não se espera que os cursos d’água atravessados venham a ser poluídos com o produto transportado, e o aspecto ambiental “emissão de óleo” normalmente não faz parte dos problemas identificados. No entanto, se o duto se romper, o petróleo poderá contaminar o solo e os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, sendo pertinente identificar o aspecto ambiental “risco de vazamento de petróleo”. De modo análogo, se a barreira impermeável instalada na base de um aterro de resíduos sólidos apresentar problemas, a água subterrânea poderá ser poluída, mas, se a barreira funcionar adequadamente, não se esperam problemas com a qualidade das águas.
Perguntas do tipo “o que aconteceria se…” são muitas vezes feitas ao se analisar a viabilidade ambiental de um projeto. Os resultados do mau funcionamento do empreendimento podem ser mais significativos do que os impactos decorrentes de seu funcionamento normal. São situações que tipificam risco ambiental.
Podem ser muito graves as consequências ambientais e humanas de eventos como explosão em uma indústria química, vazamento de petróleo em um oleoduto ou a ruptura de uma barragem. O risco ligado a tais acidentes tecnológicos é, legitimamente, uma preocupação a ser levada em conta na análise dos impactos ambientais desses empreendimentos. No dia 10 de julho de 1976, em uma indústria química situada na localidade de Seveso, norte da Itália, rompeu-se uma válvula de um vaso de pressão contendo solventes organoclorados; uma nuvem de gases tóxicos elevou-se a 50 m de altura e foi dispersa pelos ventos, espalhando dioxina em uma zona de 1.430 ha e obrigando à evacuação dos moradores (Alloway e Ayres, 1993).
Outros riscos são menos evidentes. Por exemplo, a emissão de efluentes líquidos contendo metais pesados ou determinados compostos orgânicos pode representar uma situação de risco, na medida em que esses poluentes poderão acumular-se em certos compartimentos do meio físico (como sedimentos ou água subterrânea) e em certos elementos da biota e, em decorrência, causar danos à flora, à fauna e à saúde humana. É o caso do tristemente célebre evento de Minamata, assim denominado quando foi identificada, a partir do final dos anos 1950, a relação de causa e efeito entre as emissões de mercúrio contido nos efluentes de uma indústria química e uma doença degenerativa do sistema nervoso central que atacou uma comunidade de pescadores na baía de Minamata, Japão.
Lançados diretamente na pequena e bem abrigada baía, os efluentes continham mercúrio, usado como catalisador no processo de produção de cloreto de vinila, matéria-prima para a fabricação de cloreto de polivinila, o PVC. Por intermédio de mecanismos hoje bem estudados, mas virtualmente desconhecidos na época, o mercúrio metálico transforma-se em metil-mercúrio, composto absorvido pelos organismos que armazenam e concentram o metal. As características geomorfológicas da baía de Minamata tornam muito baixa a dispersão de poluentes (Ellis, 1989), favorecendo sua absorção por moluscos, crustáceos e peixes, importantes fontes alimentares da comunidade de pescadores. Até 1975, 899 pessoas haviam sido oficialmente reconhecidas como afetadas pela doença de Minamata, das quais 143 haviam morrido em consequência; outras 3.454 ainda estavam sendo avaliadas clinicamente. Uma decisão judicial de 1973 condenou a empresa a pagar o equivalente a US$ 35 milhões em indenizações às famílias de 112 vítimas.
Também a emissão contínua de poluentes do ar representa situações reconhecidas de risco à saúde. Por exemplo, a incineração de resíduos sólidos resulta na emissão de uma certa quantidade de poluentes ao ar, mesmo com a utilização de sistemas de controle e abatimento das emissões. Alguns desses poluentes são particularmente perigosos, devido aos seus possíveis efeitos sobre a saúde humana. É o caso do grupo de substâncias químicas conhecido como dioxinas e furanos, reconhecidos como carcinogênicos, ou seja, substâncias que têm o potencial de causar câncer. Desta forma, a população que vive nas imediações de incineradores ou de outras fontes de poluição do ar está exposta ao risco de contrair doenças do aparelho respiratório, ou mesmo câncer, devido à presença de poluentes no ar. Trata-se, como no caso do mercúrio, de riscos crônicos, ao contrário daqueles decorrentes do mau funcionamento de um sistema tecnológico, que são riscos agudos.
Para dois tipos de riscos — agudos e crônicos —, há duas famílias de análise de risco, uma voltada para a análise de situações agudas, como os acidentes industriais ampliados, e outra para situações crônicas, como a exposição da população a agentes físicos (como o ruído) ou químicos (como substâncias químicas presentes em águas subterrâneas utilizadas para abastecimento doméstico). Kolluru (1993, p. 327) prefere dividir a análise de risco em três classes: (1) análise de segurança (avaliação de risco probabilística e quantitativa), (2) avaliação de riscos à saúde, (3) avaliação de risco ecológico. Embora o conceito subjacente de risco seja o mesmo, as características de cada situação são tão diferentes que levaram ao desenvolvimento de diferentes ferramentas. A análise dos riscos tecnológicos será privilegiada aqui, pois guarda mais proximidade com a avaliação de impacto ambiental, mas outras formas de avaliação de risco também podem ser úteis nos processos decisórios de licenciamento ambiental.
São muitas as classificações possíveis para os chamados “riscos ambientais”. Tecnológicos ou naturais, agudos ou crônicos são algumas das categorias utilizadas para descrever diferentes tipos de riscos. Seu reconhecimento necessita de uma definição prévia de qual tipo de risco se pretende identificar.
A Fig. 12.1 mostra uma possível classificação dos riscos ambientais. Os chamados “naturais” são classificados quanto à sua origem e entre eles figuram (i) riscos de origem atmosférica, ou seja, aqueles oriundos de processos e fenômenos meteorológicos e climáticos que têm lugar na atmosfera, incluindo os de temporalidade curta (como tornados, trombas d’água, granizo, raios etc.) e os de temporalidade longa (como secas); (ii) riscos associados aos processos e fenômenos hidrológicos, como inundações; (iii) riscos geológicos, que podem ser subdivididos nos que têm origem em processos endógenos, como sismos e atividade vulcânica, e nos de origem exógena, como escorregamentos, subsidências e processos erosivos e de assoreamento; (iv) riscos biológicos, relativos à atuação de agentes vivos, como organismos patogênicos; e (v) riscos siderais, ou seja, que têm origem fora do planeta, como a queda de meteoritos. Note-se que, na caracterização de situações de risco natural, deve-se sempre levar em conta a ação do homem como agente deflagrador ou acelerador de processos naturais. Por exemplo, inundações são fenômenos naturais na maior parte do planeta, mas sua intensidade e frequência são aumentadas devido às ações antrópicas, como desmatamento e impermeabilização do solo. Da mesma forma, o aumento da frequência e da intensidade de alguns fenômenos meteorológicos parece estar associado às mudanças climáticas causadas pelas emissões antropogênicas de CO2 e outros gases.
Fig.12.1 Uma tipologia de riscos ambientais
Já os riscos tecnológicos são aqueles cuja origem está diretamente ligada à ação humana e são classificados de acordo com o modo de ocorrência de seus efeitos: agudos ou crônicos. Incluem-se os riscos de acidentes tecnológicos (explosões, vazamentos etc.) e os riscos à saúde (humana ou dos ecossistemas) causados por diferentes ações antrópicas, como a utilização ou liberação de substâncias químicas, de radiações ionizantes e de organismos patogênicos ou daqueles geneticamente modificados. As atividades de risco são chamadas de perigosas, e incluem, dentre aquelas capazes de causar dano ambiental, muitas atividades industriais, o transporte e o armazenamento de produtos químicos, o lançamento de poluentes ou a manipulação genética. Essas situações podem acarretar danos materiais, danos aos ecossistemas ou danos à saúde do homem — e não raro ocorrem os três tipos de danos.
O reconhecimento de uma situação de risco depende de inúmeros fatores, dentre os quais inclui-se o tipo de risco. No âmbito dos riscos tecnológicos, é mais fácil reconhecer um risco agudo do que um risco crônico. Tal situação decorre primordialmente do fato de que, no primeiro caso, há facilidade em se estabelecer uma relação entre causa e efeito, o que não ocorre na maioria das situações de risco crônico. Ademais, o efeito é imediato, enquanto nos casos de risco crônico, como o nome diz, manifesta-se a médio ou longo prazo.
O vazamento de petróleo de um duto ou um navio traz efeitos imediatos e visíveis, ao passo que a liberação contínua de pequenas quantidades de poluentes pode não só trazer efeitos a longo prazo, mas também tornar incerta a conexão entre causa e efeito. Em tal situação, o reconhecimento das situações de risco é mais difícil.
Em avaliação de impacto ambiental, a preocupação com o risco normalmente se refere a riscos tecnológicos; dentro destes, são os riscos agudos os que mais chamam a atenção. No entanto, em muitos casos, riscos crônicos podem ser mais significativos que os agudos, como no exemplo do incinerador, caso em que, embora possa haver perigos como explosões ou vazamento de substâncias, são os eventuais danos à saúde que podem se manifestar a longo prazo, constituindo grande fonte de preocupação e, frequentemente, de polêmica. Por sua vez, os estudos ambientais também podem tratar das modificações de processos naturais que resultem em um aumento de riscos, como uma rodovia, que aumenta riscos geológicos de escorregamentos, ou a canalização de um rio, que aumenta os riscos de inundação.
Há diversas razões para considerar o risco de acidentes na avaliação dos impactos ambientais de certos tipos de empreendimentos: as consequências de um acidente podem representar impactos ambientais significativos, mesmo que sua operação normal não os cause, e há um longo histórico de acidentes industriais. Os Quadros 12.1 e 12.2 mostram alguns dos mais relevantes acidentes industriais internacionais de grandes consequências, e acidentes envolvendo barragens, ilustrando a multiplicidade de situações de risco. Trata-se, em sua maior parte, de acidentes catastróficos, pela magnitude de seus efeitos, aos quais deve-se acrescentar milhares de acidentes de menores proporções e consequências, como os frequentes vazamentos de combustíveis e produtos químicos.
Lagadec (1981), um dos primeiros estudiosos a analisar em profundidade a multiplicação dos acidentes tecnológicos, fala na “descoberta do risco tecnológico maior”, surpreendentemente tardia, e cita como marco dos estudos de perigos um levantamento feito em 1978 na zona de Canvey Island, situada no estuário do rio Tâmisa, que concentrava diversas instalações de armazenamento e processamento de produtos químicos e hidrocarbonetos.
Um importante grupo de pessoas expostas aos riscos são os trabalhadores das instalações perigosas. São também aquelas diretamente envolvidas com a prevenção de riscos. Por isso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) negociou um documento sobre a Prevenção de Acidentes Industriais Ampliados denominado Convenção OIT 174, que traz uma definição de acidente tecnológico ampliado:
Todo acontecimento repentino, como uma emissão, um incêndio ou uma explosão de grande magnitude, no curso de uma atividade dentro de uma instalação exposta aos riscos de acidentes ampliados, em que estão implicadas uma ou várias substâncias perigosas e que exponha os trabalhadores, a população ou o meio ambiente a um perigo grave, imediato ou retardado (Convenção OIT 174, 1993).
Há uma preocupação, justificada, com os “acidentes tecnológicos ampliados”, às vezes chamados de acidentes “maiores” (major technological accidents), especialmente quanto à proteção de vidas humanas. No entanto, muitos acidentes menores, incidentes ou “quase acidentes” ocorrem com maior frequência, e seus efeitos cumulativos sobre o ambiente podem ser significativos — basta pensar em uma sucessão de vazamentos de petróleo em um estuário ou em uma sequência de liberações acidentais de efluentes de uma indústria de celulose.
No Estado de São Paulo, um sistema de atendimento a acidentes ambientais foi implantado em 1978 e, até o final de 2002, havia atendido cerca de 5 mil ocorrências. As situações mais comuns (com 36% dos casos) são as de vazamento de líquidos (principalmente combustíveis) em acidentes rodoviários, seguida de vazamentos de combustíveis em postos de abastecimento, com 10% dos casos registrados. Somente 7% dos casos atendidos ocorreram em indústrias, enquanto apenas 3% deles se referem a vazamentos em locais de armazenamento de substâncias químicas. Deve-se registrar, no entanto, que essa base de dados — o Cadastro de Acidentes Ambientais — tem diversas lacunas, principalmente o excessivo número de ocorrências de causa desconhecida. Ademais, tais casos perfazem somente aqueles atendidos pela Cetesb ou a ela comunicados, e não incluem, portanto, as situações de emergência ambiental atendidas pelas próprias empresas. O que deve ser ressaltado é que a ocorrência de acidentes e disfunções em sistemas tecnológicos não representa situação meramente fortuita ou ocasional, mas faz parte dos cenários usuais de funcionamento de indústrias, sistemas de transporte e inúmeras outras atividades, ainda que se trate de situações anômalas ou atípicas. Desta forma, esse tipo de situação deve ser objeto de programas específicos de gerenciamento, incluindo aspectos preventivos e corretivos. Na medida em que acidentes tecnológicos resultam em potenciais de impactos ambientais significativos, esses impactos devem ser identificados e analisados no processo de AIA.
Quadro 12.1 Alguns acidentes industriais de grandes consequências ambientais
DATA |
LOCAL |
EVENTO |
CONSEQUÊNCIAS |
1 de junho de 1974 |
Flixborough, UK |
Explosão de uma nuvem de 40 a 50 t ciclohexano em uma indústria química |
28 mortos, 89 feridos, 2.450 casas afetadas em deciclohexano 50km1 |
10 de julho de 1976 |
Seveso, Itália |
Vazamento de tetraclorodibenzodioxina |
736 pessoas evacuadas, 190 intoxicadas2 |
16 de março de 1978 |
Costa da Bretanha, França |
Vazamento do petroleiro Amoco-Cadiz (223.000 t) |
30 mil aves mortas e 230 mil peixes e frutos do mar3 |
28 de março de 1979 |
Pensilvânia, EUA |
Ameaça de fuga de radioatividade em Three Mile Island |
250 mil pessoas evacuadas num raio de 8 km4 |
10 de novembro de 1979 |
Mississauga, Canadá |
Descarrilamento de dois vagões seguido de explosões |
240 mil pessoas evacuadas5 |
25 de fevereiro de 1984 |
Cubatão, Brasil |
Vazamento de ~700.000 ℓ de gasolina de um duto seguido de incêndio |
93 mortos, 4 mil feridos6 |
19 de novembro de 1984 |
Cidade do México, México |
Explosão de gás natural |
452 mortos, 4.258 feridos 31 mil evacuados7 |
2 de dezembro de 1984 |
Bhopal, India |
Vazamento de isocianato de metila |
1.762 mortos, 60 mil pessoas intoxicadas8 |
Janeiro de 1985 |
Cubatão, Brasil |
Vazamento de duto de amônia |
6 mil pessoas evacuadas, 65 hospitalizadas9 |
26 de abril de 1986 |
Tchernobil, Ucrânia |
Vazamento de radioatividade |
32 mortos, 135 mil evacuados10 |
6 de julho de 1988 |
Basileia, Suíça |
Vazamento de agrotóxicos |
Contaminação do rio Reno11 |
24 de março de 1989 |
Alasca, EUA |
Vazamento do petroleiro Exxon-Valdez |
1.000 km de costa poluída, mais de 35 mil aves mortas12 |
11 de julho de 1997 |
Hamilton, Canadá |
Incêndio em fábrica de plásticos |
650 pessoas evacuadas13 |
18 de janeiro de 2000 |
Duque de Caxias, Brasil |
Vazamento de 1.300.00 ℓ de óleo combustível de um duto na baía da Guanabara |
Contaminação de praias, mangues, danos à pesca e ao turismo14 |
20 de abril de 2010 |
Golfo do México, EUA |
Vazamento de gás seguido de explosão em plataforma de petróleo |
11 mortos, danos à fauna, flora, pesca e ao turismo15 |
4 de outubro de 2010 |
Ajka, Hungria |
Ruptura de barragem de resíduos de fabricação de alumina |
11 mortos, centenas de feridos, 800 ha afetados diretamente16 |
1Indústria química Nypro Ltda. Fonte: Lagadec, 1981. |
2Usina química Icmesa (Hoffman-La Roche), uma válvula de segurança funciona e deixa escapar uma nuvem de gás; o problema não é percebido imediatamente, mas, nos dias que se seguem, animais morrem e crianças devem ser levadas às pressas para hospitais; a zona é interditada até outubro, quando os moradores a invadem e retomam suas casas (Lagadec, 1981); a fábrica foi desmantelada dois anos depois, danos estimados em US$ 150 milhões. Fonte: Crump, 1993. |
3250 km de costa poluída; em 1988 um juiz federal americano decide por uma indenização de US$ 85 milhões, mas noventa municípios franceses pedem US$ 750 milhões e apelam da sentença. Fonte: Crump, 1983. |
4Dois reatores de 900 MW cada, bombas de refrigeração falharam e o reator parou automaticamente, mas os dutos de refrigeração de emergência foram bloqueados. |
5Os vagões continham produtos químicos desconhecidos; o vazamento causou quatro explosões sequenciais (Lagadec, 1981). |
6Fonte: Cetesb, www.cetesb.sp.gov.br, acesso em 24 de setembro de 2006. |
7Fonte: Bowonder, Kasperson e Kasperson, 1985. |
8Usina química Union Carbide; dados segundo Bowonder, Kasperson e Kasperson (1985); número de mortos e feridos é muito difícil de avaliar, pois muitos corpos foram cremados e várias pessoas morreram depois de abandonar a área; outras fontes estimam o número de mortos em 3.150 e o de afetados em 500 mil. Um acordo judicial fixou a indenização em US$ 470 milhões (Crump, 1983), mas a maior parte das famílias recebeu indenização equivalente a apenas mil dólares (Le Monde Diplomatique, dezembro de 2004, p.18). |
9Ruptura devido a uma inundação que se seguiu a fortes chuvas, liberando cerca de 40 t de gás. Fonte: Dean, 1997. |
10Fonte: Crié (1989); a nuvem radiotiva atingiu toda a Europa. |
11Usina Sandoz; devido a um incêndio, 30 t de fungicidas e pesticidas vazaram de um armazém que guardava mais de trinta tipos de produtos químicos; as equipes de limpeza descobriram produtos que não constavam da lista fornecida pela Sandoz, descobrindo-se então que na véspera a vizinha Ciba-Geigy também tinha tido um acidente (Crump, 1993). |
12Vazamento de 40 mil t de um carregamento de 200 mil t devido a um erro de pilotagem; custo de remediação acima de US$ 2 bilhões (Crump, 1993). |
13Incêndio levou quatro dias para ser apagado; uma inversão térmica dificultou a dispersão dos poluentes. Fonte: Environmental Science & Engineering, setembro 1997, p. 74-75). |
14Jablonski, Azevedo, e Moreira, 2006. |
15O caso teve ampla repercussão na mídia internacional. A empresa pagou US$ 8,2 bilhões em compensações a indivíduos e empresas e US$ 1,4 bilhão a órgãos de governo. Fonte: BP, www.bp.com/en/global/corporate/gulf-of-mexico-restoration/deepwater-horizon-accident-and-response.html. |
16Fonte: Le Monde Diplomatique, abril de 2011. |
Em análise de risco, costuma-se diferenciar os conceitos de perigo e risco. Perigo é definido como uma situação ou condição que tem potencial de acarretar consequências indesejáveis. O perigo é uma característica intrínseca a uma substância (natural ou sintética), uma instalação ou um artefato — uma refinaria de petróleo, por exemplo1.
Dentre as fontes de risco, há uma preocupação especial com as substâncias químicas perigosas, definidas pelo Convenção 174 da OIT como “toda substância ou mistura que, em razão de suas propriedades químicas, físicas ou toxicológicas, seja só ou em combinação com outras, represente um perigo”. Há classificações internacionais de periculosidade de substâncias químicas e cada uma tem um código, conhecido como “número ONU”, que a identifica. O uso de códigos evita que substâncias sejam confundidas devido a semelhanças de nomenclatura ou durante o transporte internacional.
Quadro 12.2 Alguns acidentes em barragens de grandes consequências ambientais
DATA |
BARRAGEM |
CARACTERÍSTICAS |
EVENTO |
CONSEQUÊNCIAS |
31 de maio de 1889 |
South Fork Dam, Johnstown, Pennsylvania, EUA |
H = 22 m |
Galgamento, liberação de 20 Mt de água e sedimento |
|
27 de abril de 1895 |
Bouzey Epinal, França |
Alvenaria H = 27 m / L = 525 m |
Ruptura do corpo, liberação de 7 M3 água |
85 mortos, danos a vilas, ferrovias, canais e fazendas3 |
12 de março de 1928 |
St. Francis Dam, San Francisquito Canyon, Califórnia, EUA |
Concreto H = 60 m construída entre 1926 e 1928 |
Problemas nas ombreiras da barragem |
460 mortos, dez pontes e mais de 1.200 casas destruídas4 |
2 de dezembro de 1959 |
Malpasset, Fréjus, Var, França |
Arco de concreto H = 66 m / L = 223 m |
Primeiro enchimento Problemas na fundação da barragem |
433 mortos, 350 casas destruídas, ponte e rodovia danificadas, onda de cheia de 20 m de altura5 |
1 de outubro de 1963 |
Vajont, Itália |
Arco de concreto H = 276 m V = 120 Mm3 |
Ruptura de talude rochoso (270 Mm3), que caiu sobre o reservatório a 50 m da crista da barragem, onda sobre a crista |
|
7 de agosto de 1975 |
Banqiao e Shimantan Henan, China |
rio Huai (afluente Yangtsé) |
Ruptura de 2 barragens principais e 62 outras após chuvas com período de retorno de 2 mil anos |
240 mil mortos, cerca de 2 milhões de pessoas desabrigadas8, 9 |
5 de junho de 1976 |
Teton Dam Idaho, EUA |
Terra H = 93 m / L = 910 m |
Ruptura do maciço após percolação, primeiro enchimento |
Onda de cheia de 22 m de altura, 14 mortos, danos de US$ 400 M a US$ 1 bilhão10, 11 |
Agosto de 1979 |
Machu II Gujarat, India |
Terra H = 26 m |
Onda de cheia Galgamento |
~2500 mortos2 |
14 de maio de 2003 |
Silver Lake Dam, Tourist Park Dam, Marquette, Michigan, EUA |
Terra H = 10 m / L = 500 m |
Erosão do extravasor de emergência, seguida de ruptura Liberação de cerca de 900 mil m3 de sedimentos |
Evacuação de 1.872 pessoas, danos de US$ 100 milhões, inundação de casa de força, fechamento de duas minas e dispensa de 1.100 trabalhadores por semanas1,12 |
1Spragens e Mayfield, 2005.
2Donnelly e Morgenroth, 2005.
3Smith, 1995.
4Back, 1990.
5Goutal, 1999.
6Muller-Salzburg, 1987.
7Panizzo et al, 2005.
8McCully, 1995.
9Pisaniello, Zhifang e McKay, 2006.
10Boffey, 1977.
11Watts et al, 2002.
12FERC (Federal Energy Regulatory Commission), 2004.
O risco, por sua vez, é conceituado como a contextualização de uma situação de perigo, ou seja, a possibilidade da materialização do perigo ou de um evento indesejado ocorrer. Uma substância perigosa não identificada e armazenada em recipientes mal vedados representa um risco maior do que uma situação em que há identificação clara da substância, quando as pessoas que a manuseiam conhecem sua periculosidade e há procedimentos de segurança para o manuseio. Assim, risco, como definido pela Society for Risk Analysis, é o potencial de ocorrência de resultados adversos indesejados para a saúde ou vida humana, para o ambiente ou para bens materiais. Risco pode ser definido de modo mais formal como o produto da probabilidade de ocorrência de um determinado evento pela magnitude das consequências, ou
Utilizando-se essa expressão, é possível calcular matematicamente diversos riscos e comparar diferentes situações de risco. Pode-se, por exemplo, tentar responder à seguinte pergunta: a produção de energia de origem nuclear é mais arriscada que a de origem hidrelétrica?
A construção de grandes barragens para fins de geração de energia tem pouco mais de cinquenta anos, mas barragens são construídas há séculos. Muitas não resistiram e romperam. Contabilizam-se algumas centenas de casos importantes de rupturas de barragens. Esse número não pode, naturalmente, ser avaliado em termos absolutos, pois há diferentes técnicas construtivas de barragens — que evoluíram em função da experiência prática, incluindo aquilo que foi aprendido estudando os casos que deram errado — e diferentes critérios de dimensionamento das estruturas que permitem a passagem de água — mais de metade dos casos de ruptura devem-se a excesso de água nessas estruturas, que, ao não dar vazão, permitem que a água passe sobre o corpo da barragem, fenômeno chamado de galgamento. Assim, deve-se considerar que certas barragens representam maior perigo que outras.
Por outro lado, os resultados da ruptura de uma barragem dependem de sua localização e do potencial de danos possíveis. Uma barragem situada a montante de uma área densamente habitada, por exemplo, terá efeitos graves caso se rompa, enquanto uma barragem localizada em região de baixa densidade populacional terá efeitos de menor monta, ou menor magnitude, no que se refere a perdas de vidas humanas e danos materiais. Poderá, todavia, ter consequências ecológicas importantes.
O grau de risco depende, pois, da magnitude das consequências; o mesmo raciocínio pode ser aplicado a duas instalações industriais idênticas, porém situadas em locais diferentes.
A avaliação de riscos é uma atividade correlata à avaliação de impacto ambiental, mas as duas se desenvolveram “em contextos separados, por comunidades profissionais e disciplinares diferentes” (Andrews, 1988, p. 85). A avaliação de riscos é usualmente realizada em três etapas (Carpenter, 1995; Kates, 1978):
identificação dos perigos;
análise das consequências e estimativa dos riscos;
avaliação dos riscos;
gerenciamento dos riscos.
Grima et al. (1986) conceituam essas etapas. A estimativa do risco é uma tentativa de estimar matematicamente as probabilidades de um evento e a magnitude de seus efeitos. A avaliação do risco é a aplicação de um juízo de valor para discutir a importância dos riscos e suas consequências sociais, econômicas e ambientais. Já o gerenciamento dos riscos é um termo que, para esses autores, engloba o conjunto de atividades de identificação, estimação, comunicação e avaliação de riscos, associado à avaliação de alternativas de minimização dos riscos e suas consequências.
Se risco é entendido como a conjugação da probabilidade de que ocorra uma falha com a magnitude das consequências, então o gerenciamento de riscos deve agir sobre ambos. Assim, medidas de prevenção de acidentes devem ser associadas a considerações sobre localização do empreendimento.
Em um estudo de risco, além de se buscar identificar os perigos e estimar o risco (ou seja, estimar matematicamente as probabilidades de ocorrência de um evento e a magnitude das consequências), deve-se propor medidas de gerenciamento. Estas dividem-se em medidas preventivas (visando reduzir as probabilidades de ocorrência e, por conseguinte, reduzir os riscos) e ações de emergência (medidas a serem tomadas no caso de ocorrência de acidentes).
Os estudos de risco podem ser integrados aos estudos de impacto ambiental ou ser conduzidos como avaliações separadas do EIA. Esta última forma é usada no Estado de São Paulo, onde cabe à Cetesb exigir e aprovar estudos de análise de risco (EARs), ao passo que cabe ao Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente a análise dos EIAs2. No México, os dois assuntos são tratados de forma integrada, a ponto de o regulamento ser chamado “Regulamento da Lei de Proteção do Ambiente do Estado de México em matéria de Impacto e Risco Ambiental”, e os estudos são apresentados em uma de duas modalidades: “manifestação de impacto ambiental” (denominação dada ao estudo de impacto ambiental), que pode incluir risco, e uma classificação feita já no início do trâmite administrativo de licenciamento.
O Padrão de Desempenho 1 da IFC chama-se, justamente, Avaliação e Gestão de Riscos e Impactos Socioambientais, indicando o tratamento conjunto das duas categorias.
No Estado de São Paulo, são exigidos estudos de análise de risco para o licenciamento (instalação ou ampliação) de certas indústrias ou outras atividades potencialmente perigosas, e esses estudos são sistematicamente necessários nos casos de sistemas de dutos de transporte de petróleo e seus derivados, gases e outras substâncias químicas e plataformas de petróleo ou gás. Os critérios de classificação das instalações perigosas e a consequente exigência de estudos especializados sobre risco baseiam-se no perigo de uma instalação para a comunidade e o meio ambiente circunvizinho, característica que, por sua vez, depende diretamente dos tipos de substâncias químicas manipuladas, das quantidades envolvidas e da vulnerabilidade do local. A Fig. 12.2 mostra esquematicamente os critérios para exigência de estudos de risco no Estado de São Paulo. Desta forma, a triagem de empreendimentos para realização de EARs baseia-se unicamente no fato de que, em determinadas instalações industriais (fontes de poluição), podem ocorrer acidentes ambientais. A avaliação de risco ainda não se estendeu, institucionalmente, a outras atividades que causem impactos ambientais significativos.
No México, obra ou atividade de risco é entendida como aquela “que por sua natureza, tipo de materiais e substâncias que emprega ou gera ou pelos processos de que se utiliza, se ocorrer um acidente ou evento não previsto, independentemente de suas causas, põe em perigo a integridade dos ecossistemas e da população da zona em que se localiza ou de seus arredores”. Trata-se, portanto, de conceito mais abrangente que aquele usado no Estado de São Paulo.
Fig. 12.2 Critérios para exigência de estudos de análise de risco
Há dois tipos de estudos de riscos em São Paulo: os estudos de análise de risco e os planos de gerenciamento de riscos (PGRs), que, por sua vez, podem ser de dois tipos. O PGR I é empregado para empreendimentos de médio e grande porte, ao passo que o PGR II é exigido para empreendimentos de pequeno porte. Basicamente, o EAR é um estudo mais complexo e detalhado que o PGR e pode incluir a análise quantitativa de riscos. Os critérios para exigência de um EAR baseiam-se no tipo e na quantidade de substâncias perigosas armazenadas e na distância entre as instalações industriais e a população do entorno, até as vias públicas. Ademais, a regulamentação paulista prevê que será exigido um EAR em todos os casos de licenciamento ambiental de dutos externos a instalações industriais destinados ao transporte de petróleo ou derivados, gases ou outras substâncias químicas, assim como para plataformas de explotação de petróleo ou gás.
Os EARs têm um conteúdo específico e devem descrever as instalações analisadas, identificar os perigos, quantificar riscos e propor medidas de gestão para reduzi-los, assim como um plano de ação para situações de emergência. Os principais itens de um tal estudo são (Cetesb, 2003, p. 35):
Caracterização do empreendimento e da região. Apresenta-se uma descrição das instalações e atividades, assim como algumas características importantes do local, tais como características climáticas e meteorológicas, uso do solo no entorno do empreendimento, presença de concentrações populacionais e localização de bens a proteger (recursos hídricos, fragmentos florestais etc.).
Identificação dos perigos e consolidação de cenários de acidentes. Por meio de procedimentos sistematizados, busca-se identificar possíveis sequências de eventos que poderão resultar na liberação acidental de substâncias ou em outro efeito negativo. Em função, entre outros, da severidade dos danos possíveis, preparam-se “cenários”, ou seja, situações plausíveis de acidentes. Há várias técnicas disponíveis para a identificação dos perigos, dentre as quais a análise preliminar de perigos (APP), a análise de perigos e operabilidade (Hazop) e a análise de modos de falhas e efeitos (AMFE).
Estimativa dos efeitos físicos e análise de vulnerabilidade. Trata-se de uma previsão das consequências ambientais, caso se concretizem os cenários considerados para análise. Existem disponíveis diversos modelos matemáticos que simulam os efeitos de acidentes, como a propagação de uma nuvem de gás, a explosão de gás inflamável etc. As atividades nesta fase envolvem a estimativa de quantidades liberadas, o estudo do comportamento da substância imediatamente após a liberação (espalhamento de líquido, volatilização de líquido, dispersão a jato, expansão adiabática de gás pressurizado, explosão de nuvem de gás ou vapor etc.) e a simulação da dispersão no meio.
Estimativa de frequências. Trata-se da quantificação das frequências de ocorrência dos cenários acidentais identificados, com base em dados históricos ou na opinião de especialistas.
Estimativa e avaliação de riscos. Consiste na estimativa quantitativa, em termos probabilísticos, do risco ao qual estão expostas as pessoas na área de influência da instalação.
Gerenciamento de riscos. Consiste na formulação de diferentes medidas preventivas para evitar a ocorrência de acidentes ou reduzir seus efeitos. Inclui-se também em um plano de gerenciamento de riscos (PGR) a descrição das medidas a serem tomadas em caso de ocorrência de acidentes, também conhecidas como Plano de Atendimento a Emergências (PAE). O PGR deve descrever todos os procedimentos propostos e os recursos necessários, concentrando-se nos aspectos críticos identificados anteriormente e dando prioridade aos cenários acidentais mais importantes.
Muitas vezes a preparação de um estudo completo de análise de risco pode ser substituída pela preparação de um plano de gerenciamento de riscos. Com isso, evitam-se as atividades complexas e detalhadas de estimativa das frequências e de simulação dos efeitos físicos, concentrando os esforços na formulação de medidas para reduzir os riscos e na preparação de um PAE. Esse plano de gerenciamento de riscos pode facilmente ser incorporado a um EIA ou a algum documento subsequente no processo de licenciamento ambiental.
Um PGR apresentado para fins de licenciamento é muito semelhante a um plano de gerenciamento de risco usado internamente por algumas empresas. Esses documentos normalmente contêm as seguintes informações:
Informações de segurança do processo. Tratam-se de informações como (i) listas de todas as substâncias químicas manuseadas ou produzidas e suas características, (ii) tecnologia de processo, na forma de fluxogramas e balanços de massas e descrição das condições normais de operação; (iii) equipamentos de processo, acerca de tubulações e instrumentação e sistemas de segurança; e (iv) procedimentos, contendo uma descrição dos procedimentos adotados na instalação.
Revisão dos riscos do processo: trata-se de uma atualização que deve levar em conta mudanças ocorridas nas instalações.
Gerenciamento de modificações: são procedimentos gerenciais para planejar, analisar e comunicar modificações que tenham sido feitas nas instalações industriais.
Manutenção e garantia da integridade de sistemas críticos: o PGR deve descrever os procedimentos de manutenção de equipamentos considerados críticos para a segurança do sistema e formas de garantir sua integridade, como testes e inspeções.
Procedimentos operacionais: descrição das atribuições, responsabilidades e tarefas para todas as situações operacionais, incluindo partidas, paradas de rotina e de emergência e operações normais.
Capacitação de recursos humanos: descrição dos programas de treinamento.
Investigação de incidentes: descrição dos procedimentos de investigação, análise e documentação.
Plano de ação de emergência: o PAE é uma espécie de documento-síntese da análise de risco, devendo descrever as instalações, os cenários acidentais, as atribuições e as responsabilidades dos envolvidos, um fluxograma de acionamento, as ações de resposta às situações emergenciais identificadas nos cenários acidentais considerados, os recursos humanos e materiais, os programas de treinamento e divulgação e documentos anexos como plantas, listas de equipamentos etc.
Auditorias: auditorias devem ser realizadas para verificar a conformidade dos procedimentos e as ações constantes do PGR.
Esse modelo de plano de gerenciamento de risco é calcado na experiência e nos problemas da indústria química, mas variações ou adaptações podem e têm sido empregadas por outros setores industriais, como a mineração, o setor de transportes e o de geração de energia elétrica, na qual algumas empresas geradoras realizam estudos de risco para barragens. A canadense BC Hydro realizou estudos quantitativos na década de 1990 (Salmon e Hartford, 1995), aplicando uma análise probabilística tipo “árvore de evento”. Na época, os estudos de risco foram impulsionados nos Estados Unidos por ocasião de projetos de reabilitação de barragens construídas havia vários anos (Donnelly e Morgenroth, 2005). Desde o final dos anos 1970, porém, haviam sido desenvolvidos os primeiros estudos de riscos em barragens nos EUA, impulsionados pela ruptura de uma barragem no Estado da Georgia (Spragens e Mayfield, 2005). Evidentemente, mais importante que fazer estimativas quantitativas de risco é reduzi-lo (Dubler e Grigg, 1996), mas esta é justamente uma das funções da análise de risco.
Alguns países, como o Brasil, dispõem de leis de segurança de barragens com requisitos de realização de inspeções técnicas ou auditorias de terceira parte.
No Estado de Minas Gerais, depois de diversos eventos de rupturas de barragens de rejeitos de minas e indústrias, o órgão ambiental estadual, Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), obrigou todas as empresas responsáveis por barragens a fazer cadastro, o primeiro passo para um programa público de gerenciamento de riscos (Torquetti e Farias, 2004). É certo que, hoje em dia, as empresas mais bem organizadas dão a devida atenção a barragens industriais, pois uma ruptura representa perdas econômicas significativas (multas e indenizações a pagar, despesas com advogados e peritos e estudos de avaliações de dano, paralisação da produção e custos de imagem). Assim, documentos de projeto são devidamente armazenados, há programas contínuos de monitoramento geotécnico, inspeções realizadas por consultores externos e realização de auditorias, até mesmo auditorias de projeto, que verificam a qualidade do projeto conceitual e do projeto básico da barragem. Por outro lado, muitas empresas sequer dispõem de dados técnicos básicos sobre suas barragens e diques.
A análise de riscos ambientais teve grande desenvolvimento inicial com a indústria nuclear. Acidentes com reatores e outras instalações nucleares são tipicamente de baixa probabilidade de ocorrência, porém de grandes consequências. As etapas típicas de uma análise de risco tecnológico são apresentadas nesta seção.
A identificação de perigos é o ponto de partida dos estudos de risco. Alguns estudos não vão além dessa fase, passando para a preparação de um plano de gerenciamento. Em casos que requerem análises mais sofisticadas, estimam-se as frequências de ocorrência de certos cenários de acidentes para, em seguida, estimar os riscos. Para identificar os perigos, é feita uma varredura da instalação analisada para identificação de eventos iniciadores de falhas operacionais.
Já se observa aqui uma contradição entre as ferramentas de análise de risco e as diretrizes da avaliação de impacto ambiental, pois os EIAs são (ou devem ser) feitos nas fases iniciais de concepção de um projeto, para que se possam considerar alternativas. Por outro lado, uma análise de riscos necessita de um projeto detalhado, sem o qual não é possível quantificar riscos. Uma solução é limitar-se a uma análise qualitativa e preliminar, transferindo um estudo detalhado, caso necessário, para a fase de obtenção uma etapa posterior. No Brasil, essa etapa posterior é da licença de instalação e, portanto, após a conclusão e aprovação do EIA.
Há várias ferramentas de identificação de riscos, quase todas de aplicação para diversos fins, dos quais a análise de risco ambiental é um deles. No contexto de risco ambiental agudo, Awazu (1993) descreve dez técnicas de identificação de riscos:
Análise histórica de acidentes: consiste no levantamento de acidentes ocorridos em instalações similares, utilizando-se a consulta a bancos de dados de acidentes ou referências bibliográficas específicas. Sua utilidade em um EIA é reduzida, pois nada informa sobre os riscos do projeto em análise, exceto sobre os tipos de ocorrências que podem ter sido registradas em empreendimentos com alguma similaridade, mas usualmente situados em países que dispõem de bases de dados confiáveis, que tendem a ser, também, aqueles que dispõem dos melhores controles operacionais.
Inspeção de segurança: por definição, é um método que somente se aplica a instalações em funcionamento.
Lista de verificação: baseia-se na elaboração e aplicação de uma sequência lógica de questões para a avaliação das condições de segurança de uma instalação, por meio de suas condições físicas, dos equipamentos utilizados e das operações praticadas; listas de verificação aplicam-se às etapas de elaboração de projeto, de construção, de operação e durante as paradas para manutenção.
Método “E se…?” (What if…?): trata-se da identificação de eventos indesejados feita por uma equipe de dois ou três especialistas experientes; “melhores resultados podem ser obtidos quando da sua aplicação em instalações existentes”(p. 3.200-3.211).
Análise preliminar de riscos (também conhecida como análise preliminar de perigos (Preliminary Hazard Analysis — PHA)): é uma técnica que foi desenvolvida especificamente para aplicação nas etapas de planejamento de projetos, visando a uma identificação precoce de situações indesejadas, o que possibilita adequação do projeto antes que recursos de grande monta tenham sido comprometidos; trata-se, portanto, de uma técnica de potencial emprego em estudos de impacto ambiental, pois não exige o detalhamento da instalação industrial a ser analisada. Preparam-se planilhas (Quadros 12.3 e 12.4) nas quais, para cada perigo identificado, são levantadas suas possíveis causas, efeitos potenciais e medidas básicas de controle aplicáveis (preventivas ou corretivas). Além da identificação, os perigos são também avaliados com relação à frequência de ocorrência e grau de severidade de suas consequências. A análise preliminar de perigos pode ser uma etapa inicial, seguida de outras ferramentas de análise, e pode ser suficiente para fornecer aos tomadores de decisão e ao público uma visão hierarquizada dos principais riscos.
Estudo de riscos e operabilidade (Hazard and Operability Study — Hazop): consiste no trabalho integrado de uma equipe de especialistas que realiza “um exame crítico sistemático (…) a fim de avaliar o potencial de riscos decorrentes da má operação ou mau funcionamento de itens individuais dos equipamentos e os efeitos na instalação”, seguindo uma estrutura dada por determinadas palavras-guia (por exemplo “mais pressão”) que permitam identificar desvios ou afastamentos da normalidade. Segundo Awazu (1993, p. 3.200-3.215), “a melhor ocasião para a realização de um Hazop é a fase em que o projeto se encontra razoavelmente consolidado. Nessa altura, o projeto já está bem definido, a ponto de permitir a formulação de respostas expressivas às perguntas do estudo. Além disso, neste ponto ainda é possível alterar o projeto sem grandes despesas”.
Análise de tipos e efeitos de falhas (Failure Modes and Effects Analysis — FMEA): consiste na identificação de falhas hipotéticas, anotadas em uma planilha, na qual cada falha é relacionada com seus respectivos efeitos. As falhas podem ter diversas causas, mas aqui parte-se dos modos de falha — por exemplo, os modos de falha de uma válvula manual podem ser: falha para fechar, quando requisitada; falha para abrir, quando requisitada; emperrada; ajuste errado para mais ou para menos; ruptura no corpo da válvula (Awazu, 1993, p. 3.200-3.219). Em seguida, identificam-se os possíveis efeitos — se a falha da válvula ocasionar vazamento de um líquido inflamável, um efeito é incêndio. É uma técnica indutiva. Os resultados são também tipicamente apresentados em planilhas, como a análise preliminar de perigos, e também podem ser analisados quanto à frequência e severidade. É um método que também encontra aplicação em estudos de impacto ambiental.
Análise de árvore de falhas (Fault Tree Analysis — FTA): técnica dedutiva que parte da montagem de um diagrama com bifurcações sucessivas — por exemplo, um sistema de alimentação de água pode falhar por falta de água no reservatório ou por falha no sistema de bombeamento; este, por sua vez, pode falhar em cada uma das bombas. O método permite análise quantitativa, atribuindo-se probabilidades a cada evento, determinando-se a taxa de falha de cada componente do sistema. Pode-se também determinar caminhos críticos, sequências de eventos com maior probabilidade de levar ao evento indesejado (denominado evento topo, por situar-se no topo, ou tronco de uma árvore invertida, cujas bifurcações são as raízes). O método foi desenvolvido para as indústrias aeronáutica e aeroespacial.
Análise de árvore de eventos (Event Tree Analysis — ETA): diagramas descrevem a sequência de eventos necessária para que ocorra um acidente; cada ramificação só permite duas possibilidades, sucesso ou falha, às quais se atribuem probabilidades que, somadas, sempre são iguais a zero e um. Parte-se da escolha de determinados eventos, que muitas vezes são identificados por meio de outras técnicas de análise de risco.
Quadro 12.4 Extrato de planilha de avaliação preliminar de perigos (APP) de atividade de exploração de petróleo em águas profundas
Notas: (1) as hipóteses acidentais foram classificadas neste estudo em pequenos, médios e grandes vazamentos de óleo ou derivados, utilizando o quantitativo de volumes de acordo com a Resolução Conama 398/2008a
(2) as classes de frequência utilizadas foram: (A) extremamente remota (F < 10-4), “conceitualmente possível, mas extremamente improvável de ocorrer durante a realização da atividade”; (B) remota (10-4 ≤ F < 10-3), “não esperado de acontecer durante a realização da atividade”; (C) improvável (10-3 ≤ F < 10-2), “pouco provável de ocorrer durante a realização da atividade”; (D) provável (10-2 ≤ F < 10-1), “esperado acontecer até uma vez durante a realização da atividade”; (E) frequente (F ≥ 10-1), “esperado ocorrer várias vezes durante a realização da atividade”.
(3) as classes de severidade utilizadas foram: (I) desprezível, (II) marginal, (III) crítica, (IV) catastrófica.
(4) as combinações de frequência e severidade em uma matriz de risco resultam nas seguintes classes de risco: (1) desprezível, (2) menor, (3) moderado, (4) sério, (5) crítico.
Fonte: Biomonitoramento e Meio Ambiente (BMA), EIA Atividade de Perfuração Marítima no Bloco BM-J-1, Bacia do Jequitinhonha. Petrobrás, 4 volumes, 2008.
Análise de causas e consequências: utiliza-se da preparação de diagramas de causas e consequências em uma sequência de passos: (1) identificação dos fatores que podem causar acidentes; (2) preparação de uma árvore de eventos; (3) detalhamento de um evento para determinação de suas causas básicas (árvore de falhas); (4) determinação de medidas de redução de eventos acidentais.
Trata-se da parte quantitativa da avaliação de riscos, mas nem sempre se avança até esse ponto. A análise das consequências é uma simulação de acidentes que permite estimar a extensão e a magnitude das consequências, o que é feito por meio de modelos matemáticos específicos para determinado cenário acidental. Para cada hipótese acidental, deve-se usar procedimentos apropriados de cálculo. Em se tratando da liberação de uma substância química, deve-se (Technica, 1988):
saber a fase (líquida, gasosa ou uma mistura de líquido e gás);
estimar a quantidade liberada;
determinar o comportamento da substância após a liberação (vazamento de líquido pouco volátil, vazamento de líquido volátil, inflamável, expansivo etc.);
verificar como se dá a dispersão (nuvem densa, subida de pluma) e se pode haver incêndio ou explosão;
determinar os efeitos agudos e crônicos de liberações tóxicas.
Podem-se aplicar alguns modelos de dispersão atmosférica (conforme seção 10.3), e existem modelos desenvolvidos para a análise das consequências de acidentes que permitem calcular a radiação térmica (no caso de incêndios), a sobrepressão (no caso de explosões) ou a concentração de uma substância tóxica.
Como o risco é o produto da combinação entre probabilidade de ocorrência e magnitude das consequências, é preciso estimar essa magnitude. Ela pode ser medida em termos de perdas econômicas ou ecológicas, mas uma característica bastante usada para os riscos agudos é o número esperado de mortes. Para os riscos crônicos, a característica usada é o número de mortes ou o número adicional de casos de câncer, para as substâncias causadoras de tumores. Mas os estudos de risco aplicados a avaliações de impacto ambiental podem (e, muitas vezes, devem) identificar como receptores de risco os recursos ambientais e culturais potencialmente afetados ou os componentes ambientais relevantes.
As consequências de liberações acidentais de substâncias químicas para receptores ecológicos podem ser determinantes em certas decisões de licenciamento, como ocorreu com um projeto de produção de petróleo em águas rasas no sul da Bahia (bacia da Camamu/Almada), localizado em área de importante biodiversidade marinha, contando diversas espécies ameaçadas de fauna e recifes de coral, além de extensas áreas de manguezal. O estudo dos riscos de vazamentos de óleo bruto constatou que, mesmo para os cenários de pequenos vazamentos (abaixo de 200 m3), mais frequentes que vazamentos maiores, o “tempo de toque”, ou seja, o período necessário para a mancha de óleo atingir a costa, seria inferior ao tempo de atendimento dos sistemas de respostas a emergências. No caso, o comportamento das substâncias após liberação é a dispersão na água. Sendo de baixa densidade, o óleo flutua e, por ação de ventos e correntes, é transportado sobre a superfície do mar, de modo que os estudos de dispersão utilizam dados do ambiente físico para estimar o tempo de deslocamento de diferentes quantidades de óleo vazado. Embora vazamentos grandes possam acarretar consequências de maior magnitude ou severidade (Quadro 12.4), dados provenientes de análises históricas de acidentes mostram que vazamentos pequenos são mais frequentes.
A avaliação de riscos, como a avaliação da importância de impactos, implica juízo de valor. O conceito de risco aceitável vem sendo debatido há décadas. Algumas pessoas são mais propensas a correr ou aceitar riscos, enquanto outras mostram aversão a situações arriscadas. Seria possível determinar alguma média de aceitabilidade de risco? Para o ambiente, a dificuldade é maior, pois muitas vezes trata-se de riscos impostos e não voluntários, e a fonte de risco é a atividade exercida por um terceiro e não pelo próprio indivíduo.
Convenciona-se definir risco social como a quantidade anual de perda de vidas humanas associada a determinada atividade, dada pelo produto do número de mortes por acidente pelo número de acidentes por ano. A formulação de tal definição pode assustar, mas na verdade trabalha-se com cifras da ordem de 10-4 a 10-6, ou seja, uma morte a cada 10 mil anos ou a cada milhão de anos, respectivamente, na verdade uma cifra muito menor que aquela aceitável em certas atividades corriqueiras, como viajar de automóvel. Também se define risco individual como a razão entre o risco social e o número de habitantes da zona em estudo.
Os critérios de risco aceitável são estabelecidos tendo como base estimativas quantitativas. Assim, por exemplo, Hong Kong, de maneira similar às outras jurisdições, estabelece que o risco individual máximo aceitável é 10-5, ao passo que o risco social varia entre 10-3 e 10-6, devendo ser mitigado de acordo com o conceito de “tão baixo quanto razoavelmente praticável” (ALARP — As Low as Reasonable Practicable) (HKEPD, 1997, p. 25).
A proposição de medidas de prevenção de risco e de redução das consequências em caso de acidentes é a última etapa da cadeia de atividades de avaliação de risco, conforme será visto na seção 13.3. Muitas grandes empresas têm procurado não somente integrar seus programas de gestão de risco a outros programas ambientais, como também integrar a gestão de risco a seus sistemas de gestão ambiental, de qualidade e de saúde e segurança do trabalho, que adotam os mesmos princípios do chamado ciclo PDCA (seção 18.4) e são conhecidos como Sistema de Gestão Integrada (SGI). Porém, garantir que as medidas de prevenção serão eficazes é o cerne da questão.
Uma perspectiva mais ampla é tratar todos os tipos de riscos em uma empresa de forma integrada. Riscos financeiros, de imagem, ambientais, de segurança, trabalhistas e tantas categorias quanto aplicáveis podem ser tratados segundo as recomendações da norma ISO 31.000, que define processo de gestão de riscos como “aplicação sistemática de políticas, procedimentos e práticas de gestão para as atividades de comunicação, consulta, estabelecimento de contexto, e na identificação, análise, avaliação, tratamento, monitoramento e análise crítica dos riscos”. Os onze princípios adotados por essa norma (Quadro 12.5) mostram que o objetivo da gestão de riscos é não somente a proteção ambiental, mas a proteção da própria empresa, como ficou claro com o acidente da Deepwater Horizon (penúltima linha do Quadro 12.1). O princípio 3 deve ser destacado: a gestão de riscos é parte da tomada de decisões. Segundo Eccleston (2011, p. xix), “uma das revelações que resultaram das investigações do vazamento de óleo BP Deepwater Horizon foi que aqueles encarregados de tomar decisões não tinham equipado a plataforma com um segundo dispositivo de reserva que poderia cortar o fluxo de óleo de um poço em caso de falha do blow out preventer” (Quadro 12.4).
Quadro 12.5 Princípios da gestão de risco
1. A gestão de riscos cria e protege valor |
2. A gestão de riscos é parte integrante de todos os processos organizacionais |
3. A gestão de riscos é parte da tomada de decisões |
4. A gestão de riscos aborda explicitamente a incerteza |
5. A gestão de riscos é sistemática, estruturada e oportuna |
6. A gestão de riscos baseia-se nas melhores informações disponíveis |
7. A gestão de riscos é feita sob medida |
8. A gestão de riscos considera fatores humanos e culturais |
9. A gestão de riscos é transparente e inclusiva |
10. A gestão de riscos é dinâmica, interativa e capaz de reagir a mudanças |
11. A gestão de riscos facilita a melhoria contínua da organização |
Fonte: Gestão de riscos: princípios e diretrizes (NBR ISO 31.000 (ABNT, 2009)).
Uma das questões mais relevantes dentro da avaliação de impacto ambiental é a maneira como diferentes pessoas encaram e se comportam diante de situações de risco. Sabe-se que há pessoas mais e menos propensas a aceitar riscos, em qualquer área — por exemplo, a propensão a riscos econômicos em investimentos financeiros, riscos de vida praticando esportes radicais ou ainda riscos à saúde devido ao uso de tabaco.
O mesmo se passa diante dos riscos ambientais. Quando um empreendimento submetido ao processo de AIA passa pelas etapas de consulta pública, muitas das discussões se dão em torno da possibilidade de “algo dar errado”, de que ocorram acidentes ou disfunções que causem impactos ambientais muito mais significativos do que aqueles que poderiam ocorrer em situação normal.
As ciências do comportamento têm se interessado pelo campo da percepção de riscos, que estuda como as pessoas encaram situações perigosas. Os especialistas dessa área têm chegado a algumas conclusões gerais que parecem ter validade em diferentes culturas. As seguintes características da percepção de riscos têm grande interesse para o campo da avaliação de impacto ambiental (Fisher, 1991; Kasperson et al., 1988; Renn, 1990a, 1990b):
Preferência intuitiva por raciocínio determinístico. Ao contrário dos especialistas em risco, que veem as situações de risco como fenômenos probabilísticos, a maioria da população tem grande dificuldade em raciocinar em termos de probabilidade. Afirmações do tipo “os riscos de danos sérios à população de tartarugas marinhas devido à ruptura de uma tubulação de transporte de petróleo são da ordem de 2,5 x 10-5” nada significam para a maioria das pessoas. A percepção de probabilidades é, em geral, muito influenciada (a) pela experiência pessoal (como a de já ter estado exposto a uma situação similar; sabe-se que quem já presenciou determinado tipo de acidente tende a vê-lo como mais provável), (b) por uma tendência, identificada através de estudos comportamentais, de evitar a chamada dissonância cognitiva (informações ou fatos que contradizem a percepção pessoal tendem a ser ignorados, enquanto a pessoa também busca informações que reforcem suas opiniões e convicções), e (c) pela disponibilidade da memória (eventos que vêm imediatamente à mente são percebidos como mais prováveis; assim, acidentes recentemente difundidos pela mídia são vistos como mais frequentes). Em outras palavras, a percepção da probabilidade é ajustada à informação disponível.
Maior importância atribuída às consequências possíveis de um evento do que à probabilidade de ocorrência. Se considerarmos duas situações em que tecnicamente o risco seja idêntico, onde a primeira se refere a um evento de baixa probabilidade de ocorrência (por exemplo, 10-6), mas grandes consequências (por exemplo, cem mortes), e a segunda a um de probabilidade mais elevada (10-4), mas pequenas consequências (uma morte), a população considera a primeira situação como mais perigosa. O conceito social de risco não é o mesmo que o conceito técnico.
Distribuição social dos riscos e benefícios. A população usualmente atribui grande importância a esta característica, sendo mais difícil aceitar uma situação de risco na qual os beneficiários não são os mesmos que a população exposta ao risco.
Circunstâncias qualitativas do risco. Questões como familiaridade com a situação de perigo (riscos “novos” tendem a ser mais dificilmente aceitos), controle pessoal (riscos parecem ser mais aceitáveis se a própria pessoa controla — ou pensa que controla — a situação de perigo) e experiência individual interferem sobremaneira na percepção de riscos. O fato do risco ser imposto por terceiros ou assumido voluntariamente pela pessoa também tem um peso muito grande em sua aceitação. Finalmente, a credibilidade das instituições de gerenciamento de risco tem também um grande peso na aceitabilidade social de uma situação de perigo — uma empresa ou instituição governamental que já demonstrou competência (ou incompetência) em lidar com situações concretas como acidentes ou incidentes terá sua credibilidade e confiança em futuros eventos julgada em termos dessa experiência prévia.
A repartição dos riscos e dos benefícios é talvez um dos pontos centrais quando a instalação de um empreendimento perigoso está em discussão. Na maior parte dos casos, aqueles que se beneficiam com o empreendimento (empresários, acionistas, financiadores, fornecedores, empregados) não são aqueles que deverão suportar os riscos (principalmente a comunidade vizinha), estabelecendo-se, então, um grande potencial de conflito.
Tais características (entre outras que interferem na percepção dos riscos) devem necessariamente ser levadas em conta na análise e na discussão sobre os impactos ambientais de um empreendimento. Elas podem até determinar a aceitação ou não do projeto, de modo que o envolvimento público desde suas fases iniciais pode facilitar muito a comunicação e a eventual aceitação do empreendimento. No Brasil, a elaboração e a análise de estudos de análise de risco não envolvem nenhuma forma de consulta ou comunicação pública, ao contrário dos estudos de impacto ambiental; daí a necessidade de integrar os estudos e sua análise técnica. O processo de avaliação de impacto ambiental, por outro lado, representa uma oportunidade de participação pública na análise e decisão sobre instalações perigosas, e a possibilidade de estabelecimento de um canal formal de comunicação com as partes interessadas. Esses estudos são ferramentas de identificação e análise de riscos agudos, e não de riscos crônicos — considerações sobre essa categoria de riscos ambientais, em geral, estão ausentes do processo de AIA, embora possam fazer parte das preocupações do público. Como coloca Lagadec (2003, p. 7), há um “déficit intelectual” nas discussões sobre risco (tomadas em um sentido amplo, não somente risco ambiental): “nos anos 1970, as discussões sobre risco eram dominadas por uma equação, risco = probabilidade x gravidade das consequências. (…) Hoje nós somos obrigados a reconhecer a realidade intrínseca do risco: risco é, primeiro, uma brecha, uma descontinuidade”.
1A Diretiva Europeia 96/82/CE, de 9 de dezembro de 1996, conhecida como “Seveso II”, define perigo como “a propriedade intrínseca de uma substância perigosa ou de uma situação física de poder provocar danos à saúde humana e/ou ao ambiente”.
2No Estado de São Paulo, a Cetesb sistematiza os procedimentos de análise de risco desde os anos 1990. Os procedimentos foram oficializados em agosto de 2003. Diário Oficial do Estado 113 (156), 20 de agosto de 2003, p. 34-43. Esse documento será aqui referido como Cetesb (2003).