Um dos principais objetivos da avaliação de impacto ambiental é, certamente, o de prever mudanças nos sistemas naturais e sociais decorrentes de um projeto de desenvolvimento. Assim, todo estudo de impacto ambiental deve apresentar um prognóstico da situação futura, no caso de realização do empreendimento analisado. Entendido como uma descrição da situação futura do ambiente afetado, o prognóstico deve ser fundamentado em hipóteses plausíveis e previsões confiáveis. Na sequência de atividades de preparação de um EIA, a previsão é a etapa que busca informar sobre a magnitude ou intensidade dessas mudanças.
A previsão é um dos passos da análise dos impactos. Ela provê uma descrição fundamentada e, se possível, quantificada dos impactos identificados no passo anterior, identificação esta que, por sua vez, se baseou no diagnóstico ambiental, mesma atividade que fornece dados para a previsão, cujos resultados serão utilizados para avaliar a importância dos impactos (o terceiro passo da análise dos impactos), delineando medidas para evitar, atenuar ou compensar os impactos adversos. Entendida dessa forma — conectada às demais atividades essenciais à elaboração de um estudo de impacto ambiental —, percebe-se que a previsão não é a finalidade desses estudos, mas um elo de uma corrente em que cada atividade tem uma função: cada atividade depende da precedente e fornece informações ou conclusões para a subsequente, conforme a Fig. 10.1.
Fig. 10.1 Encadeamento entre o diagnóstico ambiental e as medidas mitigadoras, mediante o prognóstico ambiental
Assim, as funções da previsão de impactos são:
estimar a magnitude (intensidade) dos impactos ambientais;
fornecer informações para a etapa seguinte, avaliação da importância dos impactos;
prognosticar a situação futura do ambiente com o projeto em análise;
comparar e selecionar alternativas;
fornecer subsídios para a definição de medidas mitigadoras.
Para Beanlands e Duinker (1983):
As previsões de impacto deveriam ser testáveis, isto é, deveriam ser livres de ambiguidades e apresentadas como hipóteses que pudessem ser testadas, mediante um m plano apropriado de estudo. Assim, uma análise preditiva deveria se esforçar em incluir detalhes quantificados da magnitude dos impactos, duração e distribuição espacial.
Assim, a previsão deveria fornecer informação sobre:
1] a intensidade ou magnitude do impacto
2] sua duração ou distribuição temporal
3] sua distribuição espacial ou área de influência.
Definir um roteiro de trabalho para prever impactos faz parte do planejamento de um EIA. Nem todos os impactos são passíveis de previsão quantitativa, e nem todos são suficientemente significativos para que se despenda tempo e dinheiro tentando quantificá-los, mas todos devem ser satisfatoriamente descritos e qualificados no EIA.
A atividade de previsão de impactos envolve, basicamente, cinco passos:
1. Escolha de indicadores: equivale a decidir o que prever, selecionando os indicadores que serão empregados para realizar o prognóstico, e levando em conta não somente a “previsibilidade”, mas também a capacidade e o custo de monitorar esses parâmetros, caso o projeto siga adiante (isto é, na fase de acompanhamento, após a decisão).
2. Determinar como fazer a previsão, tarefa que pode ser subdividida em duas, a saber:
definir materiais e métodos de trabalho (por exemplo, o uso de um modelo, qual modelo);
justificar as razões da escolha (por exemplo, por ser um método aprovado pelo órgão regulador, como um modelo de dispersão de poluentes atmosféricos, ou um método clássico e de emprego universal, como os usados para dimensionar obras hidráulicas e que dependem de previsões de vazão).
3. Calibração e validação do método: procedimento necessário quando se emprega um modelo desenvolvido para outra situação, cuja validade para um uso diferente precisa ser analisada; os resultados que podem ser obtidos dependem de certas hipóteses (em geral simplificadoras) e de certos pressupostos (em geral conservadores, isto é, a favor da segurança); tais hipóteses e pressupostos devem ser explicitados para que os usuários (o leitor do EIA, o proponente do projeto, o analista técnico, os responsáveis pela tomada de decisões) compreendam os limites das previsões.
4. Aplicação do método e obtenção dos resultados: este passo significa, finalmente, “fazer as previsões”.
5. Análise e interpretação: dados brutos são de pouca utilidade para a tomada de decisões, e é função do analista interpretar os resultados dentro do contexto da avaliação de impacto em curso; nessa interpretação pode ser pertinente discutir as incertezas das previsões e a sensibilidade dos resultados, ou seja: quais seriam os resultados se as hipóteses e os pressupostos adotados não se revelarem verdadeiros?
Como nas demais tarefas na preparação de um EIA, pode ser necessário discutir com o órgão ambiental (e com algumas partes interessadas) quais abordagens serão utilizadas na previsão de impactos, se há real necessidade de fornecer previsões quantitativas, quais os indicadores mais apropriados e, se houver uso de modelos matemáticos, quais são aceitos ou se há restrição a algum modelo. De comum acordo, algumas dessas definições podem ser incluídas nas diretrizes ou nos termos de referência para o estudo.
Uma maneira prática de descrever o comportamento futuro do meio ambiente afetado é por meio de indicadores ambientais convenientemente escolhidos. Indicadores têm uso crescente em planejamento e em gestão ambiental, e são úteis em várias partes dos estudos de impacto: no diagnóstico, na previsão de impactos e no monitoramento.
Há inúmeras definições de indicadores ambientais, a exemplo das seguintes:
“um parâmetro que fornece uma medida da magnitude do impacto ambiental” (Munn, 1975);
“um parâmetro que serve como medida das condições ambientais de uma área ou ecossistema” (Moreira, 1992);
“medida de um fenômeno ambientalmente relevante usada para descrever ou avaliar condições ou mudanças ambientais ou para estabelecer objetivos ambientais” (Heink e Kowarik, 2010).
Indicadores fornecem uma interpretação de dados ambientais (Fig. 10.2). O conceito é de amplo uso em várias disciplinas, mas ambíguo (Heink e Kowarik, 2010). Um parâmetro de qualidade de água pode ser um indicador, assim como a presença, em determinado local, de determinada espécie intolerante à poluição é indicativa da ocorrência de boas condições ambientais. Assim, se uma espécie aquática que somente sobrevive se as condições ambientais são de ótima qualidade (por exemplo, alto teor de oxigênio dissolvido) estiver presente, pode-se concluir pelas boas condições do ambiente aquático. A Fig. 1.7 mostra um exemplo de indicadores em meio aquático.
Fig. 10.2 Pirâmide da informação ambiental
Fonte: Hammond et al. (1995).
No campo da qualidade do ar, os indicadores ambientais são muito utilizados para avaliar as condições sanitárias de uma região ou local; por exemplo, a concentração de partículas sólidas em suspensão no ar — um parâmetro que pode ser medido por meio de métodos padronizados — fornece uma informação sobre os possíveis riscos à saúde que incorreria uma pessoa diariamente exposta ao poluente, uma vez que existe uma correlação entre a presença dessas partículas (principalmente as mais finas, chamadas de fração inalável ou partículas inaláveis) e problemas do aparelho respiratório. Desta forma, a concentração de partículas em suspensão é um bom indicador da qualidade do ar.
Porém, como muitas vezes encontram-se diferentes tipos de poluentes em um mesmo local, é interessante saber seu possível efeito combinado ou sinérgico – ou ainda buscar uma informação agregada e sinóptica sobre esses vários poluentes. Neste último caso, adota-se índices ambientais que combinam diferentes parâmetros ou indicadores (Fig. 10.2). Muitas vezes, o público é informado sobre o estado do meio ambiente por meio de tais índices agregados (como índices de qualidade do ar ou da água). No Estado de São Paulo, o Índice de Qualidade do Ar agrega sete parâmetros: CO, SO2, NO2, O3, poeira total em suspensão, poeira inalável e fumaça. Já o Índice de Qualidade das Águas agrega nove parâmetros: coliformes fecais, pH, DBO, OD, N total, fosfato total, turbidez, resíduo total e temperatura.
Também os profissionais das geociências vêm se preocupando em definir indicadores para medir e acompanhar os processos do meio físico modificados por ação humana (Berger, 1996). Por exemplo, Bitar et al. (1993) propõem diversos indicadores para este fim, como:
feições erosivas de pequeno porte (sulcos e ravinas), cuja magnitude pode ser indicada por meio de parâmetros como comprimento, profundidade e área afetada;
posicionamento e variação dos níveis freáticos, que podem ser descritos com a ajuda de parâmetros como profundidade média e amplitude de oscilação dos níveis piezométricos;
assoreamento, cuja magnitude pode ser indicada pela área afetada e pelo volume de sedimentos depositados.
Para Hammond et al. (1995, p. 1), os indicadores ambientais têm duas características básicas: (i) quantificam informação para que seu significado possa ser apreendido mais rapidamente e (ii) simplificam informação sobre processos complexos a fim de melhorar a comunicação. Os indicadores proveem informação condensada, agregando dados primários.
Assim, os indicadores ambientais são parâmetros representativos de processos ambientais ou do estado do meio ambiente (ou seja, sua situação em um dado momento, local ou região). A norma ISO 14.031:1999 – Avaliação do Desempenho Ambiental — recomenda a utilização de três tipos de indicadores: (i) indicadores de desempenho gerencial, (ii) indicadores de desempenho organizacional e (iii) indicadores de condições ambientais. No primeiro grupo, enquadram-se os indicadores que proveem informações sobre a administração de uma empresa ou outra organização. No segundo, sobre emissões poluentes, consumo de recursos e outros dados de processo ou de resultados. Já no terceiro grupo encontram-se os indicadores sobre qualidade do meio ambiente. Em avaliação de impacto ambiental, usam-se mais os dois últimos grupos.
Alguns indicadores e índices sobre condições ambientais ou o estado do meio ambiente são usualmente coletados por organismos governamentais e podem ser aproveitados nos EIAs, principalmente para fins de diagnóstico ambiental, desde que sejam claramente associados a um local ou uma região. Organismos do sistema ONU, a exemplo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), têm compilado informações agregadas sobre as condições ambientais do Planeta. Um exemplo é o Global Environmental Outlook, coletânea internacional de informações ambientais, que também tem versões nacionais e locais. A versão brasileira, GEO Brasil 2002, foi publicada uma única vez (Ibama, 2002) e alguns municípios também produziram os seus, a exemplo de São Paulo. O Banco Mundial e algumas ONGs como o World Resources Institute também trabalham no mesmo sentido. Assim, a ideia de que é preciso conhecer a situação do meio ambiente para poder geri-lo está sendo disseminada.
Há uma enorme quantidade de indicadores e índices ambientais que podem ser utilizados em AIA. Selecionar os indicadores mais adequados é tarefa importante para o analista.
Se quase todo parâmetro pode ser transformado em indicador ambiental, é importante estabelecer critérios para sua escolha, estando atento a dotar o indicador de um “significado agregado àquele derivado da informação propriamente científica, com a finalidade de refletir de forma sintética uma preocupação social a respeito do meio ambiente e inseri-la coerentemente no processo de tomada de decisões” (Ministerio de Medio Ambiente, 1996, p. 16).
Dado o universo amplo de parâmetros que têm potencial de ser transformados em indicadores para uso em AIA, Cloquel-Ballester et al. (2006) entendem ser necessário um procedimento de validação, sem o qual a utilidade e a credibilidade dos indicadores poderiam ser prejudicadas. Alguns indicadores de uso amplamente difundido (como os empregados em publicações governamentais) não necessitam de validação, mas não há motivo para limitar-se a esse tipo de indicador, uma vez que sua versatilidade é grande. Na etapa de estudos de base, os indicadores permitem descrever, de modo sistemático, a situação que precede a eventual implantação do empreendimento, assim como facilitar a coleta de dados. Na etapa de previsão, auxiliam a descrição da situação futura. Finalmente, para fins de gestão e monitoramento ambiental, deverão justamente ser os parâmetros ou variáveis a ser medidos e acompanhados. O Quadro 10.1 mostra exemplos de indicadores utilizados para descrever a magnitude de aspectos e impactos ambientais identificados em um EIA — note-se que alguns são indicadores absolutos (por exemplo, emissão total), ao passo que outros são relativos a algum nível preexistente.
Quadro 10.1 Exemplos de indicadores para estudo da magnitude de aspectos e impactos ambientais
ASPECTO/IMPACTO |
INDICADORES |
Aumento das taxas de erosão |
Superfície afetada (ha), taxa de perda de solo (t/ha.ano) |
Aumento da carga de sedimentos nos corpos d’água |
Contribuição do empreendimento em relação a outras fontes situadas na mesma sub-bacia hidrográfica |
Alteração da topografia |
Volumes de solo e rocha movimentados (m3) |
Geração de resíduos sólidos |
Massa gerada por classe de resíduo (t/ano) |
Consumo de água |
Consumo mensal (m3/ano), vazão consumida em relação à vazão mínima do rio |
Geração de efluentes líquidos |
Vazão efluente, demanda bioquímica de oxigênio, demanda química de oxigênio, outros |
Geração de ruídos |
Aumento do nível de pressão sonora em relação ao ruído de fundo preexistente |
Geração de material particulado |
Quantidade emitida para a atmosfera em relação a outras fontes na região |
Geração de gases de combustão |
Quantidade emitida para a atmosfera em relação a outras fontes na região |
Perda de áreas de cultura e pastagem |
Superfície afetada em relação às áreas cultivadas no município ou sub-bacia hidrográfica |
Perda de fragmentos de vegetação nativa |
Superfície afetada (ha) |
Aumento do tráfego de caminhões |
Porcentagem de aumento em relação ao volume médio diário de tráfego preexistente |
Aumento da demanda de bens |
Valor das aquisições no mercado local (R$) e serviços |
Geração de impostos e contribuições |
Montante a ser recolhido (R$) |
Criação de postos de trabalho |
Número de postos criados |
Alteração da qualidade do ar |
Concentração ambiental do poluente P1 |
Alteração da qualidade das águas superficiais |
Concentração ambiental do poluente P2, índice de qualidade das águas |
Alteração da qualidade do solo |
Superfície afetada (ha) |
Impacto visual |
Dimensões das áreas visíveis, número de pessoas que potencialmente verão o sítio do projeto |
Diminuição da produção agrícola |
Superfície afetada em relação às áreas cultivadas no município ou sub-bacia hidrográfica |
Incremento nas atividades comerciais |
Massa salarial gasta localmente e montante de aquisições de bens e serviços |
Aumento da arrecadação tributária |
Massa tributária em relação à arrecadação preexistente no município |
Quando o EIA faz distinção entre aspecto e impacto ambiental, pode-se usar indicadores para ambas as categorias, pois geralmente é mais fácil prever ou estimar a magnitude dos aspectos que dos impactos. O Quadro 10.2 traz uma lista parcial de indicadores de aspectos ambientais estimados para um projeto de pequena mineração de bauxita em uma zona rural. Os métodos empregados para as estimativas são comentados na seção 10.3.
Quadro 10.2 Exemplos de indicadores de magnitude de aspectos ambientais
ASPECTO AMBIENTAL |
INDICADOR |
ESTIMATIVA |
Alteração da topografia local |
Volume de material removido |
1.380.000 m3 |
Supressão de áreas de cultura e pastagem |
Área afetada Número de propriedades rurais afetadas |
372.500 m2 23 propriedades |
Reinserção dos terrenos minerados no meio rural |
Área afetada |
372.500 m2 |
Extração de recursos naturais não renováveis |
Quantidade de minério extraída |
1.976.000 t |
Consumo de água |
Volume diário consumido |
100 m3/dia |
Consumo de recursos não renováveis (óleos e combustíveis) |
Volume mensal consumido |
1.900 ℓ/mês de diesel 25 ℓ /mês de lubrificantes |
Geração de efluentes líquidos |
Vazão efluente |
0 m3/dia |
Carreamento de partículas sólidas |
Volume de partículas por unidade de tempo |
~ 0 t/ano |
Emissão de material particulado |
Quantidade emitida por km de estrada |
3 kg/km |
Emissão de gases de combustão |
Quantidade de gases de combustão |
Não estimado |
Vazamento de óleos e combustíveis |
Volume anual |
~0 ℓ/ano |
Geração de resíduos sólidos |
Quantidade gerada |
150 kg /ano |
Geração de resíduos líquidos |
Quantidade gerada |
300 ℓ /ano |
Emissão de ruídos |
Nível máximo de pressão sonora |
71dB(A) a 10 m da operação |
Aumento do tráfego de caminhões |
Número adicional de veículos |
36 veículos/dia (terra) 10 veículos/dia (asfalto) |
Aumento da demanda de bens e serviços |
Dispêndio na aquisição de bens/serviços |
R$ 60.000/mês |
Aumento da massa monetária em circulação local |
Valor pago aos proprietários rurais em decorrência de royalties |
R$ 790.400 (total) |
Geração de impostos |
Volume anual recolhido (1) CFEM Volume anual recolhido ICMS (2) % de aumento da receita local (ICMS) |
R$ 4.050/ano CFEM, R$ 50.300/ano ICMS 41,9 % |
Redução das atividades comerciais |
Valor do minério + royalties |
~ R$ 400.000/ano |
Fonte: Prominer Projetos S/C Ltda., EIA Lavra de Bauxita Cia. Geral de Minas-Alcoa, 2002.
Notas: (1) CFEM (Contribuição Financeira sobre Exploração Mineral), uma taxa específica que incide sobre a mineração; (2) ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços) uma espécie de imposto de valor agregado.
Existe uma grande variedade de ferramentas e procedimentos utilizáveis para a previsão de impactos sobre o meio ambiente. Na verdade, muitas disciplinas científicas buscam desenvolver métodos capazes de antecipar as variações dos fenômenos que estudam, de modo que os métodos e procedimentos dessas disciplinas podem ser empregados em AIA. Cinco grandes categorias de métodos preditivos utilizados nos estudos de impacto ambiental são comentados a seguir. Não existe um método intrinsecamente melhor que os demais. O melhor método é aquele mais adaptado ao problema que se pretende resolver, dentro de seu contexto — por exemplo, um sofisticado modelo matemático que necessite de um grande volume de dados, cuja obtenção é difícil, demorada e cara, será completamente inapropriado se uma aproximação grosseira baseada em experiência prévia ou em analogia sugerir que determinado impacto (por exemplo, alteração da qualidade do ar) será de pequena magnitude e importância. Como nas demais etapas da preparação de um estudo ambiental, os meios empregados devem ser proporcionais ao problema.
Modelos são representações simplificadas da realidade. Busca-se uma aproximação do entendimento de algum fenômeno, por meio da seleção de alguns aspectos mais relevantes, negligenciando, necessariamente, outros aspectos tidos como menos importantes para a análise. Modelos podem ser analógicos (como uma representação em escala reduzida de um estuário ou do relevo), conceituais (descrição qualitativa dos componentes e das relações de um sistema), ou matemáticos, que são representações formalizadas mediante um conjunto de equações matemáticas que descrevem um determinado fenômeno da natureza. Diversos processos ambientais podem ser modelados dessa forma, principalmente fenômenos físicos e, em certa medida, processos ecológicos.
Elaborar esses modelos é uma das tarefas dos cientistas, que assim buscam entender melhor como funcionam os processos naturais. Vários modelos foram desenvolvidos com o objetivo específico de auxiliar no planejamento e na gestão ambiental, como é o caso dos modelos de dispersão de poluentes atmosféricos, que correlacionam emissão de poluentes de uma chaminé ou de outro tipo de fonte, como uma via de tráfego não pavimentada, com fatores meteorológicos como intensidade e direção de ventos e insolação, prevendo as concentrações desses poluentes em vários pontos situados em diferentes distâncias do local de emissão.
No campo da avaliação de impacto ambiental, modelos matemáticos têm sido muito usados no estudo da qualidade do ar, da dispersão de poluentes na água subterrânea ou em águas superficiais, da propagação de ruídos, entre outros. No caso de poluentes atmosféricos, inicialmente são estimadas ou calculadas as emissões das futuras fontes: tais emissões podem ser obtidas por meio de cálculos de balanço de massa do processo industrial ou estimadas a partir de médias estatísticas compiladas em referências bibliográficas específicas, os chamados fatores de emissão1. Em seguida, a dispersão atmosférica dos poluentes é simulada com a ajuda de equações previamente validadas que descrevem o comportamento da pluma de poluição sob diferentes condições meteorológicas (por exemplo, intensidade dos ventos e estabilidade da atmosfera), e desta forma são capazes de prever, para diferentes pontos de coordenadas conhecidas, as futuras concentrações de poluentes. O modelo propriamente dito é esse conjunto de equações. O Quadro 10.3 mostra os fundamentos dos modelos gaussianos de dispersão de poluentes na atmosfera, amplamente utilizados.
Uma vantagem do uso de modelos matemáticos é que diferentes cenários podem ser simulados e o analista pode assim considerar a pior situação possível. Pode também, se dispuser de dados estatisticamente confiáveis, apresentar os resultados sob diferentes formatos: por exemplo, ainda no campo da poluição do ar, o número de dias por ano em que a qualidade do ar ultrapassará certo valor, ou a concentração de determinado poluente que deverá ser ultrapassada durante 5% do tempo. O Quadro 10.4 mostra um exemplo de previsão de qualidade do ar feito para um estudo de impacto ambiental de uma usina termelétrica a gás. No quadro são mostradas as concentrações máximas previstas para cinco pontos de interesse situados na área de influência do empreendimento – para efeitos de comparação são também mostrados os padrões legais para os mesmos poluentes. Os resultados podem também ser apresentados na forma de mapas de isoconcentração para cada um dos principais poluentes. Além disso, tais modelos também permitem que se encontrem os pontos de máxima concentração de poluentes.
Quadro 10.3 Modelos gaussianos de dispersão atmosférica
Durante as décadas de 1960 e 1970, o transporte e a dispersão de poluentes no ar começaram a ser estudados, visando a compreender os processos envolvidos, destacando-se os trabalhos de Pasquill e de Gifford. A dispersão de emissões atmosféricas a partir de uma fonte fixa (chaminé de altura efetiva1 h) pode ser descrita com a equação abaixo, que mostra as concentrações X esperadas do poluente no ponto de coordenadas x, y, z medidas a partir da fonte. O modelo é chamado gaussiano (ou estatístico) porque admite que a concentração máxima se encontra no centro de uma pluma de dispersão de seção elíptica, decaindo segundo uma curva de Gauss (a conhecida curva em forma de sino) do centro para as bordas da pluma. Esta se desloca para jusante segundo a direção do vento e conforme os poluentes vão sendo diluídos, e sua concentração decresce com a distância da fonte emissora. A distribuição da concentração no interior da pluma depende da velocidade do vento µ e das condições de estabilidade da atmosfera, representadas pelos coeficientes de dispersão σy (lateral) e σz (vertical), parâmetros quantitativos que representam condições qualitativas atmosféricas. Esses coeficientes dependem do chamado grau de estabilidade atmosférica, dado por uma combinação entre a velocidade do vento e a insolação ou a cobertura de nuvens, de acordo com classificação proposta por Pasquill em 1971: A – extremamente instável; B – moderadamente instável; C – levemente instável; D – neutra; E – levemente estável; F – moderadamente estável. À maior instabilidade corresponde a maior capacidade de dispersão de poluentes. A transformação dessas condições nos coeficientes de dispersão é feita por gráficos. A equação a seguir expressa a distribuição da concentração de poluentes (Seinfeld, 1978, p. 298): |
Esta equação aplica-se a poluentes inertes, liberados a taxas constantes Q sobre terrenos planos. Condições mais complexas requerem ajustes e, consequentemente, modelos mais sofisticados. Correções são necessárias quando o terreno não é plano, caso em que há maior turbulência atmosférica e, portanto, maior dispersão vertical, e o respectivo coeficiente de dispersão vertical deve assumir outros valores para dar conta dessas características. O mesmo ocorre quando a fonte é situada em um vale, caso em que a dispersão lateral pode ser restringida. Há modelos para fontes lineares (rodovias) e para emissões difusas e fugitivas de áreas abertas. |
Quanto mais complexa a situação, maior o possível erro dos resultados, haja vista que a complexidade da realidade é traduzida no modelo por simplificações ainda maiores. Na aplicação dos modelos, contudo, costuma-se selecionar as situações menos favoráveis em termos de dispersão, o que tende a dar resultados conservadores. Quando as previsões de modelos gaussianos são comparadas com resultados de monitoramento, estes últimos encontram-se frequentemente abaixo das previsões (ERL, 1985, p. 79). Hoje existem modelos mais sofisticados que os gaussianos, que permitem, entre outras operações, computar o perfil vertical de temperatura e velocidade de vento acima da fonte (Elsom, 2001, p.163), mas os modelos gaussianos ainda são bem empregados em estudos de impacto ambiental. |
1 Os gases sobem na vertical a partir da boca da chaminé até uma determinada altura em que a pluma é defletida pelo vento; essa altura é chamada de altura efetiva da chaminé.
Quadro 10.4 Concentrações previstas de poluentes atmosféricos para a área de influência de uma usina termelétrica a gás natural
Fonte: Mineral/Agrar, Estudo de impacto ambiental Usina Termelétrica Riogen Merchant, 2000.
Outro exemplo de modelagem preditiva da qualidade do ar é mostrado no Quadro 10.5, que sintetiza o procedimento empregado no EIA de uma rodovia de seis faixas de rolamento projetada para fazer parte do contorno da cidade de São Paulo, denominada Rodoanel. Nesse caso, a futura qualidade do ar na área de influência da rodovia foi estimada com a ajuda de um modelo gaussiano que, por sua vez, depende de uma informação sobre o tráfego de veículos na rodovia (as fontes de emissão). Como não é possível fazer uma contagem do fluxo de veículos, posto que a via não existia à época de elaboração do EIA, o volume de tráfego foi estimado com a ajuda de outro modelo matemático, usado para previsões de trânsito. Uma das maiores dificuldades da modelagem preditiva em rodovias é “calibrar o modelo de dispersão por meio de um melhor conhecimento dos fatores médios de emissão da frota que efetivamente trafega” (Branco et al., 2003). Em outras palavras, qualquer modelagem requer que se adotem certos parâmetros (no caso, as emissões reais), o que introduz outra fonte de incerteza (de Jongh, 1988) além daquela inerente ao modelo, por ser uma representação simplificada da realidade.
Mais um exemplo de previsão da qualidade do ar fundada em modelagem matemática é mostrado na Fig. 10.3. Na figura, a previsão é apresentada na forma de isolinhas superpostas a um mapa de uso do solo, o que lhe confere grande efeito comunicativo. Trata-se de um projeto de construção de uma nova indústria de fundição de alumínio primário em uma zona industrial e portuária situada na África do Sul, onde já funciona outra unidade da mesma empresa. São representadas as concentrações previstas de fluoretos, um dos principais poluentes nesse tipo de empreendimento. O projeto prevê a emissão total de 351 toneladas anuais de fluoreto, considerando as emissões da indústria existente e as do projeto em análise; o modelo também computou as emissões de uma indústria de fertilizantes existente na mesma zona industrial. O mapa apresenta as médias anuais de concentração de fluoreto, logo não corresponde à situação mais crítica, que, no entanto, também foi simulada. A isolinha de 0,4 μg/m3 representa a diretriz adotada para proteção da vegetação, haja vista que acima desse valor pode ser registrado o amarelamento das bordas das folhas de algumas espécies sensíveis. A isolinha de 1,0 μg/m3 foi adotada como diretriz para áreas industriais e comerciais, nas quais danos à vegetação não são tidos como relevantes. Segundo os resultados da modelagem, para a alternativa de localização F, indicada com essa letra na Fig. 10.3, cerca de 20% da área industrial apresentaria concentrações médias acima desse valor. O padrão ambiental para proteção da saúde humana, segundo o estudo, é de 26 μg/m3.
Quadro 10.5 Modelagem da qualidade do ar em um projeto de rodovia
A previsão dos impactos sobre a qualidade do ar de uma rodovia pode ser exemplificada com o EIA do trecho sul do Rodoanel Metropolitano de São Paulo, uma autopista que contorna a conurbação. Como em outras previsões, há duas etapas, a estimativa das emissões e a modelagem da dispersão. Resumidamente, o procedimento utilizado foi: |
1. Estimativa do número de veículos que compõem a frota registrada nos municípios da Região Metropolitana de São Paulo, de acordo com o ano de fabricação e o combustível utilizado, para os anos 2005, 2010 e 2020. Foram utilizados dados disponíveis no Departamento Estadual de Trânsito e na Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores. |
2. Estimativa da quilometragem média anual percorrida pelos veículos, segundo a idade da frota circulante (admite-se que veículos mais novos circulem mais), usando dados da agência de controle de poluição ambiental Cetesb e da United States Environmental Protection Agency (USEPA)(1). |
3. Estimativa dos fatores de deterioração, que são multiplicadores usados para calcular as emissões (veículos com maior quilometragem acumulada emitem mais poluentes), para os anos 2005, 2010 e 2020. Por exemplo, o fator de deterioração encontrado para emissões de CO em veículos com dez anos de uso é 2,33, enquanto para veículos com um ano de uso esse fator é de 1,19. Os fatores foram calculados com base em fórmulas da USEPA. |
4. Escolha de fatores de emissão (FE) para veículos novos. Os FE indicam as emissões poluentes de um veículo automotor em g/km. Para calcular as emissões esperadas de um veículo, multiplica-se seu FE pela distância percorrida, corrigindo-se o resultado pelo fator de deterioração. Os FE permitem simplificar os cálculos das emissões totais de cada veículo, que dependem, entre outros, da velocidade desenvolvida, da inclinação da pista, da carga do veículo e do modo de conduzir, dependendo também do combustível utilizado. Como a gasolina brasileira tem 22% de álcool e parte da frota é movida com esse combustível, não se pode empregar FE disponíveis em fontes estrangeiras: a Cetesb(2) estabelece FE válidos para o Brasil. Foram usados fatores diferentes de acordo com a idade da frota, pois a regulamentação estabelece metas de redução de emissões para veículos novos, segundo o ano de fabricação(3). Além das emissões de gases de escapamento e de evaporação de combustíveis, foram também estimadas as emissões de material particulado devido aos pneus (ressuspensão de partículas da pista devido à passagem de veículos). Finalmente, foram incorporadas correções devidas à velocidade média dos veículos, que, por se tratar de uma via expressa, são maiores que a velocidade média adotada para a estimativa dos FE, que é de 31,5 km/h. |
5. A estimativa do volume previsto de tráfego foi feita por outro modelo matemático, e a modelagem da qualidade do ar adotou os mesmos valores usados para o projeto rodoviário. |
6. Cálculo das taxas de emissão (em g/dia, a quantidade total de cada poluente emitida em 24 h) para cada segmento de rodovia (o volume de tráfego muda), por meio da multiplicação do volume de tráfego diário pelo comprimento de cada segmento e pelo fator de emissão, corrigido pela velocidade e pela deterioração, tudo ponderado pelo tipo de veículo (leve a álcool, leve a gasolina, pesado a diesel), para os anos 2005, 2010 e 2020. |
7. Seleção de dados meteorológicos para uso no modelo de dispersão. Foram utilizados dados coletados no aeroporto de Congonhas (situado, grosso modo, aproximadamente 20 km do empreendimento) nos anos de 1999 e 2000, com informação de hora em hora. |
8. Cálculo das concentrações futuras com emprego do modelo Industrial Source Complex Short Term 3 – ISCST 3 desenvolvido pela USEPA, adequado para fontes lineares (e também para outros tipos de fontes). O programa combina os dados horários (8.760 horas ao ano) de velocidade do vento, classe de estabilidade atmosférica, temperatura do ar e altura da camada de mistura que resultem na concentração máxima do poluente no nível do solo, ou seja, a pior situação possível resultante dos dados disponíveis. A concentração resultante pode ser expressa em média de 1 h, de 8 h, de 24 h ou anual. |
9. Apresentação dos resultados em tabelas que indicam as maiores concentrações esperadas para cada poluente (NOx, CO, HC, SO2, MP), os pontos em que ocorrem e mapas de pequena escala com curvas de isoconcentração. Foram também apresentadas previsões de concentração em sete pontos de interesse. |
10. Algumas conclusões são (i) redução das emissões totais de poluentes na região metropolitana, decorrente do aumento da velocidade média da frota; (ii) acréscimo de emissões ao longo do traçado, em relação à situação pré-projeto; (iii) a modelagem de dispersão indica concentrações máximas para 2010, decrescendo em 2020, sem ultrapassagem dos padrões de qualidade estabelecidos pela legislação; e (iv) as concentrações máximas localizam-se ao longo do canteiro central da rodovia, caindo cerca de 60% a uma distância de 1 km. |
Fonte: FESPSP, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, EIA Programa Rodoanel Mario Covas. Trecho Sul Modificado. Estudo de Impacto Ambiental, vol. 8, Anexo 4 – Relatório de Avaliação da Qualidade do Ar no Rodoanel Trechos Oeste e Oeste mais Sul, 2004.
(1)USEPA, United States Environmental Protection Agency, Compilation of Air Pollutant Emission Factors – AP 42 – Appendix H – Highway Mobile Source Emission Factor Table, 1995.
(2)Cetesb, Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, Relatório de Qualidade do Ar no Estado de São Paulo 2003, São Paulo, 2004, 132 p.
(3)O Programa de Controle de Emissões de Veículos Automotores (Proconve) foi estabelecido por resolução do Conama de 1986.
Fig. 10.3 Previsão da qualidade do ar no entorno de uma fábrica de alumínio — médias anuais de concentração de fluoreto
Fonte: The Pelican Joint Venture, EIA for a 466,000 tpa Aluminium Smelter in Richards Bay, South Africa. Summary Report. University of Cape Town Environmental Evaluation Unit/CSIR Environmental Services, 1992. Reproduzido com autorização.
A propagação de ruídos é outro campo no qual se dispõe de conhecimento suficiente aplicável em previsão quantitativa de impactos ambientais. Conhecendo-se os níveis de pressão sonora emitidos pelo conjunto de fontes que compõe o empreendimento, relações matemáticas (desde equações simples até funções complexas) permitem que se estude a atenuação dada pela distância, pela existência de barreiras físicas ou por terrenos de diferentes rugosidades (gramados, superfícies asfaltadas etc.). O Quadro 10.6 mostra alguns fundamentos da propagação de ruídos e o Quadro 10.7, um exemplo de previsão de impactos, usando tais equações feitas no EIA de uma usina termelétrica a gás.
As Figs. 10.4 a 10.6 ilustram uma previsão mais sofisticada de impactos sonoros, feita para um empreendimento mineroindustrial. Aqui, foi feita uma simulação da futura situação na área do empreendimento e em seu entorno, considerando a composição de todas as fontes previstas pelo projeto. Esse exemplo também mostra que a previsão quantitativa de impactos não pode prescindir de um detalhamento do projeto de engenharia, no mínimo, compatível com o chamado projeto básico. No caso, é necessário conhecer a relação dos equipamentos emissores de ruído e sua localização dentro da área do empreendimento. Do contrário, o analista deverá assumir uma série de pressupostos que poderão estar bem distantes da realidade do futuro empreendimento.
Quadro 10.6 Conceitos fundamentais sobre propagação de ruído
A pressão sonora é definida como a diferença entre a pressão total quando da passagem da onda sonora e a pressão atmosférica normal ou de referência (P0). O ouvido humano é sensível a pressões acústicas acima de 2.10-5 Pa (Pascal), já que 20 Pa corresponde ao limiar de dano. Como os sons audíveis atingem uma faixa de variação de 106 Pa, utiliza-se uma escala logarítmica, o decibel, para medir o NPS — nível de pressão sonora — L:
, onde a pressão de referência é P0 = 2.10-5 Pa, por convenção internacional.
Essa expressão também pode ser escrita como: L = 20.log (P/P0), e representa o nível de pressão sonora em decibéis (dB).
Os níveis de ruído variam continuamente. A variação pode ser representada com a ajuda de um gráfico da porcentagem do tempo em que o NPS se situa em determinados intervalos. Tal procedimento permite que se determine LX, o NPS que é excedido durante x% do tempo. Valores de L10, L50 e L90 são interpretados como NPS de pico, mediano e de fundo, respectivamente. Assim, L90 é o nível de pressão sonora atingido ou ultrapassado durante 90% do tempo.
Outro conceito utilizado é o nível sonoro equivalente Leq., o NPS constante que tem a mesma energia acústica durante um mesmo período de tempo T. O nível sonoro equivalente é calculado através de uma fórmula baseada no princípio de igual energia:
onde: ti = intervalo de tempo para o qual o nível sonoro permanece dentro dos limites da classe i (expresso em porcentagem do período de tempo), Li = nível de pressão sonora correspondente ao ponto médio da classe.
O Leq é o nível de energia que teria um ruído contínuo estável de mesma duração. Os decibelímetros modernos já fazem a integração e podem fornecer valores de Leq para diferentes períodos de tempo como um minuto, uma hora ou um dia, e permitem, assim, um monitoramento contínuo dos níveis de ruído. As medições de pressão sonora recebem um fator de correção para melhor representar a percepção do ouvido humano, que varia de acordo com a faixa de frequência do ruído. A escala de ponderação “A” é a mais usada. Representa-se essas medidas com o símbolo dB(A).
A intensidade sonora diminui com o quadrado da distância. Todavia, a propagação das ondas sonoras é muito mais complexa do que a simples atenuação devido à distância. Condições topográficas e atmosféricas (vento, temperatura e umidade do ar) afetam bastante a propagação do som. Além disso, o próprio ar absorve parte da energia, principalmente em altas frequências. Além da atenuação pela distância, a natureza do terreno entre a fonte e o receptor pode ter um efeito sobre o NPS medido no receptor; uma superfície dura e reflexiva como concreto ou asfalto pode ocasionar um ligeiro aumento no NPS, enquanto uma superfície rugosa como a grama tem efeito absorvente, assim como vegetação arbustiva e arbórea. Sem levar em conta esses fatores, e considerando somente a atenuação pela distância, utiliza-se a seguinte fórmula para estimá-la a partir de uma fonte pontual:
L2 = L1 - 20.log (d2/d1), onde: d1 = 2 m (ruído na fonte) e L1 = nível de ruído na fonte.
Já o ruído resultante de diversas fontes simultâneas pode ser calculado com a seguinte fórmula:
Ln = 10.log Σ10(Li/10), onde: Li = nível de ruído da fonte i.
Modelos matemáticos para previsão de níveis de ruído utilizam expressões mais sofisticadas que as mostradas e aplicam diferentes fatores de correção para levar em conta as características físicas da área e a frequência do ruído, uma vez que a atenuação é maior nas altas frequências.
Quadro 10.7 Níveis de ruído previstos para a área de influência de uma usina termelétrica a gás natural
PONTOS DE AMOSTRAGEM |
RUÍDO DE FUNDO [DB(A)] |
RUÍDO A SER GERADO PELA USINA |
RUÍDO DE FUNDO + RUÍDO DA USINA |
Empreendimento |
55,7 |
91 |
91,0 |
Escritórios RPBC |
70,0 |
67 |
71,8 |
Vizinhança |
68,0 |
79 |
79,3 |
(av. das Indústrias) |
|||
Vizinhança |
65,9 |
65 |
68,5 |
(portaria RPBC) |
|||
Vizinhança (bairro) |
70,9 |
59 |
71,2 |
Vizinhança (rod. Piaçaguera-Guarujá) |
84,1 |
53 |
84,1 |
Fonte: JP Engenharia, Estudo de Impacto Ambiental Central de Co-geração da Baixada Santista, 2000.
A Fig. 10.4 mostra os resultados do mapeamento de ruído feito para o diagnóstico ambiental da área de estudo, notando-se que as zonas mais ruidosas se encontram na vizinhança da via existente, enquanto os bairros residenciais localizados a sudeste e a nordeste gozam de bom ambiente sonoro. Partindo de resultados de medição obtidos em 31 pontos (procedimento também chamado de monitoramento pré-operacional), de coordenadas conhecidas, distribuídos na área de estudo — distribuição não aleatória, mas feita em função das fontes atuais e futuras e das características físicas do terreno e do uso do solo —, o autor dispôs os pontos em um mapa-base e utilizou um software de interpolação de dados para delimitar as isolinhas.
Fig. 10.4 Mapa da provável distribuição do ruído diurno atual em um local considerado para a implantação de uma mina
Fonte: Schrage (2005).
Por sua vez, as Figs. 10.5 e 10.6 simulam a futura situação com o empreendimento se constituindo em novo foco de emissão. Conhecidos os ruídos de cada uma das fontes e sua distribuição espacial, o autor (Schrage, 2005, p. 57-60) calculou os níveis futuros em cada um dos pontos receptores, observando os fatores que influenciam a propagação das ondas sonoras, como presença de barreiras, a partir de um procedimento recomendado na literatura técnica que considera diferentes fatores de atenuação dependentes da frequência do ruído. A Fig. 10.5 mostra a previsão para a alternativa de mina subterrânea, estudada em um EIA, e a Fig. 10.6, para a alternativa de mina a céu aberto, na qual a distribuição de ruídos é bem diferente. Neste último caso, a simulação considerou a presença de uma barreira física situada entre a área industrial e o bairro situado a sudeste (zona de coloração verde ao norte da estrada), uma medida mitigadora já incorporada à alternativa de projeto — trata-se de uma pilha de terra resultante de terraplenagem. Esse exemplo também ilustra o papel da AIA no planejamento do projeto (seção 4.1). Se não houvesse preocupação com a mitigação de impactos, a pilha não seria projetada. Dentro dessas condições, a etapa de análise dos impactos considera o projeto já com as medidas mitigadoras previstas, o que corresponde ao projeto submetido para aprovação (medidas mitigadoras adicionais podem resultar do EIA ou de outras partes do processo de AIA). No caso desse projeto, uma mina e usina de beneficiamento de nefelina-sienito no Estado do Rio de Janeiro, a obra não foi adiante por razões de viabilidade técnica e econômica, e o EIA não foi apresentado.
Fig. 10.5 Mapa da provável distribuição dos níveis de ruído diurno após a implantação de uma mina subterrânea
Fig. 10.6 Mapa da provável distribuição dos níveis de ruído diurno após a implantação de uma mina a céu aberto
Fonte: Laboratório de Controle Ambiental, Higiene e Segurança na Mineração (Lacasemin, 2004)..
Entre as vantagens da representação em mapa dos níveis futuros de pressão sonora mediante curvas de isorruído estão a rápida localização de pontos de interesse e a facilidade de comunicação com o usuário do EIA. A justaposição do diagnóstico com a previsão, por sua vez, possibilita a imediata visualização das principais mudanças. Assim como outros modelos matemáticos, também aqui é possível simular alternativas de outras situações futuras (por exemplo, com outros equipamentos com ou sem barreira antirruído, ou com aumento de tráfego na rodovia) ou da situação em diferentes horizontes temporais, simulando mudanças que possam ocorrer durante a operação do empreendimento.
Os exemplos dados até agora apresentam duas características desejáveis da previsão de impactos: a intensidade do impacto e sua distribuição espacial. Mas e a distribuição temporal? Um exemplo é apresentado no Quadro 10.8, extraído do EIA de um projeto de construção de uma ferrovia de alta velocidade. Esse estudo identificou todas as fontes de emissão de ruído durante a fase de construção e calculou os níveis de pressão sonora resultantes do funcionamento simultâneo de várias fontes. Como as obras em cada local são temporárias, a alteração do ambiente sonoro é um impacto temporário e as fontes vão “migrando” conforme avança a frente de obra. Tratando-se de construção em meio urbano, esse impacto é significativo, e informações detalhadas sobre duração e localização são de interesse da população afetada. O quadro traz uma amostra de como a informação é apresentada no EIA, com indicação do nível máximo de pressão sonora para cada semana de obra, em cada um dos locais de interesse.
Quadro 10.8 Distribuição temporal do ruído de construção [dB(A)]
Fonte: Aecom Environment. Environmental Impact Assessment of Hong Kong Section of Guangzhou-Shenzhen-Hong Kong Express Rail Link, 2009.
A previsão dos efeitos hidráulicos de uma barragem está entre as principais questões suscitadas por esse tipo de empreendimento, haja vista que a própria função de uma barragem é regular o regime hídrico. Assim, conhecer antecipadamente as variações de vazão de um rio é um dos itens usuais para o EIA correspondente. No caso da barragem de Nangbéto (Fig. 10.7), situada sobre o rio Mono, no Togo, cujo fechamento de comportas ocorreu em julho de 1987, Rossi e Antoine (1990) identificaram e previram os seguintes efeitos hidráulicos e sedimentológicos:
redução do aporte de sedimentos a jusante;
mudanças do traçado do rio a jusante da barragem (perda de meandros);
erosão das margens a jusante;
redução da salinidade do sistema lagunar da foz do rio, afetando cerca de 100 mil pessoas que vivem da pesca (transformação de lagunas reguladas pela maré em lagos de água doce);
elevação de 0,40 m do nível médio do lago Togo.
Os estudos previram as mudanças do regime fortemente sazonal do rio Mono — caracterizado por vazão muito baixa de dezembro a abril, e por um período de águas altas de maio a novembro, com pico em setembro; a barragem regulariza o fluxo, multiplicando por dez a vazão de estiagem e reduzindo cerca de 30% a vazão média de setembro, e suas implicações para a hidroquímica das águas do sistema lagunar.
Fig. 10.7 Vista parcial da barragem e do reservatório de Nangbéto, Togo, que, como todas as barragens, afeta o regime hídrico do rio, ao regular a vazão para garantir produção de eletricidade, reduzindo a variação sazonal, com impactos a jusante
Outro tipo de efeito hidrológico significativo é observado em áreas urbanas muito impermeabilizadas (Fig. 8.18). Para projetos urbanísticos, pode ser necessário prever o impacto da expansão das áreas impermeáveis sobre as vazões de pico dos rios, como exemplificado no Quadro 10.9.
Quadro 10.9 Modelagem hidrológica em um projeto urbanístico
Na avaliação dos impactos de um projeto de urbanização de uma gleba de 1.010 ha localizada na Região Metropolitana de São Paulo, uma questão relevante era sua contribuição para o agravamento do problema das enchentes urbanas. Uma modelagem hidrológica mostrou que a vazão de pico (ou seja, após chuvas intensas) aumentaria em 17% na foz do rio que drena a gleba. Uma modelagem hidrológica mostrou que a vazão de pico, relativa ao hidrograma de cheia, considerando a impermeabilização futura prevista no projeto, seria 17% maior que a vazão atual junto à foz do rio.
Para se chegar a essa previsão, foi usado o software HEC-HMS do Centro de Engenharia Hidrológica do US Army Corps of Engineers, que possibilita a modelagem da relação entre precipitação e vazão por meio de diferentes métodos. Esse programa possibilita a escolha entre vários métodos de cálculo. No caso, foi escolhido o método do hidrograma sintético, recomendado pelo Serviço de Conservação de Solos dos Estados Unidos.
Os principais dados de entrada do modelo são as precipitações e as condições geomorfológicas da bacia hidrográfica estudada, que deve ser dividida em sub-bacias, cada uma com suas características, como cobertura do solo e comprimento do talvegue, entre outras.
É preciso, portanto, conhecer ou estimar a intensidade pluviométrica (mm/h) para diferentes períodos de retorno. Não havendo dados para o local do projeto (situação mais comum), buscaram-se dados de postos pluviométricos existentes na região e analisou-se a pertinência da extrapolação (julgamento profissional). Para fundamentar essa comparação, os dados de precipitações totais anuais (não usados nos cálculos, porém mais comuns que os de chuvas intensas) da estação mais próxima foram comparados com os dados de precipitações totais para as estações que dispunham de dados de intensidade pluviométrica: constatando-se a equivalência dos totais de precipitação, admitiu-se a equivalência das chuvas intensas. Os demais dados de entrada foram obtidos de cartas topográficas em escala 1:10.000. A área de estudo (seção 9.3) é toda a bacia do ribeirão Botujuru, de 2.145 ha, e foi subdividida em onze sub-bacias.
Para calcular a vazão de pico, entre outros procedimentos, é preciso (1) estimar a distribuição da chuva ao longo do tempo (por exemplo, durante os primeiros 20% do período de 2 horas, chove 10% do total, durante os 20% seguintes, 30%, e assim sucessivamente; (2) estimar a vazão em cada sub-bacia, sendo preciso, para isso, adotar coeficientes que representem a rugosidade das calhas fluviais, as velocidades de fluxo da água e o percentual de escoamento superficial; (3) estabelecer um cenário que represente a provável situação futura.
A situação futura da área é aquela com a plena implementação dos loteamentos, dada pela paulatina substituição das coberturas de solo atuais pelas construções. Em seguida, foi considerado o plano urbanístico, que indica os percentuais de ocupação de cada lote, as áreas ocupadas pelo sistema viário, as áreas verdes comuns etc. Assim, para cada sub-bacia foi feita uma ponderação de áreas, de acordo com o tipo de ocupação programado, chegando-se a um coeficiente de escoamento superficial para cada sub-bacia. Entretanto, como a área de estudo é maior que a área do projeto, é preciso assumir hipóteses sobre as mudanças de uso de solo fora da área do empreendimento: como o objetivo do estudo é conhecer a influência do empreendimento, admitiu-se que não haveria mudança nas demais áreas.
O passo seguinte foi a realização de simulações, com duração de chuva variando entre 30 minutos e 4 horas, obtendo-se a vazão de pico de cada sub-bacia e em pontos de interesse na calha do ribeirão Botujuru, para a situação atual e para a situação futura. Comparando-se as duas situações, obteve-se que, na foz do Botojuru, a vazão de pico passaria dos atuais 93,1 m3/s para 108,7 m3/s, um aumento de 17%. Note-se que a vazão de pico sob condições atuais não foi medida e é apenas estimada pelos mesmos métodos usados para estimar a vazão futura.
Por fim, medidas mitigadoras puderam ser propostas (conforme Fig. 10.1). Como o projeto não prevê urbanização da planície de inundação do córrego (o que já havia sido considerado no cálculo da vazão de pico), o EIA propôs que os bueiros a serem instalados transversalmente sob duas ruas projetadas fossem dimensionados de forma a amortizar o pico de cheia, ou seja, reter parte da água a montante, inundando a várzea no interior da gleba e retardando sua chegada à foz.
Fonte: CPEA, EIA Plano Urbanístico da Reserva da Serra do Itapety, Informação Técnica 1190-003, 2011.
Qualquer que seja o campo em que for aplicada a modelagem em avaliação de impacto ambiental, é fundamental compreender que a participação de um especialista é muito importante. Existem hoje muitos modelos disponíveis, até softwares gratuitos, mas a escolha do modelo mais adequado, a obtenção dos dados para alimentá-lo, e principalmente a interpretação dos resultados, raramente podem prescindir de um especialista.
Ainda na década de 1980, de Broissia (1986) mapeou o uso de modelos matemáticos em AIA no Canadá e verificou seu emprego em dispersão de poluentes do ar, hidrologia e hidrodinâmica, qualidade da água superficial, águas subterrâneas, erosão e sedimentação, vazamentos de petróleo e derivados e risco ambiental. Não deve surpreender a constatação de que se trata sempre de questões atinentes ao meio físico.
O uso de modelos para previsão ainda hoje se restringe, basicamente, ao meio físico. Analisando 38 EIAs feitos em quatro países da Europa, Gontier, Balfors e Mörtberg (2006) observam que, embora tenha havido muitos avanços no campo da modelagem ecológica, estes se deram fundamentalmente no âmbito da pesquisa científica, e ainda não há métodos bem estabelecidos para quantificar e prever impactos sobre a biodiversidade decorrentes da perda e fragmentação de hábitats.
Antes de optar pelo uso de um modelo matemático na preparação de um EIA deve-se também ter em mente que modelos sempre requerem mais informação — e informação confiável e de qualidade —, o que se traduz em custo e necessidade de pessoal capacitado, mas não necessariamente significa informação adequada para a tomada de decisões. A informação necessária geralmente se desdobra em informação sobre o projeto e sobre o ambiente afetado. O projeto nem sempre está definido com suficiente detalhe na preparação do EIA. Quanto às informações sobre o ambiente afetado, a serem obtidas durante a etapa de diagnóstico ambiental, nem sempre são suficientes para alimentar o modelo. Há casos em que é necessário conhecer a variabilidade natural dos parâmetros de entrada, como nos modelos de dispersão atmosférica, que fornecerão melhores resultados se os dados formarem uma série histórica e forem locais, duas condições frequentemente ausentes e que podem ser contornadas (i) com dados de períodos curtos de tempo (menos de um ano); (ii) com dados de outro local, assumidos como válidos para o ponto de interesse; e (iii) por simulação, que introduz outra fonte de incerteza. Os riscos e os benefícios dessas extrapolações devem ser estimados em cada caso.
Outra maneira de fazer previsões de impactos é por comparação com situações semelhantes e extrapolação para o caso em análise, levando em conta semelhanças e diferenças entre a situação existente e aquela que é objeto de previsão.
Diferentes enfoques podem ser utilizados para extrapolações, como (i) ensaios em escala-piloto (efluentes industriais), (ii) ensaios in situ desenvolvidos em condições similares (vibrações em uma pedreira) e (iii) analogia com casos similares, mantendo-se a proporcionalidade entre ação e efeito (comparando empreendimentos similares, porém de porte diferente). Em todos os casos, é importante estabelecer, ainda que de modo qualitativo, os limites e a confiança em tais previsões.
O caso das vibrações engendradas pelo desmonte de rocha com explosivos em minerações ou obras de construção civil ilustra o uso de extrapolações a partir de ensaios de campo in situ. Por meio da detonação de uma carga explosiva (Fig. 10.8), ondas de choque propagam-se pelo maciço rochoso e promovem a fragmentação da rocha, que é o efeito desejado. Porém, energia em excesso, sempre presente na detonação, propaga-se pela rocha na forma de ondas elásticas, similares às ondas de som propagando-se pelo ar. Essas vibrações podem causar danos a residências e outras construções, dependendo de sua intensidade. Os indicadores que melhor expressam o fenômeno são (i) a velocidade de vibração, também chamada velocidade de partícula, que expressa a velocidade de movimento vertical de uma partícula imaginária na passagem de uma onda elástica e (ii) a frequência do movimento vibratório. Ambos dependem, entre outros fatores, da distância do local da detonação e das características geológicas do maciço rochoso em que se propagam as vibrações. Não há um modelo universal que permita prever as vibrações se for conhecida a carga de explosivos e a distância, devido justamente a fatores locais ditados pela geologia. No entanto, há certas similaridades entre a propagação de ondas em maciços constituídos pelo mesmo tipo de rocha, de modo que estudos realizados em um local podem, em certa medida, ser extrapolados para outros. Assim, pode-se ir a uma mina em atividade e realizar medições de vibrações, correlacionando esses dados com a quantidade de explosivo detonada e a distância entre a detonação e o local de medição, levantando-se uma equação de propagação que, a princípio, só é válida para aquele local, mas que pode, dentro de certos limites, ser extrapolada para outros sítios de características comparáveis. Essa equação pode assim ser utilizada para prever as futuras vibrações na mina em projeto, cujos impactos são analisados.
Fig. 10.8 Detonação de explosivos para desmonte de rocha em uma mina
Extrapolações a partir de situações análogas têm múltiplas aplicações para prever impactos nos meios físico, biótico e antrópico. Certas extrapolações podem ser muito confiáveis. Por exemplo, na análise de um novo projeto industrial, estimativas de geração de resíduos, de número de empregos diretos e indiretos, de volume de compras nos mercados local e regional, entre outras, podem ser feitas a partir de empreendimentos similares, especialmente se houver um empreendimento similar da mesma empresa, quando se pode razoavelmente assumir que seus procedimentos de gestão serão similares ou idênticos. Diversos valores numéricos que constam do Quadro 10.2 foram obtidos pelo emprego desse procedimento para estimar quantitativamente aspectos ambientais.
Procedimento semelhante pode ser usado para estimar aspectos ambientais a partir de dados de projeto, como no Quadro 10.10, que mostra um exemplo de projeções de aspectos ambientais para um projeto de implantação de um loteamento residencial de alto padrão.
Quadro 10.10 Exemplos de projeção de magnitude de aspectos ambientais por extrapolação
Fonte: Elaborado a partir de dados apresentados em JGP Consultoria e Participações Ltda. Estudo de Impacto Ambiental, Loteamento Alphaville Santana, 2003.
Comparação com casos semelhantes e extrapolação é também um método que muitas vezes é usado pelo público ou por ONGs para criticar projetos ou para apresentar argumentos contrários. Com base em experiência pessoal ou observação e análise de casos semelhantes, impactos podem ser identificados e previstos, com conclusões que podem diferir das projeções governamentais ou dos proponentes.
Um exemplo sofisticado de extrapolação a partir de situações análogas é dado pela discussão sobre os efeitos da abertura, melhoria e pavimentação de rodovias na Amazônia, cujos principais impactos são indiretos e estão relacionados ao acesso proporcionado a novas áreas de expansão da fronteira agrícola. No final dos anos 1990, um programa do governo federal brasileiro denominado “Avança Brasil” pretendia implantar vários projetos de infraestrutura, que incluíam diversas rodovias.
Pesquisadores de um conjunto de instituições previram o aumento das taxas de desmatamento atribuíveis aos novos projetos por meio de extrapolação a partir do observado em rodovias existentes. Laurance et al. (2001a) usaram o seguinte procedimento:
sobreposição da rede de rodovias amazônicas existentes em 1995 a imagens do satélite Landsat de 1992; as principais rodovias, como Belém-Brasília e Cuiabá-Porto Velho (BR-364), haviam sido construídas entre 15 e 25 anos antes;
delimitação de cinco “zonas de degradação”, a distâncias de 0 a 10, 11 a 25, 26 a 50, 51 a 75 e 76 a 100 km de cada lado das rodovias;
estimativa da perda de floresta primária em cada uma dessas zonas, usando a imagem (outras formas de vegetação não foram consideradas);
a degradação das florestas foi dividida em quatro classes: alta, moderada, baixa e sem alteração;
montagem de dois cenários futuros, “otimista” e “não otimista”; neste, uma hipótese é que rodovias pavimentadas criam uma faixa de 50 km de largura de floresta altamente degradada de cada lado, contra uma faixa de 25 km no cenário otimista, enquanto rodovias não pavimentadas criam uma faixa de 25 km de largura no cenário “não otimista” e de 10 km no “otimista”; procedimento semelhante foi usado para outras obras de infraestrutura incluída no programa (dutos, linhas de transmissão, hidrovias e hidrelétricas); os cenários foram montados com base na análise do impacto das rodovias já existentes, que constatou que a rede de estradas vicinais, não planejada, chegava a mais de 200 km de distância de rodovias pavimentadas (área de influência);
organização dos dados em um sistema de informações geográficas contendo oito camadas (layers): (i) cobertura florestal atual e rede hidrográfica (imagem); (ii) rodovias atuais; (iii) rodovias planejadas; (iv) outra infraestrutura existente; (v) infraestrutura planejada; (vi) vulnerabilidade florestal ao fogo (três classes de vulnerabilidade); (vii) atividade de extração florestal e mineral; (viii) unidades de conservação;
previsão de desmatamento futuro para cada cenário, considerando a influência dos novos projetos;
previsão da situação futura para cada cenário sem a presença dos novos projetos.
Assim, o método consistiu, essencialmente em (1) modelar o desmatamento passado associado às rodovias; (2) montar dois cenários de situação futura; (3) montar um banco de dados georreferenciado; e (4) extrapolar as tendências do passado. O método foi criticado pelo coordenador do programa (Silveira, 2001), com base nas exigências atuais de licenciamento ambiental, inexistentes quando da abertura das primeiras rodovias, e que invalidariam a extrapolação, entre outros argumentos. A réplica dos autores (Laurance et al, 2001b) observa que as taxas anuais de desmatamento continuam “alarmantes”, a fiscalização é ineficaz e “a situação não mudou fundamentalmente”.
A crescente conscientização acerca dos impactos ambientais e socioeconômicos dos grandes hipermercados suburbanos nos Estados Unidos fornece um exemplo de uso da previsão de impactos por parte de ONGs e pesquisadores no contexto de debates públicos sobre o desenvolvimento local e o ambiente urbano. Esse tipo de estabelecimento comercial é contestado por promover o espraiamento urbano, estimular o uso do automóvel, destruir o pequeno comércio local e pagar baixos salários, entre outras críticas.
Um estudo retrospectivo constatou uma baixa do nível de emprego entre 2 e 4% e uma redução de 3,5% na renda média dos assalariados em cada condado2 dos Estados Unidos, onde a rede Wal-Mart abriu uma loja. Isso se deve ao fato da empresa pagar salários mais baixos que a média do setor varejista, o que leva a uma redução da renda média das comunidades onde se implanta, uma vez que toda abertura de um novo hipermercado leva ao fechamento de outros estabelecimentos comerciais (Neumark et al., 2005). Outros dados, também dos Estados Unidos, indicam que o efeito multiplicador de um grande estabelecimento comercial sobre a economia local é na verdade um efeito redutor: enquanto, na média americana, o comércio local faz 53% de suas compras no âmbito estadual, essa rede despende apenas 14%. Por motivos como esses, a opinião pública às vezes mostra-se contrária à abertura de novas lojas da rede, como ocorreu em Inglewood, um subúrbio de Los Angeles, Califórnia, onde um plebiscito reprovou a abertura de uma nova loja, e na própria Los Angeles, onde uma lei municipal de 2004 condiciona a instalação de hipermercados a uma análise de impacto econômico (Wood, 2004). Outros plebiscitos já haviam impedido a instalação de lojas da rede durante os anos 1990 (Esteves, 2006).
Dados oriundos de estudos retrospectivos também são usados para prever os impactos de novos projetos. Usando dados de produtividade do trabalho (volume de vendas por empregado), que no caso do Wal-Mart é 51% superior ao índice dos pequenos negócios, economistas da Universidade de Chicago (Mehta et al., 2004) analisaram o provável impacto sobre o comércio local da abertura de um novo hipermercado nessa cidade e previram que, para 250 empregos que seriam criados com a nova loja, seriam perdidos 318 empregos diretos existentes e 11 indiretos.
Da mesma forma que o uso de modelagem para previsão de impactos requer cuidados, também a extrapolação a partir de casos análogos, seja ela usada pelo proponente do projeto e seus consultores ou por eventuais opositores e seus consultores, demanda atenção e uma consideração cuidadosa das semelhanças e distinções entre o problema em análise e os análogos que servirão de fonte para extrapolação.
Pode-se desenvolver estudos experimentais com vistas à previsão de alguns impactos. Por exemplo, ensaios de laboratório permitirão conhecer as características de permeabilidade de um maciço rochoso ou de solo, para o estudo da dispersão de poluente no solo e na água subterrânea. Tal abordagem pode ser útil para prever os impactos decorrentes da implantação de um aterro sanitário, no qual a possibilidade de contaminação da água subterrânea a partir de líquidos percolados é um dos principais impactos. Por intermédio de procedimentos padronizados, coletam-se amostras de solo e rocha do local em que se pretende implantar o empreendimento; ensaios de laboratório, também padronizados, determinam a permeabilidade desses materiais, ou seja, sua capacidade de transmitir — ou reter — água ou um soluto, dada pela velocidade de dispersão no meio. Pode-se assim calcular o tempo que a pluma contaminante resultante de um eventual vazamento tardará para atingir o lençol freático.
Sabe-se que qualquer extrapolação de dados obtidos em laboratório para uma situação real requer cautela e a análise criteriosa de um especialista, como, aliás, qualquer que seja o método de previsão de impactos. O procedimento do parágrafo anterior pode ser usado para calibrar um modelo matemático: ao alimentá-lo com dados locais e não obtidos na literatura (muitas vezes incorporados ao modelo como default), esperam-se resultados mais exatos.
Certos impactos ambientais podem ser simulados em computador, como o impacto visual de uma rodovia, uma linha de transmissão de energia elétrica, uma indústria ou uma mina. Para isso é feito um modelo digital do terreno (uma representação em três dimensões) e simula-se a vista que um observador hipotético teria se o empreendimento fosse implantado, podendo-se também determinar o campo de influência visual de uma futura obra.
Além de identificar as “bacias visuais”, técnicas de computação gráfica e de realidade virtual permitem analisar alternativas de traçado de estruturas lineares (como linhas de transmissão) e simular barreiras visuais (Schofield e Cox, 2005). Mas a simulação dos impactos visuais pode também ser feita com o auxílio de simples cartas topográficas, sobre as quais pode-se indicar os pontos ou as áreas em que o empreendimento será visível.
Os mapas temáticos frequentemente preparados durante os estudos de base têm uma série de aplicações em análise de impactos ambientais, servindo, por exemplo, como ferramentas para quantificar impactos sobre o uso do solo ou sobre fragmentos de vegetação: tendo-se mapeado os tipos de vegetação existentes na área de influência de um empreendimento, pode-se calcular as áreas afetadas (como áreas a serem desmatadas) para diferentes alternativas de projeto, conforme exemplificado no Quadro 10.11. Neste exemplo hipotético, a alternativa B é aquela que tem menor influência sobre as formações vegetais de maior valor ecológico, que são a floresta primária e a secundária em estágio avançado de regeneração. Morris e Emberton (2001, p. 274) sugerem que se o diagnóstico ambiental abrangeu o levantamento de populações de determinadas espécies de fauna ou de flora, então é também possível estimar perdas diretas de indivíduos dessas espécies em razão das áreas afetadas.
Modelos em escala reduzida podem também ser empregados para simular certos impactos. Por exemplo, pode-se construir modelos físicos de uma zona litorânea para estudar os processos erosivos decorrentes de intervenções como dragagem ou construção de um quebra-mar, ou ainda a construção de uma barragem em um rio, que reterá os sedimentos que alimentam um estuário. Na atualidade, tais modelos são usados em conjugação com modelos digitais.
Quadro 10.11 Área de vegetação afetada por um projeto hipotético
TIPO DE FORMAÇÃO |
ÁREA AFETADA (HECTARES) |
||
ALTERNATIVA A |
ALTERNATIVA B |
ALTERNATIVA C |
|
Floresta primária |
25,2 |
15,4 |
44,0 |
Floresta secundária em estágio avançado |
18,4 |
14,2 |
25,4 |
Floresta secundária em estágio médio |
42,9 |
55,2 |
- |
Pasto |
260,0 |
325,0 |
223,0 |
Cultura temporária |
95,0 |
31,7 |
149,1 |
É ainda possível realizar certos experimentos em verdadeira grandeza para análise de impactos. Assim, um grande amplificador e uma caixa acústica podem emitir ruídos simulando as condições operacionais de uma indústria e, utilizando-se um aparelho de medida (decibelímetro), pode-se verificar os níveis de pressão sonora reais resultantes em diferentes pontos das imediações. Diferentemente da modelagem preditiva, tem-se, aqui, um método de simulação analógico.
De maneira similar, o impacto visual de uma estrutura pode ser simulado inflando-se um grande balão e erguendo-o até a altura de um edifício ou de uma chaminé de uma futura fábrica, de modo a possibilitar a identificação dos locais de onde tal objeto seria visível.
Este método pouco formalizado de realizar previsões de impacto baseia-se na capacidade de certos especialistas emitirem estimativas sobre a probabilidade de ocorrência, a extensão espacial e temporal, e mesmo a magnitude de certos impactos ambientais. As opiniões são expressas com base na experiência e conhecimento dos cientistas e podem, eventualmente, ser formalizadas com a ajuda de um sistema-especialista, um programa de computador que sistematiza o conhecimento em um determinado ramo do saber e permite, supostamente, a reprodutibilidade dos resultados.
Modelos conceituais, ou seja, aqueles que não empregam parâmetros mensuráveis, mas explicam determinada situação a partir de sua descrição e contextualização, podem ser utilizados por especialistas de algumas disciplinas para auxiliar na previsão de impactos. Por exemplo, em arqueologia, modelos preditivos desse tipo têm sido usados para identificar o potencial de existência de recursos arqueológicos em uma dada área, com base no conhecimento prévio de dados arqueológicos e não arqueológicos (Kipnis, 1996).
Outra técnica utilizada em alguns estudos de impacto é a de reunir um grupo de experts para opinar sobre o problema. Evidentemente, a escolha dos especialistas é o fator crítico para o uso dessa abordagem e requer não somente um profundo conhecimento dos processos biofísicos ou sociais envolvidos, mas também um bom conhecimento do tipo de ambiente afetado, além de um adequado entendimento dos objetivos e das limitações de um estudo de impacto ambiental. Infelizmente, este último requisito não é comumente encontrado.
Nesta, assim como nas demais situações de previsão de impactos, o papel do coordenador dos estudos é fundamental, no sentido de formular perguntas precisas e comunicar claramente ao especialista os objetivos do estudo em curso. Qualquer que seja o método utilizado para obter as opiniões dos especialistas, as razões que fundamentam a opinião de cada um e as hipóteses assumidas devem ser clara e detalhadamente descritas.
É comum encontrar nos EIAs diferentes tipos de previsões, que podem ser agrupadas em quatro classes: (i) previsões formais; (ii) previsões baseadas na experiência de profissionais; (iii) extrapolações a partir de casos conhecidos; e … (iv) puras suposições, estas infelizmente demasiado comuns. As previsões formais, usualmente derivadas de modelos matemáticos, não são necessariamente melhores que as previsões feitas por outros métodos. Esses modelos devem ser validados e calibrados para as condições locais e costumam requerer grandes quantidades de informações para produzir resultados confiáveis. Se a calibração não for feita adequadamente e se os dados de entrada não forem suficientes, os resultados serão pobres. Como se diz no jargão da modelagem, garbage in, garbage out, ou seja, se entra lixo, sai lixo. As extrapolações, evidentemente, devem ser cuidadosas, às vezes quase todas as condições parecem semelhantes, mas uma pequena diferença pode significar a inaplicabilidade dos resultados de um lugar em outro. As suposições e especulações são, naturalmente, coisas a evitar, mas às vezes elas aparecem “disfarçadas” em opiniões de experts; nesses casos, raramente as afirmações são justificadas, simplesmente “surgem” no meio do EIA sem conexão com o restante do texto.
Todas as previsões têm certa margem de incerteza associada. O ideal seria que as previsões quantitativas dos EIAs viessem acompanhadas de uma estimativa da margem de erro, o que é possível algumas vezes em que se empregue modelagem. Um problema é que muitos usuários dos EIAs não estão preparados para compreender a noção de incerteza e não estão familiarizados com conceitos probabilísticos (conforme seção 12.6).
Em uma situação ideal, “as previsões de impacto deveriam ser verificáveis, isto é, deveriam ser livres de ambiguidades e colocadas como hipóteses que pudessem ser testadas com um plano apropriado de estudo. Assim, uma análise preditiva deveria esforçar-se em incluir detalhes quantificados da magnitude dos impactos, duração e distribuição espacial” (Beanlands e Duinker, 1983). Durante muitos anos, a literatura sobre AIA deu grande importância à previsão, que chegou a ser vista como a principal função de um EIA. Porém, estudos retrospectivos realizados em diversos países, muitas vezes chamados de auditoria de EIAs ou auditoria de AIA (expressão hoje em desuso), buscaram comparar as previsões feitas nos EIAs com os impactos reais, observados por meio de programas de monitoramento. De um modo geral, esses estudos chegaram a conclusões parecidas:
muitas previsões não são passíveis de verificação por serem formuladas em termos vagos;
muitas previsões não são passíveis de verificação devido a monitoramento insuficiente;
os projetos efetivamente implantados não correspondem exatamente àqueles descritos no EIA, de modo que muitos de seus impactos tampouco poderiam ser idênticos àqueles previstos.
Os dois primeiros pontos acima indicam impossibilidade de lograr o objetivo de comparar o observado com o previsto, seja porque não se sabe exatamente o que foi previsto (o primeiro caso), seja porque não há observações adequadas para permitir a comparação desejada (o segundo caso). As duas situações refletem deficiências na condução do processo de AIA: no primeiro caso, deficiências do EIA (e de sua análise técnica) e no segundo, deficiências na etapa pós-aprovação.
Já o terceiro ponto reflete um problema muito comum de ordem prática, que são as mudanças de projeto. Ainda que as legislações em geral requeiram que mudanças importantes de projeto sejam comunicadas ao órgão regulador, tais mudanças raramente ensejariam um novo EIA. Quando os EIAs são preparados, quase sempre o projeto técnico ainda não foi definido em detalhe (felizmente, pois em caso contrário dificilmente o processo de AIA poderia contribuir para o planejamento do projeto); muitas vezes, os detalhes somente são definidos quando começa a implantação, e eles podem influenciar os impactos reais.
Em sua revisão sobre o estado da arte da AIA no Canadá, Beanlands e Duinker (1983, p. 56) constataram que menos de metade dos EIAs traziam “previsões reconhecíveis”. Dentre os estudos retrospectivos, pode-se citar o de Bisset (1984b), feito para quatro projetos na Grã-Bretanha, cujos EIAs traziam, em conjunto, nada menos que 791 previsões. Destas, apenas 77 puderam ser verificadas (“auditadas”), das quais o estudo constatou que 55 estavam “provavelmente corretas”.
Um dos estudos mais detalhados é o de Buckley (1991a, 1991b), feito na Austrália. Foram analisadas 181 previsões selecionadas que o autor considerou verificáveis após analisar centenas de EIAs. A maioria das previsões era ligada à emissão de poluentes ou à sua concentração ambiente. Os dados de monitoramento indicaram que os impactos reais foram menos severos para 131 previsões (72%), e mais severos para 50 previsões (28%). O autor também concluiu que os estudos continham poucas previsões testáveis, e que eles muitas vezes se limitavam a identificar questões.
Culhane (1985) estudou uma amostra de 29 EIAs feitos nos Estados Unidos, contendo 1.105 previsões. Destas, cerca de 24% eram quantitativas, 11% previsões de que não haveria impacto (o que não deixa de ser uma previsão quantitativa) e 65% previsões não quantificadas; mas as previsões eram muitas vezes “confusamente vagas” (p. 374).
Culhane et al. (1987) analisaram as previsões de uma amostra de 146 EIAs preparados nos EUA, escolhidos por sorteio de um universo de 10.475 EIAs e chegaram a conclusões relativamente positivas. Dentre as principais, destacam-se aqui:
a maioria das previsões indica a direção correta do impacto (isto é, se o EIA previu deterioração da qualidade da água, o monitoramento constatou deterioração, independente da magnitude estar ou não correta);
somente três impactos não foram “explicitamente antecipados” (p. 229), enquanto cinco outros foram tão subestimados que não podem ser considerados como “apropriadamente antecipados”;
poucas previsões foram “claramente erradas” ou “demonstravelmente inconsistentes”, se bem que em diversos casos isso se deva a previsões demasiadamente vagas (p. 253).
Esses estudos trataram, principalmente, de previsões quantitativas. O monitoramento ou, ocasionalmente, a simples observação, pode constatar impactos não previstos no EIA, que vão requerer medidas mitigadoras que também não puderam ser apresentadas nem inseridas nas exigências da licença ambiental. A rigor, seria mais correto, nesses casos, falar de impactos não identificados em vez de impactos não previstos, mas este último termo é mais usado. Naturalmente, um impacto não identificado (não descrito) não pode ser previsto (ter informada sua magnitude) nem avaliado (ter discutida sua significância). Culhane et al. (1987, p. 229) defendem o ponto de vista de que é mais grave a falta de identificação de um impacto do que a incorreta previsão de sua magnitude, uma vez que um impacto não identificado pode nem mesmo ser notado “simplesmente porque ninguém está olhando para ele” e não receberá mitigação.
No Brasil, Prado Filho e Souza (2004) analisaram uma amostra de oito EIAs preparados para projetos de mineração em uma região do Estado de Minas Gerais, nos quais foi identificado um total de 256 impactos. Os autores constataram que a “previsão” de impactos “se fez quase que exclusivamente de maneira qualitativa, exceto para alguns impactos como a ocupação de áreas por barragens de rejeitos, as áreas a serem desmatadas nos domínios dos empreendimentos (…)” (p. 86), e alguns outros diretamente relacionados às características dos projetos.
Muitos EIAs podem não identificar impactos triviais, deliberada ou inadvertidamente. Isso não é importante quando se trata de impactos triviais ou insignificantes, mas é grave quando são impactos significativos. A não identificação de impactos significativos pode ocorrer por dois motivos principais: (i) deficiências de organização ou de coordenação do EIA e (ii) insuficiência de conhecimento acerca dos processos ambientais ou acerca das interações entre o projeto e o meio.
Um exemplo do primeiro tipo é a geração de drenagem ácida de rocha observada durante a construção da usina hidrelétrica de Irapé, no vale do rio Jequitinhonha, Minas Gerais (2002-2006). Drenagem ácida é um problema ambiental que ocorre quando se escava, se brita ou se mói rochas que contenham sulfetos — dos quais o mais comum é o sulfeto de ferro FeS2 ou pirita. Expostos ao contato com água e ar, os sulfetos se oxidam, e as águas meteóricas que entram em contato com a rocha se tornam ácidas, podendo apresentar pH da ordem de 2 a 2,5 (Fig. 10.9). Esse fenômeno é comum em minas, ocorrendo também em obras de construção civil, e pode ser previsto. A previsão é feita a partir de coleta de dados de campo (amostras de rocha) e ensaios de laboratório (colunas monitoradas que simulam a ação da água sobre fragmentos de rocha) realizados durante meses, tempo compatível com um EIA bem planejado. O EIA do projeto, realizado em 1993, não identificou tal impacto, que tampouco foi apontado durante a fase de análise técnica. O problema somente foi detectado durante as obras, ensejando o estudo do processo gerador de ácido e a busca de medidas corretivas depois de iniciada a construção, o que sempre acarreta custos maiores que os incorridos se um programa de prevenção fosse implementado (Gaspar et al., 2005).
Fig. 10.9 Pilha de rocha geradora de ácido, devido à presença de sulfetos. Mina de urânio de Caldas, Minas Gerais, um dos muitos locais onde o impacto não foi previsto quando da preparação do projeto
Outro exemplo de impacto não identificado e não previsto por deficiência do EIA ocorreu durante a construção da pista descendente da rodovia dos Imigrantes (1999-2002). Trata-se da deterioração da qualidade das águas superficiais devido à drenagem dos túneis em construção. O único impacto previsto havia sido a alteração da qualidade das águas devido à presença de partículas sólidas na mesma; consequentemente, a medida mitigadora foi a instalação de bacias de decantação para retenção de sedimentos, limpas periodicamente. No entanto, o grande volume de água que percola pelo maciço rochoso, ao entrar em contato com o concreto usado para revestir os túneis, dissolveu os carbonatos do cimento, transformando a drenagem em alcalina, para a qual a simples decantação não faz efeito. Ao ser lançada nos córregos, com outras características químicas, a drenagem dos túneis ocasionou a precipitação de uma crosta carbonática sobre os blocos rochosos do leito. Em diversos túneis rodoviários, esse problema não havia sido constatado, mas aqui ensejou uma ação judicial e o embargo da obra durante um dia, até que o empreendedor e o consórcio construtor se comprometeram em usar uma solução mitigadora, que foi a construção expedita de estações de tratamento de efluentes, para onde eram conduzidas todas as águas de drenagem dos túneis; os lodos resultantes foram transportados para os depósitos de material excedente da obra (Sánchez e Gallardo, 2005).
Um exemplo de falta de previsão de impacto devido à insuficiência de conhecimento é ilustrado por alguns reservatórios hidrelétricos construídos no norte do Canadá e na Escandinávia, onde se verificou um incremento nos níveis de mercúrio presentes em peixes da ordem de cinco a seis vezes em relação aos níveis pré-enchimento (Tremblay et al., 1993, p. 45). Mercúrio contido nas rochas subjacentes à bacia hidrográfica ou transportado por via aérea a partir de fontes industriais ou naturais fica armazenado na forma metálica (Hg0) em solos e sedimentos (Fig. 10.10), porém é transformado em complexos organometálicos pela ação de bactérias (Verdon et al., 1992, p. 68), sendo o metilmercúrio (CH3Hg+) o mais comum deles. Nesta forma orgânica, o mercúrio fica bastante disponível para os seres vivos, acumulando-se na cadeia alimentar — os peixes carnívoros tendem a concentrar maiores quantidades do metal. O consumo humano de peixes contaminados significa, portanto, risco crônico à saúde. Descobriu-se que a taxa de metilação do mercúrio aumenta com a presença de matéria orgânica facilmente biodegradável, o que ocorre nos reservatórios setentrionais que inundam áreas com abundância de diversos tipos de matéria orgânica (Tremblay et al., 1993, p. 10-14). Assim, sem aumentar o aporte de mercúrio, a inundação desses terrenos acelera o processo de metilação do metal (processo que também ocorre em ambientes naturais, como lagos e rios), ao submeter grandes quantidades de matéria orgânica à ação intensa de bactérias, tornando o metal disponível para os peixes, que se transformam em fator de risco para a saúde humana. São afetados o próprio reservatório e o rio a jusante.
Fig. 10.10 Vista da região da baía James nas proximidades da barragem La Grande 2, com grande quantidade de lagos naturais, turfeiras e grande acúmulo de matéria orgânica biodegradável
Fig. 10.11 Evolução temporal dos teores de mercúrio nos tecidos de lúcio (Esox lucius) (grand brochet, northern pike) após enchimento do reservatório La Grande 2, Quebec, Canadá, de acordo com três classes de tamanho dos peixes
Fonte: Comité de la Baie James sur le Mercure, 1992. Reproduzido com autorização
Por meio de programas de monitoramento ambiental, descobriu-se que nos reservatórios do norte do Quebec o processo regredia conforme os estoques de mercúrio diminuíam (Verdon et al., 1991). A Fig. 10.11 mostra dados agregados do monitoramento de mercúrio em duas espécies de peixe, uma delas com concentrações sistematicamente acima da norma canadense para consumo humano, de 0,5 mg/kg. Os dados mostram um rápido acréscimo do conteúdo em mercúrio após o fechamento das comportas, em 1978, e que os peixes de menor tamanho (mais jovens) mostram redução progressiva de mercúrio, indicando desaceleração do processo de metilação. Verdon et al. (1991) estudaram vários reservatórios situados no escudo canadense e avaliaram que pode demorar entre vinte e trinta anos para a concentração de mercúrio em peixes retornar aos níveis precedentes ao enchimento dos reservatórios. Entretanto, uma ampla revisão bibliográfica preparada durante os estudos ambientais de outro grande projeto hidrelétrico na região sustenta que os dados da literatura são inconclusivos acerca da duração do fenômeno, podendo variar entre cinco e 150 anos (Tremblay et al., 1993, p. 49).
Tanto a modelagem como a extrapolação podem resultar em erros de previsão por motivos intrínsecos (isto é, não relacionados às diferenças entre o projeto analisado no EIA e aquele efetivamente implantado). Extrapolação de evidências empíricas foi usada para prever impactos sobre a qualidade das águas de uma mina de fluorita, denominada Montroc, na França. Era um projeto de ampliação de uma mina existente, que funcionava nas proximidades de outra de menor porte. Como o monitoramento nunca detectara níveis de flúor acima do permitido no corpo receptor, o EIA da ampliação da mina assumiu que o mesmo sucederia. O EIA afirma textualmente que “desde a abertura da mina o descarte de águas superficiais na represa de Rassisse não causou nenhum problema particular; a ampliação da cava não modificará em nada o estado atual”, para reafirmar, mais adiante, que “as águas de drenagem manterão a mesma qualidade que aquelas atualmente bombeadas”; ademais, o estudo confirma que uma medida mitigadora proposta (uma canaleta perimetral para interceptar as águas de escoamento superficial) “implica que não haverá nenhuma alteração da qualidade das águas que chegam ao reservatório” situado a jusante, usado para abastecimento público3.
Declaradamente, a extrapolação fundamentou essas previsões que podem ser entendidas como previsões quantitativas (mudança nula). No entanto, depois de ampliada a nova mina, o programa de monitoramento detectou elevados níveis de metais na água do rio e do reservatório (Sánchez, 1993b, p. 262). Em seis anos, as concentrações de flúor das águas de descarte subiram de valores abaixo de 1 mg/ℓ para valores da ordem de 30 mg/ℓ, enquanto as águas da represa apresentavam concentrações de flúor superiores ao padrão de 1,7 mg/ℓ. Ademais, ferro, cobre e manganês dos efluentes tinham concentrações de uma a duas ordens de grandeza acima da permitida (Sánchez, 1989, p. 120-127). Ocorre que a geologia das duas minas não era similar; havia sulfetos nos estéreis da nova mina, que lentamente foram acidificando as águas de drenagem e mobilizando flúor e outros metais que, como se sabe, são mais solúveis em águas ácidas. A solução foi construir uma estação de tratamento de águas ácidas.
No exemplo anterior, um diagnóstico ambiental insuficiente (deveria ter sido caracterizada a geologia e a mineralogia das rochas a serem escavadas), ele mesmo derivado da falta de scoping (a qualidade das águas não foi considerada um problema, o EIA dedica espaço bem maior aos impactos sobre a paisagem), resultou em erros de previsão de impactos, que, por sua vez, redundaram na necessidade de medidas mitigadoras adicionais, não programadas, e cujo custo, por conseguinte, não foi levado em conta na análise de viabilidade econômica do projeto. Fica clara, desta forma, a inter-relação entre as etapas do planejamento e da execução de um EIA (Fig. 7.1): deficiências em uma etapa repercutem sobre as demais.
As dificuldades de prever impactos e as incertezas de previsão são inerentes ao processo de AIA. Daí a importância das medidas de gestão ambiental e da fase de acompanhamento do processo, capazes de detectar impactos não previstos e alertar para a necessidade de medidas corretivas. Por outro lado, as previsões, mesmo incertas, contribuem para a definição dos programas de gestão.
É inegável que conhecer a magnitude dos futuros impactos ambientais auxilia na interpretação de sua importância, mas a previsão de impactos é um meio, não uma finalidade do EIA, cujo objetivo não é prever impactos mas analisar a viabilidade de um projeto e reduzir a magnitude e a importância dos impactos adversos. Neste ponto, deve-se relembrar que uma das tarefas da avaliação de impactos é comparar alternativas; as técnicas de previsão, se aplicadas de maneira consistente, também contribuem para tal finalidade, ao possibilitar, com base nos mesmos métodos e critérios, a visualização da situação futura sob diferentes alternativas.
Mas se toda previsão de impactos é, em maior ou menor grau, incerta, como comunicar a incerteza aos tomadores de decisão e aos leitores do EIA (conforme Cap. 14)? Particularmente quando se utilizam modelos matemáticos, o leitor não técnico pode ter a (falsa) impressão de que as previsões apresentadas no EIA são perfeitamente críveis, quando podem não passar de uma possibilidade dentre tantas. Os Quadros 10.5 e 10.9 trazem algumas indicações de que hipóteses sempre têm que ser assumidas quando se fazem previsões, e que os resultados poderiam ser diferentes - em maior ou menor grau - se outras hipóteses tivessem sido admitidas.
Um estudo de Tennøy et al. (2006) tratou de 22 EIAs na Noruega, analisando previsões de impacto sobre tráfego, água subterrânea e qualidade do ar, e constatou que, embora as incertezas preditivas fossem mencionadas (em diferentes graus) na maioria dos estudos especializados, em apenas 40% dos EIAs essas incertezas eram reconhecidas e, portanto, comunicadas ao público e aos tomadores de decisão. Os autores concluíram que: (i) as previsões aparentam ser mais seguras do que realmente são e (ii) os métodos de previsão não são transparentes. Assim, fica prejudicada a função do EIA de “propiciar um melhor entendimento das consequências de uma decisão” (p. 55). A solução, segundo os autores, seria comunicar as incertezas e dar mais transparência às previsões, deixando-as claras nos EIAs.
Por meio da previsão de impactos, procura-se descrever a provável situação futura em caso de implantação do projeto. Uma previsão de impactos ideal deveria: (i) estimar a magnitude ou intensidade dos impactos, mediante o uso de indicadores, quando apropriado; (ii) determinar a distribuição espacial de cada impacto, estabelecendo sua área de influência e a variação da intensidade do impacto dentro dessa área, utilizando escala apropriada de mapeamento; (iii) determinar a duração ou a distribuição temporal de cada impacto; e (iv) informar claramente as hipóteses adotadas para cada previsão e as incertezas associadas.
Outras qualidades poderiam ser acrescidas à lista acima - como apresentar com clareza a distribuição social dos impactos -, mas o grau de sofisticação das previsões deve ser planejado de acordo com as necessidades, desde a fase de scoping. Previsão de impactos é um meio, não uma finalidade. O objetivo da AIA não é prever impactos. Seus objetivos são contribuir para o planejamento do projeto, evitando ou reduzindo impactos adversos, e analisar a viabilidade de um projeto.
Uma adequada previsão de impactos não é necessariamente a mais sofisticada, detalhada ou acurada. Suas funções devem ser entendidas como integradas às demais tarefas de preparação de um EIA. Assim, estimar a magnitude dos futuros impactos ambientais e determinar sua provável distribuição temporal, espacial e social auxiliam na interpretação de importância de cada impacto (a tarefa seguinte de análise de impactos) e na formulação de medidas de gestão (a tarefa subsequente) (Fig. 10.1).
Embora as modelagens tenham uso cada vez mais difundido - e possam contribuir para melhorar as previsões -, é importante estar atento às premissas utilizadas, hipóteses assumidas e qualidade dos dados utilizados, variáveis das quais dependem os resultados. Previsões são sempre incertas, característica que deveria ser reconhecida tanto pelos técnicos que elaboram os EIAs como pelos que os analisam.
Já a área de influência - conceito tão mal compreendido - somente pode ser determinada como conclusão da previsão de impactos. Se ela é a área geográfica na qual são detectáveis os impactos de um projeto, então não poderá ser estabelecida de antemão (antes de iniciarem-se os estudos), exceto como hipótese a ser verificada. Assim, uma modelagem da qualidade do ar ou da propagação de ruídos poderá dizer até onde poderão ser detectados os efeitos do projeto. Mas, tratando-se de uma previsão, somente poderá ser confirmada ou negada mediante um plano adequado de monitoramento ambiental, o qual estabelecerá sua real área de influência (desde que o monitoramento seja capaz de discernir as modificações causadas por ele daquelas que têm outras causas).
Se cada impacto é detectável em certa área, então um mesmo projeto terá distintas áreas de influência, e a área de influência total corresponderá à soma das áreas de influência parciais. Entretanto, isso nada diz sobre a importância dos impactos. Uma fábrica de cimento tem impacto sobre o clima global, pois emite CO2, mas seus impactos locais sobre a qualidade do ar podem ser mais significativos. O tamanho da área de influência não é necessariamente um indicativo da importância do impacto ambiental.
1Os fatores de emissão compilados e periodicamente revistos pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos são referência internacional.
2Condado corresponde a uma unidade administrativa equivalente a município.
3BRGM, Sogerem, Étude d´Impact sur l´Environnement de l´Extension de la Mine à Ciel Ouvert de Montroc (Tarn), 1981.