A TOMADA DE DECISÃO NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL

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Ao longo do processo de avaliação de impacto ambiental, várias decisões são tomadas por diferentes protagonistas. Há decisões acerca das alternativas de projeto, do alcance e profundidade dos estudos, das medidas mitigadoras e compensatórias, das modalidades e do alcance das consultas públicas etc. Mas a principal decisão diz respeito à aprovação do projeto em análise e às condições para sua implementação. Assim, configura-se “uma sucessão de decisões parciais que conduzem a uma tomada final de decisão” (André et al., 2003, p. 158).

Algumas decisões são tomadas basicamente pelo proponente (que, frequentemente, é auxiliado por um consultor), como aquelas relativas à formulação de alternativas e escolha entre elas. Outras resultam da interação entre o proponente, seu consultor e a autoridade reguladora, às vezes incluindo o público, como os termos de referência para a condução de um EIA. Durante a realização dos estudos, tomam-se várias decisões sobre a necessidade de medidas mitigadoras ou acerca de modificações de projeto que possam reduzir a magnitude ou a importância dos impactos adversos. Essa, aliás, é uma das partes mais ricas do processo de avaliação de impactos, na qual a AIA é usada como auxiliar no planejamento de projetos, mas ela muitas vezes se dá no âmbito privado, em reuniões, discussões (e mesmo disputas) entre o proponente, o projetista e o consultor ambiental, e somente os resultados vão a público por intermédio do EIA.

Outras decisões decorrem ainda de negociação com as partes interessadas, como programas de compensação ou certas medidas mitigadoras. Contudo, a decisão mais importante é tomada ao final do processo: a aceitação ou a recusa do projeto. Na verdade, essas duas alternativas extremas são raras, e na situação mais usual as questões a serem decididas dizem respeito às condições para a realização do projeto. Em certos casos, tais condições podem ser tão severas que implicam custos elevados e levam à desistência do projeto. Em seu exame comparativo de procedimentos de AIA em diversos países desenvolvidos, Wood (1995, p. 183) notou, a respeito do balanço entre objetivos de proteção ambiental e benefícios econômicos e sociais que norteia a maioria das decisões, que “é provável (…) que os tomadores de decisão tendam a aprovar a ação, a menos que haja razões politicamente avassaladoras para recusá-la, mas negociem melhorias nos benefícios e maior mitigação dos impactos negativos”.

Finalmente, não se pode esquecer que outras decisões são tomadas após a aprovação do projeto, durante sua implantação e, posteriormente, na fase de funcionamento. Os resultados do monitoramento ambiental e dos programas de acompanhamento podem levar a novas modificações de projeto ou à necessidade de novas medidas mitigadoras, caso sejam detectados impactos significativos não previstos.

Trata-se, portanto, de decisões múltiplas e sequenciais, em que se sobressai a decisão sobre a aprovação do projeto.

17.1 MODALIDADES DE PROCESSOS DECISÓRIOS

O poder decisório acerca dos empreendimentos sujeitos ao processo de AIA varia entre uma jurisdição e outra. Há locais em que a decisão compete a uma autoridade ambiental; em outros, a competência é de uma autoridade setorial — autoridade cuja competência abarca um setor da atividade econômica, por exemplo, o setor energético, o setor florestal ou, ainda, uma autoridade de planejamento territorial, como é o caso do Reino Unido. Há ainda as jurisdições nas quais as decisões são formalmente tomadas por instâncias governamentais que congregam diferentes interesses, como conselhos de ministros. Qualquer que seja a modalidade, a decisão é tomada diretamente por representantes políticos (ministros) ou é delegada a altos funcionários indicados politicamente. Para dar maior credibilidade ao processo, alguns países, como Holanda e Canadá, entregam a análise do EIA e a consulta pública a organismos independentes, cujos integrantes têm autonomia e mandatos fixos, sendo inamovíveis durante o mandato.

O tomador de decisão político certamente não irá ler a totalidade do estudo de impacto ambiental, seus anexos e documentos complementares. Sua decisão será baseada em informações prestadas por assessores e eventualmente em pressões políticas visando promover interesses quase sempre contraditórios (conforme seção 14.1).

Na verdade, embora a formalidade do processo decisório seja sem dúvida importante para a eficácia do processo de AIA, o mais relevante é seu aspecto substantivo. Dito em outras palavras, a questão-chave é se as conclusões da AIA são realmente refletidas nas decisões tomadas. Muitos autores apontam essa questão como central, por exemplo, Lee (2000b) aponta as evidências de fraca integração dos resultados do processo de AIA às decisões tomadas, particularmente nos países menos desenvolvidos, ao passo que Wood (2008) reporta que pesquisas indicam que “a prática da AIA não necessariamente muda a direção final da decisão” (no sentido de aprovação da proposta), mas “as informações geradas durante o processo influenciam decisões relativas à mitigação e alternativas de projeto”.

O CASO AMERICANO

O caso americano é sempre uma referência nos estudos sobre AIA, devido ao pioneirismo da National Environmental Policy Act (Nepa). Segundo essa lei, são as agências do governo federal as responsáveis pela condução do processo de AIA e também as responsáveis pela tomada de decisão1. Estas podem ser as próprias promotoras do projeto (principalmente obras públicas), provedoras de fundos ou financiadoras (por exemplo, para a construção de conjuntos habitacionais), ou podem ter atribuição de autorizar projetos privados, em virtude de outras leis. Assim, em muitos casos, o tomador de decisões é o próprio interessado na aprovação e execução do projeto ou programa, característica que propicia severas críticas à lei americana, vista como exercendo “influência limitada sobre as decisões” (Ortolano, 1997, p. 325).

Nos EUA, a Agência de Proteção Ambiental (EPA — Environmental Protection Agency) tem função de analisar todos os EIAs e emitir um parecer, mas não tem poder decisório nem de veto. O Conselho de Qualidade Ambiental (seção 2.1) pode ser acionado em caso de discordância da EPA ou de qualquer outra agência federal, mas seus pareceres tampouco são compulsórios. Entretanto, quando ocorre discordância intragovernamental, a própria ameaça de levar o caso para aquele Conselho tem sido um estímulo para que se chegue a um acordo (Wood, 1995).

Mesmo assim, a Nepa parece ter tido significativa influência sobre a maneira como os projetos são formulados, e principalmente sobre a transparência do processo decisório, dado o caráter público dos documentos que integram o processo de AIA, as oportunidades de consulta e manifestação públicas, e o controle judicial exercido pelos tribunais, com sua interpretação muito estrita de que todos os procedimentos estabelecidos pela Nepa devam ser rigorosamente cumpridos (Kennedy, 1984).

O procedimento americano é essencialmente de autoavaliação, cabendo a decisão às agências setoriais ou responsáveis pela gestão de terras públicas. No caso de projetos privados, os proponentes submetem seus projetos e seus estudos, mas é a agência que o autoriza que tem a obrigação legal de preparar o EIA e submetê-lo à consulta pública. São os dispositivos legais que asseguram transparência e a possibilidade de controle do público, de controle judicial e de controle administrativo, exercido por outras agências, os que dão coerência ao processo. A regulamentação do CEQ sobre os estudos de impacto ambiental de 1978 contribuiu para essa coerência, ao estipular a obrigatoriedade de publicação de um registro de decisão (Record Of Decision — ROD), documento público no qual a agência que conduz o processo (lead agency) deve explicitar as razões de sua decisão, apresentar as medidas mitigadoras e o programa de monitoramento que serão adotados. Entretanto, formalmente “uma agência federal pode legalmente ignorar a oposição à sua proposta, da parte de outras agências federais, estados, municípios e o público” (Greenberg, 2012).

O CASO CANADENSE

O processo federal canadense de AIA, reformado em 2012, atribui o poder decisório a quatro diferentes entidades, segundo o tipo de projeto: a Comissão Canadense de Segurança Nuclear, a Agência Nacional de Energia, uma autoridade federal que exerça poder de regulação e possa realizar audiências públicas e a Agência Canadense de Avaliação Ambiental. Na maior parte dos casos, a decisão é tomada no âmbito de cada “autoridade responsável”, mas somente após cumprido todo o procedimento estabelecido pela lei e seu regulamento e depois de observadas as provisões de consulta pública. É interessante notar que a lei se aplica a toda a administração federal, incluindo os ministérios com competências ambientais, como o Ministério de Parques Nacionais e o Ministério do Meio Ambiente, cujas ações, evidentemente, também podem ter impactos adversos significativos. A Agência Canadense de Avaliação Ambiental (ACAA) deve ser notificada de todo procedimento executado em observância da lei, e tem a atribuição de manter um registro público de todas as avaliações ambientais. Naturalmente, os projetos privados também estão sujeitos ao processo, bastando para isso que necessitem de uma autorização federal ou demandem fundos federais.

Segundo a lei canadense, uma decisão somente pode ser tomada após o término da avaliação ambiental (Art. 13). A decisão quanto à execução do projeto é tomada pela autoridade responsável (Art. 37), “levando em conta a aplicação das medidas mitigadoras”. O projeto poderá ser aprovado no âmbito da autoridade responsável se “não for provável que cause efeitos ambientais adversos significativos” ou mesmo “se puder causar efeitos ambientais adversos significativos que possam ser justificados nas circunstâncias”. Em todos os casos, a autoridade responsável deve assegurar que as medidas mitigadoras sejam aplicadas.

O ministro de Meio Ambiente tem um papel importante em iniciativas de impacto potencial significativo. Nesses casos, após análise da ACAA, o ministro decide se devolve o processo para a autoridade responsável (para possível implementação) ou se é necessário um exame mais cuidadoso, por meio de uma comissão (panel review) ou um mediador. Nessa hipótese, a ACAA estabelece os termos de referência para a comissão (ou para o mediador), e o ministro designa os membros da comissão ou escolhe um mediador2. Concluídos os trabalhos, a comissão ou o mediador preparam um relatório público contendo recomendações, que a autoridade responsável, aliás, não é obrigada a acatar. Em caso de desacordo, porém, o assunto é levado para uma decisão no âmbito do Conselho de Ministros (cabinet) (Wood, 1995).

O CASO HOLANDÊS

Também nos Países Baixos, a autoridade competente para tomar decisões em matéria ambiental pode ser o proponente do projeto (caso de obras públicas), mas uma decisão provisória é frequentemente modificada como resultado das recomendações da Comissão de Avaliação de Impacto Ambiental e da participação do público (Wood, 1995).

Essa comissão, independente e permanente, é um dos traços marcantes do procedimento holandês. Ela é consultada para a preparação dos termos de referência e para a análise técnica do EIA, mas não tem poder decisório, que é sempre da autoridade competente. Entretanto, sua independência é uma garantia de credibilidade e de “transparência do processo decisório”, no entendimento de uma outra comissão, temporária, o comitê de avaliação dos resultados do processo de AIA (Evaluation Committee, 1996). A atuação da Comissão de AIA é vista como trazendo resultados concretos em termos de “melhoria da qualidade da informação usada na AIA, valorização do conteúdo científico, redução de parcialidade e realce da importância da AIA para o processo decisório” (Idem).

A Comissão de Avaliação de Impacto Ambiental atua com um grupo de comissários e uma secretaria executiva que congrega pessoal técnico e administrativo; para realizar seu trabalho, também utiliza os serviços de consultores externos3. Seu papel no processo de AIA é o de fazer recomendações quanto aos termos de referência dos EIAs e de analisar esses estudos, após a análise feita pela autoridade competente. Assim, somente depois que o EIA é tido como aceitável pela autoridade que detém o poder de decisão é que será encaminhado para nova apreciação da Comissão. A lei determina que a autoridade competente é “obrigada a incorporar as conclusões do EIA e do parecer da Comissão” (Wood, 1995, p. 189).

Os relatórios da Comissão são públicos e contêm recomendações quanto à aceitabilidade do EIA como fundamento para a tomada de decisão. Para cada análise é montado um grupo de trabalho, que frequentemente inclui consultores externos e cuja composição é submetida à autoridade competente, que tem o direito de fazer objeções quanto à composição do grupo, “caso tenha boas razões para duvidar de sua imparcialidade” (Ceia, 2002b). A Comissão também atua em projetos de cooperação internacional nos quais o governo holandês seja doador.

17.2 MODELO DECISÓRIO NO BRASIL

A legislação brasileira atribui inequívoco poder de decisão aos órgãos ambientais. O licenciamento ambiental é sempre feito por um órgão governamental (federal, estadual ou municipal) integrante do Sisnama — Sistema Nacional do Meio Ambiente, introduzido pela Lei nº 6.938/81, da Política Nacional do Meio Ambiente. A avaliação de impacto ambiental está integrada ao licenciamento e cabe àquele que licencia decidir pelo tipo de estudo ambiental necessário, estabelecer seus procedimentos internos (respeitadas as normas gerais estabelecidas pela União) e seus critérios de tomada de decisão.

A decisão pode ser tomada diretamente pelo órgão licenciador, como ocorre com o licenciamento federal (Ibama) e em certos Estados, ou por colegiados que contam com representantes de diferentes segmentos da sociedade civil, além de representantes governamentais — os conselhos de meio ambiente. Esta última modalidade é usada em alguns Estados, como São Paulo, Bahia e Minas Gerais, e por diversos municípios.

A decisão mediante colegiados significa a busca de um certo consentimento por parte da sociedade, representada nesses conselhos por organizações não governamentais ambientalistas, associações profissionais, associações empresariais e outras representações. Embora o parecer resultante da análise técnica realizada pela equipe de analistas do órgão ambiental possa prevalecer como fundamento da decisão, os conselheiros podem impor ou negociar condições adicionais para a licença, ou podem, ocasionalmente, divergir do parecer técnico. Por exemplo, em julho de 1994, ao discutir um projeto de implantação de uma pedreira no município de Barueri, situado na região metropolitana de São Paulo, proposta para um local designado como zona de exploração mineral no plano diretor municipal, os conselheiros do Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente), pela primeira vez, votaram contra um parecer favorável preparado pela equipe técnica da Secretaria do Meio Ambiente.

A vinculação da AIA ao licenciamento ambiental confere grande poder aos órgãos governamentais encarregados da proteção ambiental. Com efeito, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, ao atribuir a tarefa de licenciamento primordialmente aos Estados (conforme seção 3.2), obrigou aqueles que não dispunham de órgãos ambientais a se aparelharem, criando novas instituições ou adaptando organismos já existentes.

Nesse contexto, a função dos estudos ambientais é principalmente a de demonstrar a viabilidade ambiental do projeto em análise, supondo que a viabilidade econômica e a exequibilidade técnica tenham sido comprovadas ou sejam decisões tomadas exclusivamente na esfera privada. Não é raro, todavia, principalmente para projetos públicos, que a viabilidade econômica ou a própria utilidade pública do projeto seja contestada por intermédio do processo de AIA. Tal processo muitas vezes se transforma no locus de um debate público sobre a viabilidade e a sustentabilidade, vistas sob enfoques múltiplos (sociais, econômicos, políticos, culturais). Por exemplo, o projeto de melhoria das condições de navegação na hidrovia Paraguai-Paraná foi duramente criticado não só por seus prováveis impactos sobre o Pantanal, mas também por sua viabilidade econômica (Cebrac/ICV/WWF, 1994), seus custos ambientais (Bucher e Huzsar, 1995) e a severidade dos impactos socioambientais (Bucher et al., 1994). Também o projeto de transposição das águas do rio São Francisco para bacias do semiárido nordestino foi criticado não apenas por seus impactos ambientais, mas também com base em sua (in)viabilidade econômica (Silva et al., 2005).

17.3 DECISÃO TÉCNICA OU POLÍTICA?

Há uma percepção recorrente em certos círculos de que as decisões baseadas no processo de AIA seriam muitas vezes tomadas por motivações políticas em vez de serem baseadas em critérios técnicos. Assim, empresários frequentemente reclamam que os interesses que se manifestam com maior visibilidade em audiências públicas ou aqueles mais “ruidosos” pesam mais na decisão, enquanto associações da sociedade civil desconfiam que o poder econômico das corporações é muito mais influente que a pressão popular. Quando há uma disputa polarizada, envolvendo um campo nitidamente contrário a um projeto em oposição a outro campo favorável, parece inevitável que o perdedor lamente que seus argumentos — indiscutivelmente razoáveis — tenham sido preteridos por razões “políticas”. Até que ponto há fundamentação em tais queixas? As decisões devem ser tomadas exclusivamente com base em informações técnicas apresentadas nos estudos ambientais? Devem ser baseadas em considerações políticas? É preciso clarificar o sentido desses termos para entender o processo decisório.

Nesta seção, a análise ficará restrita à decisão pública, tomada ao final do processo de AIA, de autorizar ou não a iniciativa proposta. No caso, um agente público é investido do poder decisório, e está obrigado a observar todos os princípios que norteiam a gestão pública, como a impessoalidade e a moralidade. Ademais, sua decisão estará sujeita ao controle exercido no âmbito da administração pública, até ao controle judicial. Assim, toda decisão deve ser devidamente motivada e fundamentada. Em matéria ambiental, o poder público deve também observar outros princípios, como o da precaução e o da prevenção.

Poucos duvidam que a decisão deva ser racional, mas raramente há acordo sobre os princípios e critérios que devam norteá-la. Fundamenta-se em uma racionalidade econômica ou ecológica? Deve-se privilegiar os benefícios de curto prazo em detrimento dos custos de longo prazo? Questões de natureza ética — como os direitos das futuras gerações — devem ser consideradas? (Pearce, 1983).

Para Godelier (1983, p. 114),

a racionalidade intencional do comportamento econômico dos membros de uma sociedade se inscreve (…) sempre em uma racionalidade fundamental, não intencional, da estrutura hierarquizada das relações sociais que caracterizam essa sociedade. Não há, portanto, uma racionalidade econômica ‘em si’, nem, de forma definitiva, ‘modelo’ de racionalidade econômica.

O autor usa uma perspectiva antropológica para relativizar as escolhas racionais da sociedade, argumentando que toda racionalidade é socialmente determinada.

Em tal contexto, as decisões têm intrínseca e inevitavelmente um caráter político, no sentido de que afetam ou modificam o status quo. Um novo projeto que acarrete impactos significativos necessariamente irá mudar uma situação preexistente e, portanto, afetar interesses. Haverá setores, grupos ou pessoas que se beneficiarão com a nova situação, ao passo que outros serão prejudicados, e isso necessariamente implica uma decisão política — toda redistribuição é uma decisão política.

Embora o termo “decisão política” seja desconfortável para muitos profissionais que têm formação técnica ou científica — como é o caso da maioria daqueles que preparam os estudos de impacto ambiental e dos que elaboram os projetos de engenharia —, não deve ser assimilado a uma política partidária ou a alguma “politicagem” de interesses mesquinhos e imediatistas, embora esses aspectos às vezes se apresentem nas decisões. Mesmo a subjetividade da AIA ou de partes do EIA, tão deplorada por muitos técnicos e cientistas naturais, e que é vista como “inevitável” pela maioria dos autores, aparece, para alguns, como uma característica desejável (Wilkins, 2003).

Wiklund (2005) entende que o processo de AIA tem grande potencial de fortalecer um “estilo decisório deliberativo”, entendido como um diálogo não coercitivo que permite legitimar as decisões, ao possibilitar que os cidadãos tenham suas opiniões ouvidas e consideradas, o que envolve “buscas coletivas de interesses comuns e negociação entre interesses privados conflituosos” (p. 284). De fato, o processo de AIA possibilita que os conflitos, as demandas e as reivindicações ganhem visibilidade e ressonância na esfera pública, no sentido atribuído por Habermas (1984), o de um espaço público político acessível aos argumentos e ao uso público da razão, em que se torna possível “uma política deliberativa” (Wiklund, 2005). É disso que efetivamente se trata quando se deve tomar decisões sobre projetos que causem impactos significativos, nas quais os ônus e os benefícios são desigualmente distribuídos, até entre gerações presentes e futuras.

Outros autores têm caracterizado a AIA como uma ferramenta ou como um processo deliberativo que tem potencial de melhorar o processo decisório em matéria ambiental (Petts, 2000), ou ainda como um “fórum que promove o discurso” (Wilkins, 2003), o que, por sua vez, é tido como um “procedimento deliberativo ideal” (Wiklund, 2005).

Os conceitos de deliberação e de democracia deliberativa são empregados por esses autores com uma conotação mais restrita que o uso vernáculo do verbo deliberar4. Considerando que conflito e desacordo são inerentes à democracia e que têm como causa não apenas interesses econômicos ou pessoais, mas também razões de natureza moral, Gutmann e Thompson (1996, p. 52) afirmam que “a disposição de buscar razões mutuamente justificáveis exprime o coração do processo deliberativo”. De acordo com Wiklund (2005), os diversos modelos de democracia deliberativa (um dos quais o de Habermas) têm em comum a ênfase na importância da “voz” ou do discurso, instrumento por excelência de construção de consensos e da busca de soluções socialmente aceitáveis. No entanto, alguns empresários, dirigentes de empresas e gestores públicos têm muita dificuldade em compreender ou admitir que a oposição a seus projetos possa ter algum fundamento ético ou moral, sempre desconfiando que os opositores estejam a “serviço de interesses escusos e não declarados”, que busquem uma autopromoção que lhes possa render, posteriormente, alguma vantagem pessoal, ou mesmo que ajam a soldo de concorrentes.

Não se trata de uma visão ingênua ou idealizada de que os cidadãos passam a ter um poder real de influenciar as decisões por meio do processo de AIA, tampouco de atribuir ao cidadão e à sociedade civil o lugar de um “macrossujeito”, mas, como aponta Habermas (1997), quando problemas relevantes são identificados e debatidos na esfera pública, os cidadãos “podem assumir um papel surpreendentemente ativo e pleno de conseqüências”. Se a capacidade dos cidadãos de influenciar a decisão pode ser limitada, não se pode negar sua capacidade de reorientar os processos de tomada de decisão no âmbito da avaliação de impacto ambiental. Muitas dificuldades e limitações são amplamente reconhecidas e regularmente reportadas e discutidas na literatura (conforme seção 16.4) — algumas serão retomadas na próxima seção —, mas é notável que são muitas as ocasiões em que o potencial da AIA de produzir melhores decisões se realiza. É estudando esses casos que se pode identificar as condições que contribuem para o sucesso e a eficácia do processo de AIA, de modo a tentar reproduzi-las para novos casos.

17.4 NEGOCIAÇÃO

Se há conflito, deve haver negociação ou, pelo menos, diálogo em torno das divergências. A negociação é uma característica inerente ao processo de AIA, aliás, é uma das funções da AIA (Sánchez, 1995a). Há negociação entre consultor e proponente, e entre ambos e projetista, acerca de características de projeto, como localização e arranjo físico das instalações (layout), alternativas de mitigação, alternativas tecnológicas, possibilidades técnicas e custos para se evitar certos impactos e muitos outros tópicos. Tais negociações raramente transparecem para os demais envolvidos no processo de AIA, não são feitas na esfera pública, mas podem ter grande influência sobre a viabilidade ambiental do empreendimento.

Há, também, negociação entre proponente e consultor com o órgão gestor do processo de AIA, com relação aos termos de referência do estudo e, em certa medida, muitas vezes pode haver negociação acerca das complementações necessárias para a completa análise da viabilidade do projeto. Nesse âmbito, também costumam ocorrer negociações sobre mitigação e compensação, e pode haver negociação sobre alternativas e modificações de projeto que possam resultar em ganhos ambientais, trazendo para o âmbito governamental discussões que antes se davam somente na esfera privada.

Negociar, indubitavelmente, faz parte do relacionamento humano, no âmbito pessoal, interpessoal, social e político; mas as negociações em torno de conflitos ambientais tendem a ser especialmente difíceis, pois tais conflitos são, muitas vezes, de maior complexidade que os oriundos de outras fontes. Bingham (1989, p. 21) aponta as seguintes particularidades dos conflitos ambientais:

  envolvem múltiplas partes;

  envolvem organizações, não indivíduos;

  envolvem questões múltiplas;

  a “solução” de uma das questões de forma individual pode dificultar a “solução” das demais;

  as questões em jogo requerem conhecimentos técnicos e científicos;

  muitas vezes não há consenso entre técnicos e cientistas sobre a interpretação das questões em jogo;

  as partes têm acesso desigual à informação técnica e científica;

  as partes têm acesso desigual à decodificação da informação técnica e científica.

Além dessas características, as controvérsias de ordem ambiental não poucas vezes envolvem conflitos de valor ou objeções de cunho moral (Crowfoot e Wondolleck, 1990). O único rio livre (sem barramentos) de uma região deveria ser represado? Deveria ser mantido em estado selvagem para deleite das futuras gerações ou para pesquisas em ciências naturais? Deveria ser permitida a extração de minério em uma região particularmente rica em termos de biodiversidade?

No caso de Kakadu, na Austrália (Fig. 1.1), onde pontos de vista econômicos, ambientais e culturais estavam em conflito, uma pesquisa revelou que os australianos estavam dispostos a pagar para que não houvesse novos empreendimentos de mineração na zona de amortecimento do Parque Nacional, que acabou sendo incorporada ao parque5.

NEGOCIAÇÃO DIRETA

Ainda que intrínseca ao processo de AIA, a negociação nem sempre é explícita (ou formal), e poucas vezes é estruturada com vistas a atingir uma solução aceitável para as partes em conflito. As condições comumente apontadas para o início de uma negociação formal são:

  definição clara do conflito;

  que as partes estejam dispostas e prontas para negociar;

  que as partes sejam interdependentes, ou que nenhuma delas possa, unilateralmente, atingir seus objetivos.

Gorczynski (1991) entende que há permanente negociação ambiental, mas nem sempre de caráter formal (atendendo aos requisitos acima). Muitas negociações são informais e ocorrem até à revelia do proponente do projeto. Quando os conflitos estão amadurecendo, “seria um erro monumental presumir que nenhuma negociação importante está acontecendo (…) ambos os lados estão explorando e testando o outro (…) para ver até onde este é capaz de ir” (p. 14). Em uma negociação formal, o negociador Gorczynski ironiza que “ambos os lados concederam ao outro a suprema condescendência de concordar em negociar”.

“Um pré-requisito de toda negociação é que as partes aceitem negociar. Isso implica o reconhecimento da legitimidade da outra parte” (Sánchez et al., 1993, p. 489), o que nem sempre é fácil de conseguir. Entretanto, um fator que impulsiona a negociação é a ameaça de uma disputa judicial, que pode ser longa e, se for até o fim, resultar em uma parte ganhadora e outra perdedora. Para disputas ambientais, o leque de opções é muito pobre, um “jogo de soma nula” no qual há necessariamente um vencedor e seu corolário, o derrotado. A negociação, ao contrário, torna possível que as partes envolvidas em uma disputa possam ter algum ganho, através de um “uso produtivo do conflito” (Bape, 1986).

Quando um grupo de cidadãos vê que uma ameaça a seus interesses ou seus valores possivelmente emerge de um projeto público ou privado, pode usar diversas estratégias para reagir. Barouch e Theys (1987) mapeiam os tipos de reação a tais situações. Em um extremo, há uma “indignação moral” que desemboca em uma oposição ferrenha, por princípio avessa a todo tipo de negociação, e fundada sobre princípios morais ou éticos; reação muitas vezes rebatida, pela outra parte, com outros argumentos morais, como a defesa do emprego. Uma postura de “resignação razoável” reconhece uma relação de forças frequentemente desfavorável aos ideais conservacionistas, e por isso avança argumentos pragmáticos, como o valor econômico e o uso sustentável dos recursos ambientais ou os serviços fornecidos pelos ecossistemas. Os que aí se posicionam “reivindicam que a negociação seja colocada unicamente no terreno da racionalidade” (p. 4). Barouch e Theys entendem que esse tipo de “legitimação por competência” é uma estratégia eficaz, por se situar em um campo familiar ao proponente do projeto. Demonstrar competência técnica “em 90% dos casos funciona melhor que a legitimação ética” (p. 8).

Os pesquisadores que se filiam à escola da economia ecológica desenvolvem vários trabalhos nessa linha (Costanza, 1991), como a estimativa de que o valor global dos serviços ambientais fornecidos pela natureza se elevaria a cerca de US$ 33 trilhões por ano (em valores de 1998), cerca do dobro da soma dos produtos nacionais brutos de todos os países do globo naquele ano (Costanza et al., 1997). Balmford et al. (2002) defendem que mais benefícios econômicos podem ser obtidos da conservação dos hábitats naturais que de sua conversão a outras formas de uso, e que o benefício de “um programa global de conservação dos remanescentes naturais” seria cem vezes maior que os custos.

Para os empreendedores, a oposição ambientalista é muitas vezes descrita com adjetivos como “radical”, “poética”, “irrealista” e as ONGs podem ser classificadas como “opositoras” ou “construtivas”, que seriam aquelas que colaboram. Os empreendedores, por sua vez, distribuem-se em um largo espectro, representando interesses privados, empresas estatais, na qualidade de diretores regiamente pagos, de self-made men ou de subalternos que representam interesses dos patrões ou, ainda, de representantes governamentais promovendo agendas partidárias. Seu discurso na atualidade vai da responsabilidade social e da contribuição ao desenvolvimento sustentável aos jargões de antigamente, em que ainda imperam palavras de ordem como “progresso” e “pagamento de impostos”, além da “geração de empregos”.

Gorczynski sugere que o negociador sério deve compreender bem o que pensa seu adversário, mas na negociação formal boas maneiras imperam: “é contraprodutivo e tolo ridicularizar seu oponente e persistir em distorcer suas posições se ele mostrou a cortesia e o respeito de concordar em negociar com você” (p. 15). Mas o autor, como arguto observador, jocosamente traça caricaturas dos principais protagonistas. Como toda caricatura, as características exacerbadas parecem ajudar a compreender melhor a personagem: os empreendedores se acham “os verdadeiros heróis deste mundo”, cujos esforços “criam riqueza e empregos e os incontáveis benefícios da moderna civilização”; já os ativistas “acreditam estar imbuídos de uma missão divina (…) e buscam perfeição e pureza e não compromisso e vitória”; engenheiros são uma lástima em negociações “e falam uma linguagem que 99% da raça humana não consegue entender”, usando somente um dos hemisférios de seu cérebro, o lógico e analítico; eles e seus colegas cientistas “sentem-se superiores ao restante dos mortais por ter um conhecimento especial que os demais não têm”; os advogados são como “os pistoleiros de aluguel do velho Oeste”; já os políticos “não sabem sobre o que estão falando durante 90% do tempo”; quanto aos jornalistas, devem ser tratados “como pessoas armadas” que podem atirar contra você; finalmente, quanto aos burocratas, deve-se saber por que escolheram esse serviço, já que a maneira de tratá-los vai depender de sua motivação. Na negociação direta, conhecer o perfil dos interlocutores e saber antecipar suas jogadas é uma arte.

A negociação direta envolve estratégia e tática. Parte da estratégia é identificar e compreender os interesses, entendidos como as “necessidades que têm as partes”. Em uma disputa, os interesses estão frequentemente escondidos atrás de posições, que são “preferências substantivas verbalizadas”6. As posições fazem parte do discurso das partes em litígio, mas podem ser meras peças de retórica. Os interesses podem ser (1) substantivos (referentes ao conteúdo de uma decisão); (2) processuais (referentes às formas e mecanismos através dos quais as decisões são tomadas); ou (3) psicológicos (referentes à forma como as pessoas se sentem tratadas nas negociações). Descobrir quais os reais interesses das outras partes já sinaliza quais são as possíveis soluções. Um líder comunitário pode posicionar-se contra um projeto porque sua possível realização não lhe foi comunicada antes das demais pessoas e diretamente pelo empreendedor (interesse psicológico), porque a comunidade não foi consultada (interesse processual) ou porque acredita que seu grupo será excessiva e injustamente prejudicado com a implantação do projeto (interesse substantivo).

Os estilos de negociação variam entre a discussão sobre posições (positional bargaining) e a negociação sobre interesses. No primeiro tipo, a conversa já começa com uma solução, expressa por meio de posições e ofertas, continuando com uma contraoferta da outra parte. O processo assemelha-se ao ato de pechinchar no mercado. Suares (1996) denomina a discussão sobre posições como “modelo distributivo ou convergente”, na medida em que se tenta convergir para algum acordo situado em um ponto intermediário entre as posições iniciais.

A negociação com base em interesses visa manter boas relações duradouras; as partes “educam” as outras sobre suas necessidades, justificam suas posições e tentam, juntas, encontrar ou desenvolver soluções aceitáveis para todos. A modalidade permite explorar opções, que são soluções potenciais que atendem a um ou mais interesses. O autor chama a negociação sobre interesses de “modelo integrativo ou de ganho mútuo”, no qual ambas as partes podem sair ganhando. Pode-se gerar várias opções, avaliar cada uma delas (até que ponto elas atendem aos interesses ou necessidades das partes) e selecionar as mais viáveis. É também um processo mais demorado e que pode demandar recursos, no mínimo o tempo despendido nas negociações e na preparação para os encontros. A negociação termina, após acordo, com um plano de implementação.

No mundo real, essas duas modalidades não são escolhidas antes, como se escolhem as armas em um duelo cinematográfico. A parte mais experiente pode tentar conduzir a negociação de um duelo sobre posições para um diálogo sobre interesses. Assim, não responder a um posicionamento retórico com outra declaração de efeito, identificar e declarar os pontos comuns em vez de salientar as diferenças, buscar primeiro um acordo sobre as questões mais fáceis, sugerir o hipotético atendimento de determinada reivindicação para explorar opções que se seguiriam são algumas táticas que podem ser usadas no curso de uma negociação.

NEGOCIAÇÃO ASSISTIDA

A negociação entre partes em conflito pode ser facilitada por meio da participação de especialistas. Métodos alternativos de resolução de disputas têm sido usados em vários casos de conflitos ambientais, porém com aparente predominância em situações já estabelecidas, quando já ocorreram impactos ou danos, ou quando um dano é iminente. Uma provável razão para isso decorre do fato dos empreendimentos em fase de avaliação prévia serem, justamente, apenas projetos de situações potenciais e não ainda concretas.

Não obstante, métodos alternativos de resolução de disputas encontram aplicação em AIA, particularmente onde as disputas judiciais são frequentes, como nos Estados Unidos (Bingham e Landstaff, 1997). O processo de AIA oferece diversas oportunidades para negociação, e muitas vezes a autoridade responsável ou a que promove a consulta pública pode atuar como facilitadora da negociação (mas raramente a autoridade com poder decisório). Essa última modalidade é exemplificada pela atuação do Bureau d’Audiences Publiques sur l’Environnement (Bape) do Quebec (conforme seção 16.5), que, ao invés de realizar uma consulta ampla e aberta a todos, pode decidir por usar uma modalidade de negociação, a mediação. A experiência desse organismo é de um processo de mediação “menos conflituoso que a audiência pública” e que “favorece uma melhoria dos projetos, ao mesmo tempo em que respeita as expectativas e as restrições de todas as partes envolvidas” (Bape, 1994, p. 14).

Mediação é definida como “modo amigável de resolução de litígios no qual um terceiro é encarregado de propor às partes uma solução para as suas desavenças”. É uma modalidade de negociação que se diferencia da conciliação, definida como “modo amigável de resolução de litígios no qual as partes tentam se entender diretamente, se necessário com a ajuda de um terceiro, para encerrar suas desavenças”. A diferença entre conciliação e mediação é que um terceiro não necessariamente intervém naquela, ao passo que na mediação a terceira parte tem um papel ativo (Bape, 1994, p. 27). Na Justiça brasileira, os casos levados aos tribunais de pequenas causas são primeiro tratados por um conciliador, que convoca uma reunião entre as partes litigiosas e pergunta se há alguma possibilidade de acordo.

Ao notarem que a maioria dos conflitos que envolvem múltiplas partes e diferentes questões, como os ambientais, somente se resolvem com ajuda externa, Susskind e Cruikshank (1987, p. 240) identificam três formas de “negociação assistida”: facilitação, mediação e arbitragem não vinculante. A arbitragem não vinculante é uma categoria diferente da arbitragem comercial. Os contratos privados que estabelecem o mecanismo de arbitragem para resolução de desavenças estipulam que as decisões do árbitro são inapeláveis; caso contrário, a arbitragem é ineficaz. Na arbitragem não vinculante, o árbitro oferece uma opinião sobre como as partes poderiam resolver sua disputa. Esse é normalmente o “último estágio antes que as partes atravessem a fronteira rumo a uma solução não consensual” (Susskind e Cruikshank, 1987, p. 241). A mediação não é vinculante.

O facilitador executa tarefas pré-negociação, como a formulação de regras para guiar a negociação e o estabelecimento de uma agenda; pode também fazer serviços de secretaria, como identificar e preparar locais para encontros e preparar atas e relatos. A mediação se dá pela atuação de uma terceira parte, imparcial, no processo de negociação, parte que não tem interesse em nenhum resultado em particular. O mediador não é um mero interlocutor, mas alguém que busca ativamente possibilidades de solução e assiste as partes na busca de um acordo. Um mediador se reunirá separadamente com cada parte, tantas vezes quanto for necessário, para entender suas necessidades e interesses, e somente depois promoverá um ou mais encontros entre as partes. Ele deve identificar e compreender os interesses das partes e não se deixar influenciar por suas posições e pela sua retórica.

O conceito de mediação do Bape é de

um processo no qual uma terceira parte, independente e imparcial e que não tem o poder e a missão de impor uma decisão, ajuda as partes, geralmente o proponente de um projeto e cidadãos que requerem uma audiência pública, a resolver suas desavenças ou a se entenderem acerca de pontos precisos (Bape, 1994, p. 18).

A autoridade que tem o poder de decisão — o órgão licenciador no Brasil — não pode atuar como mediador. Nos Estados Unidos, diversos casos de mediação envolvem a EPA e outra parte. Para Susskind e Cruikshank (1987, p. 10), “não é realista esperar que agências administrativas (como a EPA) nos ajudem quando outros mecanismos falham”, não é sua missão, pois seu papel é fazer cumprir a lei. Susskind e Cruikshank vão mais longe: “a resolução administrativa de disputas públicas tende a favorecer aqueles que detêm poder de lobby e podem atuar nos bastidores da política”.

O Bape atua como mediador público, mas nos Estados Unidos há muitos casos de mediação privada. Sánchez et al. (1993) relatam um caso de mediação conduzida por uma empresa de consultoria ambiental envolvendo uma pedreira e a comunidade vizinha, mas não se tratava de um novo projeto, e, sim, de um empreendimento que funcionava havia mais de 40 anos. A dificuldade de um mediador privado em um conflito ambiental é ter credibilidade e conquistar a confiança da outra parte, já que uma delas (normalmente o empreendedor) paga pelos serviços de mediação. Foram feitas várias reuniões com cada parte, negociando-se um acordo. As partes em conflito somente se encontraram pessoalmente quando da assinatura do acordo, em um território neutro, o escritório do consultor-mediador.

O emprego de qualquer mediação requer adesão voluntária e que o conflito admita possibilidade de compromisso. Ao ser voluntário, naturalmente as partes podem abandonar o processo a qualquer momento. O tipo de mediação preconizado pelo Bape é de interesse porque se aplica ao tipo exato de problema colocado pela tomada de decisão no processo de AIA, ou seja, não se trata somente de mediação, no sentido amplo, nem mesmo de mediação ambiental (aplicada a várias modalidades de conflitos de cunho ambiental), mas de facilitar decisões sobre empreendimentos que causam impactos significativos. Assim, “o recurso à mediação somente é possível quando há acordo sobre a justificativa do projeto e sua eventual realização” (Bape, 1994). A lei federal canadense também abriu a possibilidade de mediação, ao invés de um panel review, mas a realidade tem mostrado que a maioria dos conflitos que surgem no âmbito do processo federal não se presta a isso.

17.5 MECANISMOS DE CONTROLE

Cada país introduziu, em sua legislação, alguns mecanismos que permitem à sociedade exercer certo controle sobre as decisões governamentais. A clássica separação de poderes, a liberdade de imprensa e, mais modernamente, a fiscalização exercida pelo Ministério Público são alguns mecanismos de controle democrático. No campo da avaliação de impacto ambiental, há mecanismos que permitem ao Estado controlar a qualidade dos estudos de impacto ambiental e mecanismos que permitem à sociedade exercer certo controle sobre as decisões. Há três tipos de mecanismos principais de controle:

  Controle administrativo, exercido por uma autoridade governamental encarregada de gerir o processo de AIA; tal controle é claramente aplicado durante a análise técnica dos estudos ambientais, mas está presente em outras partes do processo, como na formulação dos termos de referência para um EIA.

  Controle do público, exercido por intermédio de processos participativos previstos pela legislação, como as audiências públicas ou a participação em colegiados, ou ainda por intermédio do direito dos cidadãos manifestarem livremente suas opiniões.

  Controle judicial, exercido por intermédio do Poder Judiciário, acionado por cidadãos, ONGs ou pelo Ministério Público.

Além desses, dois outros mecanismos de controle podem ser exercidos no âmbito do processo de AIA (Ortolano et al., 1987):

  Controle instrumental, quando um agente financiador avalia a qualidade dos estudos e pode exigir modificações de projeto ou complementações dos estudos, além de acompanhar a implantação do empreendimento por intermédio de supervisão ou auditoria; bancos de desenvolvimento e agências bilaterais de cooperação exercem esse tipo de controle.

  Controle profissional, quando códigos de ética ou mesmo procedimentos de sanção no âmbito de uma categoria profissional têm influência sobre as atitudes dos profissionais envolvidos na elaboração dos EIAs.

As modalidades práticas de controle e a importância relativa de cada um deles variam entre jurisdições. A importância do controle judicial, por exemplo, depende do acesso à Justiça, dos riscos e custos em caso de perda da causa e também das tradições jurídicas e democráticas do país. Assim, nos Estados Unidos, cerca de 10% dos estudos de impacto ambiental realizados entre 1970 e 1982 foram objeto de disputa na Justiça (Kennedy, 1984), ao passo que, na França, país com maior tradição de resolver disputas por meio de negociações de cunho político, apenas 0,65% desses estudos foram questionados judicialmente durante os cinco primeiros anos de aplicação da lei que introduziu a exigência de apresentação de estudos de impacto (Hébrard, 1982).

Na Holanda, o controle judicial é visto por Soppe e Pieters (2002) não somente como efetivo, mas como capaz de cobrir lacunas da própria lei. A questão com maior frequência levada aos tribunais é a da necessidade de um EIA, cujos julgamentos são “rigorosos e usualmente lógicos”, além de “razoavelmente consistentes”, fazendo da suspensão ou nulidade de uma licença uma sanção suficientemente forte, por implicar “desperdício de tempo e dinheiro, algo que todo proponente deseja evitar a todo custo” (p. 30).

O alcance do controle administrativo depende dos procedimentos de análise dos estudos. Como mencionado acima, nos Estados Unidos, onde a própria agência governamental com responsabilidades sobre o projeto faz sua avaliação de impacto, o controle administrativo é exercido por outras agências do governo federal (o procedimento chamado de inter-agency review) e pela Environmental Protection Agency. Na França, os projetos públicos e privados são analisados por uma agência setorial que exerce um primeiro nível de controle administrativo; outras agências setoriais dão, em seguida, seu parecer, e o Ministério do Meio Ambiente, que só intervém se acionado formalmente, constitui um terceiro nível de controle administrativo.

O controle do público é, de longe, o mais importante, e deve ser visto em duas dimensões, das quais a mais imediata é o controle direto mediante os mecanismos formais de consulta e participação públicas. Mais importante talvez seja a dimensão do controle indireto, quando o público pressiona para que sejam mais efetivos o controle administrativo e o controle judicial. Mesmo sem mecanismos formais de participação é possível haver um controle por parte do público, por intermédio de denúncias, manifestações e pressão política. A formalização dos procedimentos de consulta tenciona justamente regulamentar o acesso do público à informação e minimizar a probabilidade de ocorrência de conflitos, canalizando o potencial para um fórum reconhecido como legítimo pelas partes envolvidas. O direito à informação em tempo hábil é o ponto nevrálgico para que possa haver um real controle do público.


1Leis estaduais americanas podem diferir bastante da lei federal quanto às modalidades de decisão, dentre outras diferenças.

2Vale dizer que, embora prevista em lei, a mediação não vem sendo utilizada.

3A Comissão tem estatuto jurídico de fundação privada, mantido com subsídios governamentais; suas atribuições são estabelecidas na Lei de Gestão Ambiental (Ceia, 2002b).

4”Resolver depois de exame e discussão” (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 1986). “Decidir após reflexão e/ou consultas” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001).

5”A Price on the Priceless”, The Economist, 17 ago. 1991, e Resource Assessment Commission (1991).

6A inspiração e os conceitos apresentados nesse parágrafo e nos seguintes vêm de uma oficina sobre Effective Negotiation ministrada por Christopher W. Moore, em setembro de 1995, em Chiang Mai, Tailândia, no âmbito do Programa Lead (Leadership for Environment and Development).