Vinte anos para escrever um livro não é muito. Não é exagero dizer que comecei a escrevê-lo em julho de 1985, em um frio e cinzento verão da também cinzenta Aberdeen, na costa oriental da Escócia. O Center for Environmental Management and Planning –CEMP, da Universidade de Aberdeen, era reconhecido pelo seminário internacional de duas semanas, que todos os anos reunia, sempre no “verão”, especialistas de vários países para palestras, debates e exercícios sobre Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). Era uma excelente oportunidade para quem, em poucos meses, pretendia iniciar um doutorado sobre esse tema. Foi uma longa viagem desde a França, onde eu já era bolsista do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), de ônibus, navio, trem e até carona, pois era preciso economizar – os organizadores do seminário haviam me oferecido uma bolsa, mas eu teria de chegar e me hospedar por meus próprios meios.
No inverno parisiense de fevereiro de 1989, outro fato influenciaria este livro. Bill Kennedy, Rémy Barré, Ignacy Sachs e Pierre-Noël Giraud, estes últimos, respectivamente, co-orientador e orientador, acharam que aquele “objeto físico, prescrito pela lei, composto de um certo número de páginas datilografadas, que se supõe tenha alguma relação com a disciplina na qual a pessoa se gradua, e que não deixe a banca em um estado de doloroso estupor”, como Umberto Eco (1986, p. 249) define uma tese, merecia aprovação. Bem, eu havia concluído uma tese sobre “Os papéis dos estudos de impacto ambiental de projetos mineiros”, depois de quatro anos e meio como bolsista do CNPq. Foi, na verdade, o ponto de partida para minha dedicação profissional à avaliação de impacto ambiental.
De volta a São Paulo, após o doutorado, havia boa demanda para estudos de impacto ambiental e, felizmente, pude logo começar a trabalhar no ramo. Como meu interesse era mais voltado para a vida acadêmica, enviei um trabalho baseado em minha tese para um simpósio organizado pelo Professor Sérgio Médici de Eston, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, em agosto de 1989. Na sequência, veio um convite para ministrar algumas aulas em uma nova disciplina que o Departamento de Engenharia de Minas havia criado para os quintoanistas. Coincidentemente, abriu-se um concurso para contratar um novo docente e, dez anos depois de me graduar na Poli, voltei como professor e iniciei uma disciplina de pós-graduação sobre Avaliação de Impacto Ambiental de Projetos de Mineração, em 1990.
Meu interesse por temas ambientais vinha desde a graduação – período que também me possibilitou as primeiras experiências de convivência multidisciplinar. Já no primeiro ano de universidade, ingressei no CEU – Centro Excursionista Universitário –, onde estudantes de todas as áreas se reuniam para fazer caminhadas, escaladas, mergulhos e visitar cavernas. Para alguns adeptos do excursionismo, a atividade implicava mais que recreação e demandava uma verdadeira interpretação da natureza. Logo notei que isso ainda era insuficiente: os belos lugares que frequentávamos eram cada vez mais assediados por interesses econômicos – imobiliários, turísticos, minerários –, cujos impactos iam se evidenciando.
Nessa época, notei que a Engenharia era insuficiente para lidar com a natureza e a sociedade, e fui buscar na Geografia um complemento indispensável. No início dos anos 1980, depois de me formar em Engenharia de Minas e enquanto fazia a graduação em Geografia, a avaliação de impacto ambiental surgiu como um assunto promissor para quem quisesse se dedicar ao então restrito campo de trabalho do planejamento e gestão ambiental.
O primeiro embrião deste livro só surgiu muitos anos depois, em 1998, quando passei a ministrar uma disciplina sobre avaliação de impacto ambiental no Pece – Programa de Educação Continuada –, da Escola Politécnica. Tive de preparar uma apostila, bem esbelta nesse primeiro ano, mas que foi engordando cada vez mais, pois os alunos do curso de especialização do período noturno tinham um perfil diferente dos alunos da pós-graduação. Para estes, eu apontava uma vasta bibliografia e cada um se virava como podia. Já os alunos do curso noturno não tinham tempo de frequentar bibliotecas.
Outra motivação para este livro viria com a aproximação de uma disciplina de graduação, iniciada em 2006. Mais uma vez, eu teria de pensar em métodos diferentes de ensino. Seria muito bom ter uma apostila completa, mas um livro seria muito melhor. Os amigos já me diziam isso havia anos. Sem me consultar, Rozely Ferreira dos Santos furtivamente entregou um exemplar de uma versão da apostila para Shoshana Signer, que havia fundado uma editora (a Oficina de Textos) e que se interessou pelo tema, decidindo publicá-lo. A partir de então, não pude mais fugir da responsabilidade. Dei minha palavra de que entregaria um texto completo, mas negociei vários meses de prazo.
Com esta breve história de meu envolvimento pessoal, quero dizer que a avaliação de impacto ambiental é um tema fascinante, que reúne trabalho de campo com o emprego de sofisticadas ferramentas computacionais, engloba a conversa com o cidadão comum, a negociação privada com interesses econômicos e o debate público. O profissional da avaliação de impacto ambiental só terá sucesso se for capaz de dialogar com profissionais especializados, ao mesmo tempo que cultiva a multidisciplinaridade.
O termo “avaliação de impacto ambiental” tem hoje múltiplos sentidos. Designa diferentes metodologias, procedimentos ou ferramentas empregados por agentes públicos e privados no campo do planejamento e gestão ambiental, sendo usado para descrever os impactos ambientais decorrentes de projetos de engenharia, de obras ou atividades humanas quaisquer, incluindo tanto os impactos causados pelos processos produtivos quanto aqueles decorrentes dos produtos dessa atividade. É usado para descrever os impactos que podem advir de um determinado empreendimento a ser implantado, assim como para designar o estudo dos impactos que ocorreram no passado ou estão ocorrendo no presente.
Assim, é comum encontrar-se, sob a denominação de avaliação de impacto ambiental, atividades tão diferentes como: (i) previsão dos impactos potenciais que um projeto de engenharia poderá vir a causar, caso venha a ser implantado; atualmente, essa modalidade da avaliação de impacto ambiental divide-se em ramos especializados, como avaliação de impacto social, de impactos sobre a saúde humana e outros; (ii) identificação das consequências futuras de planos ou programas de desenvolvimento socioeconômico ou de políticas governamentais (modalidade conhecida como avaliação ambiental estratégica); (iii) estudo das alterações ambientais ocorridas em uma determinada região ou determinado local, decorrentes de uma atividade individual ou de uma série de atividades humanas, passadas ou presentes (nesta acepção, a avaliação de impacto ambiental também é chamada de avaliação de dano ambiental ou avaliação do passivo ambiental, uma vez que se preocupa com os impactos ambientais negativos); (iv) identificação e interpretação de aspectos e impactos ambientais decorrentes das atividades de uma organização, nos termos das normas técnicas da série ISO 14.000; (v) análise dos impactos ambientais decorrentes do processo de produção, da utilização e do descarte de um determinado produto (esta forma particular de avaliação de impacto ambiental é também chamada de análise de ciclo de vida).
Embora todas essas variantes da avaliação de impacto ambiental tenham uma raiz comum, passaram a trilhar caminhos próprios, o que é natural em toda disciplina. Tratar de todas elas com a devida profundidade não é possível em um único livro. Para cada uma dessas cinco modalidades, foram desenvolvidas metodologias e ferramentas específicas, haja vista que seus objetivos não são inteiramente coincidentes. Assim, este livro trata, essencialmente, da primeira variante, aquela que deu origem às demais e que tem como objetivo antever as consequências futuras sobre a qualidade ambiental de decisões tomadas hoje. É nesse sentido que a avaliação de impacto ambiental será abordada aqui.
O tema é apresentado em seis partes. Na primeira (Cap. 1), alinhavam-se conceitos e definições essenciais para a boa compreensão do texto. As origens e a evolução da Avaliação de Impacto Ambiental, uma disciplina em constante movimento, são tratadas na segunda parte (Caps. 2 e 3). Na terceira parte, define-se o processo de AIA e apresentam-se suas etapas iniciais (Cap. 4 ao 6). O planejamento e a preparação de um estudo de impacto ambiental (modelo para as demais modalidades de estudos ambientais) é tratado na quarta parte (Cap. 7 ao 14). As etapas do processo de AIA que levam à tomada de decisões é o assunto discutido na quinta parte (Cap. 15 ao 17), ao passo que a sexta e última parte (Cap. 18) aborda a continuidade da avaliação de impacto ambiental após a aprovação dos projetos. Glossário, bibliografia e um apêndice com indicações de documentos e endereços para busca de informações adicionais complementam o livro.